quarta-feira, 1 de outubro de 2025

ANÁLISE CRÍTICA DO FILME "ANIMAL" (2017), DOS IRMÃOS BAHRAM E BAHMAN ARD

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

O cinema iraniano contemporâneo tem se destacado por sua capacidade de abordar temas políticos e sociais por meio de narrativas simbólicas e minimalistas. Animal (2017) é exemplar nesse contexto, ao retratar um homem que se transforma em carneiro para atravessar uma fronteira.

O protagonista faz várias tentativas de ultrapassar a fronteira. Primeiro, camuflado com ramos para tentar romper uma cerca que delimita a fronteira. Depois, camuflado com uma pele e cabeça de carneiro, que ele abate no campo. Após esquartejar o carneiro e retirar sua pele, ele a veste. Neste momento, ele assume uma postura que remete à figura mítica de Baphomet, uma criatura andrógina com cabeça e patas de bode, seios, asas de anjo e um pentagrama na testa cuja primeira menção surge durante o julgamento dos Cavaleiros Templários. Segundo historiadores, o nome Baphomet pode ter sido uma corruptela do nome do profeta Maomé (ou Mahomet), em uma tentativa de ligar os templários ao islamismo e, assim, a rituais heréticos. É uma figura cultuada na maçonaria também. Entretanto, apesar de não ser muito considerada nos países islâmicos como o Irã, país do filme Animal (2017), sua presença deixa uma grande pergunta sobre a cena.

Camuflado de carneiro, o protagonista precisa aprender a agir como tal. Passa então a ver vídeos sobre o comportamento de rebanhos de carneiros, tentando imitá-los em seu comportamento e, assim, tentar passar despercebido em sua tentativa de cruzar a fronteira.

Quando se considera preparado para tal façanha, apesar da vigilância da guarda da fronteira, consegue atravessá-la e parece sentir um estranhamento ao deparar-se com um campo de gamos, supostamente mantidos sob controle em um campo confinado. Isso é explícito pela presença de brincos de plástico nas orelhas. Nesse momento, ao perceber que saiu de um ambiente confinado enquanto homem e chegou a outro campo de confinamento, é abatido por um caçador de lebres.

A paleta de cores terrosas e o uso de planos fechados criam uma atmosfera de escassez e confinamento. Gilles Deleuze (1985) afirma que o espaço cinematográfico pode ser um “espaço qualquer”, onde o corpo se dissolve na imagem. Em Animal (2017), esse espaço é a terra árida, que aprisiona o protagonista. O vermelho do sangue rompe o silêncio visual, revelando a violência latente da transformação.

A aspect ratio do filme Animal (2017) é de 2.35:1. Tal razão de aspecto (ou aspect ratio) tem o propósito de ampliar o espaço visual, destacando a vastidão e a hostilidade do ambiente; criar tensão e isolamento, com o personagem muitas vezes pequeno dentro do quadro largo; reforçar o contraste entre o humano e o animal, explorando a linha tênue entre civilização e instinto; e dar um tom cinematográfico e universal, mesmo sendo um curta-metragem iraniano de 16 minutos. Assim, a história silenciosa é transformada em uma experiência visceral.

A atuação física do protagonista remete ao conceito de “corpo sem órgãos” de Antonin Artaud (1947), em que o corpo se desfaz de suas funções para se tornar pura presença. Sem diálogos, o ator comunica dor e resistência por meio da carne. Giorgio Agamben (2004) argumenta que o Homo sacer é aquele cuja vida pode ser sacrificada sem punição e o protagonista de Animal (2017) encarna essa figura, ao se tornar invisível para sobreviver.

A cerca é símbolo recorrente, delimitando não apenas espaço físico, mas também a condição existencial. A animalização do protagonista é uma estratégia de sobrevivência, mas também um apagamento de sua subjetividade. A escolha do carneiro — símbolo de submissão — reforça essa leitura. A fronteira, nesse contexto, separa o humano do não-humano, o livre do cativo.

A criação do gamo persa (Dama mesopotamica) no Irã, espécie ameaçada e mantida em cativeiro, oferece um paralelo simbólico. Assim como o protagonista, o cervo sobrevive à custa da domesticação. Daí o estranhamento do personagem ao ver-se de frente com um rebanho de gamos com brincos de identificação de plástico nas orelhas. Ambos são mantidos vivos por sistemas que os negam como sujeitos. A animalização, nesse sentido, é tanto estratégia de resistência quanto uma forma de apagamento.

Animal (2017) é uma obra que fala através do silêncio, que denuncia através da carne, que resiste através da imagem. Ao articular estética e política com profundidade simbólica, os irmãos Ark, roteiristas e diretores do filme, entregam um manifesto visual sobre a condição humana em contextos de opressão. A animalização, longe de ser apenas metáfora, torna-se linguagem, e uma forma de dizer o indizível.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

ARK, Bahram; ARK, Bahman. Animal. Irã, 2017. Curta-metragem.

ARTAUD, Antonin. Para acabar com o juízo de Deus. São Paulo: Editora Iluminuras, 1993.

DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1985.

 

 

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