Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
‘’Perco- me na intensidade deste sentir...
Sinto-te, desejo, mas impossível tocá-lo
Como mentir!? És tudo p’ra mim, vida,
Mas existe um abismo, entre nós dois...’’
Fabiane Braga Lima
O melhor de um grande dia é o dia seguinte, assim dizem! Onde as verdades se
avolumam e se engrandecem, ou se diminuem e se dissipam no ar! Ao final de um
grande dia, um texto meu circulava pelos subterrâneos culturais alternativos,
fora paus e pedras, elogios e flores e também muita gente chocada. Norte
americanos fuleiros disseram alguns, erros crassos disseram o povo das artes
cênicas. E o povo das subculturas vieram os aplausos e os vivas. Eu, em
particular, não me sentia pequena e nem agigantada, eu era e ainda sou,
somente. Eu e a minha realidade cotidiana, era e é somente a minha realidade de
uma completa desconhecida, para além do meio que eu existo.
E nada fica no lugar, eu a cidadã das nuvens, exilada na hirta realidade, as
coisas têm um peso maior. E lá estava ele, em um déja-vu, o meu pai, o
consagrado e prestigiado economista financeiro e também teórico, ele estava me
esperando, com a revista Astro-domo em mãos. A malfadada revista de arte,
cultura e comportamento, que dificilmente, estaria nas mãos do meu jovem pai, o
adorável amante de números, cálculos, planilhas e planejamento. Ele devorava
livros, jornais, revistas e publicações digitais, de vários campos das ciências
econômicas e da administração e do mundo das finanças. Eram publicações em
vários idiomas e muitas delas desconhecidas do grande público.
Contudo a realidade sempre se impõe, como o pior dos piores pesadelos, pois da
realidade não se pode fugir, nos força a sair da segurança tranquila dos nossos
mundos particulares cotidianos. Para o meu pai, a garotinha dele, estava
crescendo e virando uma mocinha, criando negras asas e voando. Ler os meus
textos, na versão física na revista Astro-domo, era e ainda é, vista pelo meu
progenitor, como algo preocupante e particularmente aterrador.
E de volta ao início, fiquei na porta da sala de estar, na semiescuridão, lendo
a revista, pois a revista Astro-domo vem com isto, ler alguns textos na
semiescuridão, eram fontes luminosas, para ler na semiescuridão. Eu esperei o
golpe, fechei a porta, andei alguns passos à frente e fiquei entre a mesa de
centro e o meu possível algoz.
— Boa noite, minha filha querida! — Murmurou o meu pai, sem tirar os olhos do
meu texto e continuou — Ou Lady Cristal corrijo-me eu!
— Estás gostando da leitura? — Respondi com força.
— Interessante, já posso calcular os quanto custa uma edição de livro de pouca
tiragem e quanto custa uma digressão de uma banda de Grindcore pela Europa e
pelo nosso amado país. É muito bom os contatos das pequenas editoras, selos
editoriais e produtoras independentes, agora posso encomendar custos de
produção e comparar preços, em diversos serviços. — Era o meu pai, falando que
tudo estava bem.
— Bom saber! — Devolvi, esperando que ele não levantasse os olhos e me encarou,
mas levantou os olhos e me encarou com o olhar da penitencio e para depois me
confortar com o sorriso da benevolência.
— Outro final em aberto? — Era o professor falando e o pai indo para outro
lugar.
— Adoro as finais em aberto! E antes que pergunte, sim haverá outros
desdobramentos! — Abri caminho para o meu pai voltar. Aí lembrei que estava no
breu e fui acender a luz.
— Sempre me manipulando, este velho aqui como um grande especular, manipula o
mercado de comodidades de safras futuras! — O bom professor se recusava em ir
embora.
Virei-me e sorri de nervoso, caminhei até a frente
do meu pai, eu queria acabar com a coisa toda.
— Uma conversa delicada! — Disse tentando não me expor.
— O bom e velho universo compartilhado, já organizei as finanças de escritores
e editoras, como é o meu mister é conhecer os meus assessorados! — Disse o meu
pai e colocando a revista na mesa de centro.
— Sim, talvez e talvez digo que vá parar em um universo compartilhado, ou eu
aproveite os personagens e ambientação em outros universos meus! — Eu queria
terminar aqui, joguei a minha bolsa na mesa de centro, me rendi pois a pergunta
seguinte não tardava.
— E o que houve com os quatro cavalheiros sulistas? — A pergunta veio afinal. O
meu pai veio com força e adeus economista.
— Pois bem! Digo somente para minha audiência cativa e particular! — E arrastei
a poltrona que estava ao lado do meu pai, me sentei na frente da minha
audiência. — Então os quatro cavalheiros de descendência sulistas, irão
vivenciar os horrores e terrores que lhe foi mostrado, acordaram e se depararam
com a senhora de idade avançada, varrendo as folhas secas no palco. O teatro
estava vazio, a audiência simplesmente foi embora depois que a peça tinha
acabado, os quatro cavalheiros de descendência sulistas, tentaram deixar o
pequeno teatro. E não conseguiram, presos as poltronas, escutaram a senhora
falar que eles não tinham escolhas a não ser vivenciar os mesmos horrores e
terrores para sempre.
O meu olhou para mim, se levantou e me deu boa noite. Eu me recolhi na minha
insignificância e caí na cama só acordando no dia seguinte.
Fragmento
do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista,
novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
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