Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
‘’Em
noites de tempestades!
E ventos
álgidos...
Eu
vagueio solitária... E languidamente!
Pelo
mítico vergel da solidão...
Choro e
sofro!
Todas as
dores do mundo!
Pelo amor
que se foi,
Por tudo
aquilo que não veio...
E por
tudo aquilo que nunca virá. ’’
Samuel da
Costa
O badalar do sino já não irritava mais, o grupo de senhoras de idade avançada
começaram a achar divertido o bar temático. As caveiras, mobiliários rústicos,
as bandeiras Jolly Roger em toda a parte, assim como timões, antigas pistolas e
mosquetões e as moças e rapazes vestidas a caráter. O casal de violonistas,
postados na entrada do bar, tocava eternamente músicas de temática marinha,
estavam caracterizados de piratas, estavam estáticos um em oposição ao outro. O
cheiro de bebida barata e o vai e vem de uma massa de pessoas de idade avançada
deixa o estranho e ao mesmo tempo aconchegante e quando um pianista caminhou
rumo ao piano Blüthner. O homem negro, vestido como um músico de alguma tasca
barata lusitana, o músico começou a tocar uma opereta a muito esquecida.
— Vocês não acham engraçado? — Perguntou Adelaide Schmidt em tom zombeteiro,
ela que estava levemente embriagada depois uns goles de rum.
— O que é engraçado, minha querida? — Juliette Müller devolveu a pergunta, um
tanto intrigada.
— Delinha está falando da escuna! — Genevieve Weber responde com sorriso nos
lábios.
— Um tanto forçado minhas queridas! Margarida Correia e Margarida Cohen não são
as mesmas coisas! — Disse Jeanne Schneider, querendo encerrar a conversa
desagradável, que tirou um cigarro da bolsa, levar a boca acendê-lo com um
isqueiro e dar uma baforada no ar.
— A grande Margarida Cohen, é mesmo um tema que devemos evitar amadas amigas! —
Falou Marie Meyer de forma dramática.
— As Valquírias, Wagner! Toque uma boa música! — Gritou Elisabeth Muller, para
o pianista se levantando e encarando o pianista.
O musicista, olhou para mesa onde as senhoras
estavam, deu um sorriso e passou a tocar a Cavalgada das Valquírias de forma
virtuosa e dramática.
— Outra ironia do destino amigas! — Preferiu
Gertrudes Martin, depois deu uma gargalhada e as demais a seguiram. A explosão
da gargalhada não passou despercebido dos demais frequentadores do bar.
— Maldita maquis! — Praguejou Katharina Dúbios e
cuspiu no chão.
— Quando os nossos consortes voltam do passeio
pirata? — Perguntou Charlotte Bernard Kerber.
Os maridos das senhoras à mesa tinham embarcado na
escuna Margarida Correia, a um tempo atemporal, pois as esposas não tinham a
mesma noção de tempo. Ao ocuparem mesas separadas depois de um longo dia
cansativo de uma conferência anual do movimento do velho mundo, a qual estes
pertenciam, que a cada ano era acrescido. Novos elementos, congêneres e aliados
começaram a aparecer no evento outrora restrito. Neste ano, os elementos mais
velhos foram agraciados com um passeio náutico em uma escuna pirata, uma encenação
teatral, que está no bar Corsário Jean Lafitte, anexo ao ancorado na embocadura
de um rio com o mar. A escuna aportou, os corsários desembarcaram percorreram o
deck de madeira, contavam a música Wellerman, o coro das vozes masculinas e
femininas chegaram aos ouvidos dos frequentadores do bar. Estes gritaram em
coro: — Marujo! Uma garrafa de rum! — A trupe adentrou no Corsário Jean
Lafitte, homens e mulheres devidamente caracterizados com as suas roupas de
corsários do mediterrâneo. Se dirigiram até a mesa onde homens idosos bem
vestidos de trajas de veraneio com as suas canecas de chopp.
Tempo o capitão a frente, desembainhou uma grande
espada estilizada, saltava os olhos as gravuras na peça, eram gravuras que
remetiam aos abismos do fundo mundo do mar, com peixes, cetáceos e crustáceos
desconhecidos. O brilho azul da espada hipnotizou a plateia, o homem alto,
barbudo, uma barriga proeminente, cheiros de álcool barato, charuto ordinário,
tapa olho, contas de pérolas no pescoço, pistolas espanholas na cintura. O
capitão pirata apontou a espada para o centro da mesa.
— Marujos! Bucaneiros! Ahoy! Carreguem estas peças
de pilhagem para o navio! Levante a âncora e ice a mezena! Hasteiem a Jolly
Roger! O andar na prancha, lhe esperam! — Bradou o capitão pirata de forma
teatral. Os senhores sorriram, se levantarem, ergueram as mãos e a tripulação
os acorrentou e por fim caminharam para a escuna Margarida Correia.
— Se bem me lembro, Margarida Cohen alvejou a bala,
muitos dos nossos soldados nas Florestas do Vosges, Hardt e Haguenau — Disse
Gertrudes Martin e prosseguiu — Eu mesma tratei dos feridos e preparei os
corpos para o funeral.
— Eu servia no sistema de ferrovias nacionais, li
os relatórios e vi os estragos que o grupo Margarida Cohen fez nas linhas
férias! — Relatou Elisabeth Muller com a voz trêmula.
— Vocês tiveram sorte, eu conheci os dois
majores, que Margarida Cohen seduziu em uma tasca, os levou para fora e os
matou a golpes de adaga! — Disse Katharina Dúbios, com o pesar na voz.
— E a conheci
pessoalmente, minha querida! — Disse Genevieve Weber, as outras olharam para
ela! — Trabalhávamos no mesmo hospital, o pai e a mãe dela trabalharam no mesmo
hospital até serem presos e concentrados no leste. Ela escapou!
— Eu estava lá quando a pegamos, a corte marcial a condenou à morte, mas o alto
comando deu a ordem para a levarem para a capital do império! Dizem que a
trocaram com os nossos que estavam no leste! — Falou Adelaide Schmidt
— Se bem me lembro! Havia neblinas, que ocorriam quando Margarida Cohen
atacava! Névoa como ela era conhecida — Falou Charlotte Bernard Kerber.
A trupe teatral reapareceu para o segundo ato da peça, os atores contavam O
Marinheiro Bêbado, The Drunken Sailor. As senhoras, foram informadas por um
panfleto, que seriam levadas a uma praia privativa e de difícil acesso, seriam
levadas a junto dos seus maridos. Os atores estavam com os olhos vidrados, os
sorrisos revelavam os dentes decadentes, os figurinos estavam degradados e a
cena se repetiu se, de quando os maridos foram levados. Os respingos de sangue
fresco, o cheiro de pólvora queimada e as senhoras se levantaram, Charlotte
Bernard Kerber foi a única que ficou sentada. Ao ganharem a luz do dia, ao
caminharem pelo deck de madeira, uma neblina espessa apareceu repentinamente,
acorrentadas as senhoras embarcaram na escuna Margarida Correia. Atrás deles os
piratas do Triangula vermelhos deram vivas, embarcaram na escuna, foram todos
tragados pela neblina e um sino tocou em algum lugar desconhecido.
Fragmento
do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista,
novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
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