quarta-feira, 1 de outubro de 2025

PLACAR: 55 ANOS ENTRE O PAPEL E A TELA

 Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

Revista que atravessou gerações do futebol brasileiro resiste como símbolo do jornalismo esportivo impresso e se reinventa no mundo digital.


Era um sábado de março de 2020 quando o torcedor brasileiro percebeu que algo mudara para sempre. As ruas estavam mais vazias do que de costume — afinal, a pandemia de COVID-19 já havia começado a transformar o ritmo da vida. Mas, naquela manhã, havia também um silêncio diferente nas bancas de jornal. O Lance! diário esportivo que, por mais de duas décadas, desde 1997, havia acompanhado a rotina de quem vivia de futebol, deixava de circular em papel.

O fim de o Lance! não foi apenas o fim de um jornal: foi o fim de uma era. Antes dele, já tinham ficado pelo caminho gigantes como A Gazeta Esportiva, de São Paulo, e o carioca Jornal dos Sports. O Brasil, que tantas vezes se reconheceu nas páginas cor-de-rosa ou nos cadernos recheados de estatísticas, passava a contar com um único sobrevivente em papel: a Revista Placar.

A Revista Placar nasceu em 1970, em plena euforia da Copa do Mundo no México, quando Pelé, Jairzinho, Tostão e companhia escreveram um dos capítulos mais gloriosos da história do futebol. Era natural que o país quisesse uma revista que acompanhasse o tamanho dessa paixão.

De lá para cá, foram cinco décadas e meia de resistência. Mais que isso: de reinvenção. A Revista Placar atravessou crises econômicas, mudanças de dono, transformações do jornalismo e a revolução digital. Ainda assim, segue viva — mensal, em papel, com 66 páginas que respiram futebol.

Abrir uma Revista Placar é sempre mais do que folhear uma revista. É quase como abrir um álbum de lembranças. Em novembro de 2024, por exemplo, o torcedor corintiano foi recebido com a imagem de Yuri Alberto na capa, sorridente, sob a frase provocativa: “Nunca critiquei”. Lá dentro, havia uma entrevista com Guilherme Arana, um perfil detalhado de Lucero, do Fortaleza, e uma discussão acalorada sobre a Bola de Ouro que, para muitos, deveria ter sido entregue a Vinícius Júnior.

Mas o encanto da Revista Placar não está apenas no conteúdo de cada edição. Está também nas suas seções fixas, que se tornaram parte da rotina do leitor: Prorrogação, com números e curiosidades históricas. Time dos Sonhos, em que craques de diferentes épocas montam sua seleção ideal. E a última página, sempre ocupada por um colunista convidado. Esses espaços funcionam como pequenas janelas de memória e debate, que ajudam a entender por que, mesmo em tempos de smartphones, ainda vale a pena sentar-se e folhear.

Se a tradição da Revista Placar é fundamental, sua sobrevivência passa também pela capacidade de se adaptar. Hoje, Placar já não é apenas revista: é aplicativo, canal de YouTube, lives, podcasts, shorts, vídeos interativos.

No celular, o leitor encontra a Placar Digital, que mistura notícias, vídeos e recompensas. No YouTube, a TV Placar promove debates ao vivo e análises, com nomes conhecidos da TV, como Leandro Quesada, Fábio Sormani, Flávio Gomes e Felippe Facincani. É o mesmo espírito de 1970, mas agora com outras ferramentas: falar de futebol como quem fala de vida, com paixão, com emoção e com profundidade.

A Revista Placar sobreviveu porque nunca se limitou ao simples resultado do jogo. Suas páginas contaram histórias de bastidores, denunciaram problemas estruturais do esporte, registraram a ascensão e a queda de ídolos, e mostraram o quanto o futebol se confunde com a própria identidade do Brasil. Mais do que informar, a Revista Placar preserva a memória do futebol. Cada edição é quase um documento histórico, guardado por colecionadores, revisitado por jornalistas, lembrado por torcedores. Em um tempo em que a notícia se perde na velocidade do scroll infinito das redes sociais, ter em mãos uma revista que exige fôlego e contemplação é quase um ato de resistência cultural.

Hoje, quando completa 55 anos, a Revista Placar está exatamente no ponto de equilíbrio entre o passado e o futuro. De um lado, a tradição das bancas, das capas históricas, do papel, que ainda resistem. Do outro, a multiplicidade de telas e plataformas que garantem a sobrevivência da marca. Talvez essa seja a maior lição da revista: mostrar que é possível se reinventar, sem perder a essência. O futebol continua sendo o centro de tudo, não apenas como esporte, mas como memória, cultura, negócio e emoção.

E enquanto houver torcedores querendo não apenas saber o resultado, mas também entender o jogo, sempre haverá um espaço para a Revista Placar.


Vozes que viveram a Placar

“Lembro de correr até a banca para comprar a edição com o pôster da Seleção Brasileira, em 1994. Aquele poster ficou colada na parede do meu quarto por anos. Para mim, a Revista Placar é parte da minha adolescência.”
Marcelo, 42 anos, torcedor do São Paulo

“Quando entrei no jornalismo esportivo, nos anos 80, meu sonho era assinar uma reportagem na Revista Placar. Era o sinônimo de prestígio, de estar no lugar certo, no momento certo. Até hoje, folhear uma edição me traz respeito pela profissão.”
Ana Luiza, 61 anos, jornalista esportiva

“Meu pai me deu minha primeira Revista Placar quando eu tinha 12 anos. Guardo até hoje. Ele dizia: ‘Aqui você vai entender que futebol é muito mais que bola na rede, é paixão. Tinha razão!”
João Pedro, 27 anos, estudante de jornalismo

“Hoje, eu acompanho a Revista Placar pelo YouTube e pelo aplicativo. Mas faço questão de comprar as edições especiais em papel. É como ter um pedaço da história em mãos.”
Camila, 34 anos, torcedora do Flamengo

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