Por Dias Campos (São Paulo, SP)
Quando
Patrícia contava oito anos de idade, seu desenho de TV favorito era
interrompido por uma propaganda em que um idoso muito simpático presenteava a
esposa com uma linda rosa vermelha.
Essa cena, agradável
aos olhos, corriqueira entre os que se gostam, deitou no coração infantil a
semente de um desejo – ganharia do seu príncipe encantado a mais linda das
rosas.
O
príncipe havia, se bem que o eleito da escolinha ainda não se desse conta.
Assim, os únicos
presentes que Patrícia ganhava, e sempre à base de trocas, eram as famosas
figurinhas colecionáveis, o que, convenhamos, ficavam muito aquém da sonhada
doçura que aquela flor representava.
Mas
por que a princesa não era franca e, com todas as letras, pedia uma rosa ao seu
escolhido? Os mais apressados apostariam na timidez. A realidade, contudo, era
bem outra, e muito mais triste: seu orgulho já se fazia mostrar ao mundo. Para
si, portanto, ter que pedir que lhe dessem uma simples rosa era algo impensável,
insuportável, e que jamais aconteceria.
A
vida, entretanto, apercebendo-se de sua arrogância, resolveu pagar para ver. E
as forças da natureza reuniram-se, maquinaram, e dia a dia impediram que
Patrícia ganhasse, fosse de quem fosse, a tão desejada rosa. Ela teria que
compreender que o pedir não machuca.
No
entanto, ó paradoxo, isso só fez aumentar o seu orgulho.
Um
fato marcante agravou o psiquismo de Patrícia: pode parecer romanesco, mas não
é incomum que um pai amantíssimo queira ofertar uma rosa à sua filha quando vem
a saber que se tornou mulher; a vinda da fertilidade pode ser motivo de grande
alegria.
Patrícia
soube dessa intenção por sua mãe, e ficou radiante. Afinal, ganharia a primeira
rosa de sua vida, sem que, para isso, tivesse que se rebaixar.
O
destino, porém, que se mantinha resoluto, acercou-se de seu Armando de todas as
maneiras, e uma vergonha intransponível tomou conta do seu espírito. E a ideia
foi abandonada.
Às
vésperas de debutar, Patrícia já experimentava o vulcão do primeiro amor; em
que pese às escondidas de seu pai. Idealizava o baile, as desafiantes valsas, e
as rosas que ganharia do seu namorado assim que se vissem.
Nesse
meio tempo, soube que seu Armando lhe comprara uma linda gargantilha de
diamantes, e ficou deslumbrada.
A
joia e o baile vieram; as flores, não.
E ninguém conseguiu
compreender por que Patrícia ficou bastante amuada.
A
maturidade chegou. E com ela, o casamento; não o próprio, mas o de uma grande
amiga.
Patrícia
estava eufórica, pois além de ter sido convidada para madrinha, Tatiana
confessou-lhe que o buquê que escolhera fora confeccionado com as mais lindas
rosas brancas. E sentenciou:
-
Desta vez não tem para ninguém!
Ora,
pensava consigo, mataria dos coelhos com uma só cajadada, pois receberia rosas
de alguém, e, de quebra, seria a próxima a casar. Por isso, caprichou no longo,
cobriu-se de adereços, e foi à festa com a certeza dos que anteveem a vitória.
Não
faltaram olhares cobiçosos para Patrícia, linda que estava. E no vaivém das
apresentações, um advogado conseguiu prender-lhe a atenção.
Fábio
soube muito bem como se aproximar e cativar a desejada madrinha.
E
Patrícia flutuava!... Ao que parecia, ela enfim conhecia a sua cara-metade.
De
vez em quando, porém, a moça notava um estranho comportamento no admirador. Mas
Fábio foi logo esclarecendo:
-
Não é nada, quero dizer, nada com que você deva se preocupar. É que sou
alérgico a rosas, e a decoração da mesa está me fazendo, me fazendo... – e um
espirro estrepitoso foi a conclusão da explicação – Mas já estou me tratando há
um bom tempo, e tudo indica que ficarei curado.
Essa
afirmação acalmou Patrícia. E de tranquila passou a ansiosa tão logo a noiva lhe
sussurrou que já sabia quem pegaria o buquê.
Com
efeito, depois que Tatiana, com mais de um olhar insinuante, certificou-se da
direção em que deveria jogar as rosas, estas voaram certeiras rumo às mãos da
felizarda.
O
problema foi aquela tia extrovertida, alcoolizada e corpulenta que resolveu
chutar a viuvez e medir forças com a pobre da sobrinha...
O
namoro com Fábio não foi longo. Depois de um mês, e de infindáveis espirros,
Patrícia resolveu terminar o relacionamento.
Pouco tempo depois,
conheceu quem seria o seu verdadeiro amor, um arquiteto muito bem sucedido.
Foi
pedida em casamento na noite do réveillon, e aceitou radiante.
Agora, concluía,
seria impossível que a vida a brindasse com filhos, mas lhe negasse as flores
que anelava!
Casou-se
no mês das noivas. Mas porque se recusasse a pedir rosas, a confecção do seu buquê
coube à profissional responsável pela decoração, que jurou serem os
copos-de-leite a última moda.
Os
filhos vieram. Era um casal lindo e saudável.
Desta feita, planejava
Patrícia, se não abrisse mão de dar à bebê o nome de Rosa, talvez o seu marido se
tocasse e a presenteasse com as flores que por décadas suspirava.
No entanto, Carlos,
que ficara deslumbrado por ter podido escolher o nome do seu futuro varão,
limitou-se a um beijo afetuoso, acrescido de uma caixa de bombons de cereja.
Na realidade, ele tinha
percebido aquela dica. Mas o ódio pelas rosas falou mais alto. É que sua mãe
lhe revelara, ainda no leito de morte, que seu pai tinha o hábito de distribuí-las
às amantes.
O tempo passou ligeiro. O filho cresceu, casou-se,
e o primeiro neto chegou. E toda vez que Patrícia ia visitá-lo, aparecia com o
coração opresso, pois geralmente era obrigada a apreciar, no centro da sala de
estar, um lindo vaso de cristal caprichosamente adornado com rosas amarelas, as
preferidas de sua nora.
Mas
foi quando sua filha engravidou que Patrícia finalmente se convenceu de que
jamais ganharia uma única rosa, uma vez que o seu orgulho sempre se imporia.
Enganava-se...
Ela faleceria dias
após sua filha dar a luz. E à medida que o caixão baixava, todos lhe ofereciam dezenas
de rosas.
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