Por Napoleão Valadares (Brasília, DF)
Os dois no jipe. Julinho e Manoel Crente. Este, ao volante, conversando, contando. Julinho, também, mas ouvindo mais. Alguém já disse que quando dois mineiros estão conversando, a gente pode ter certeza de que os dois estão ouvindo. Talvez fosse o que acontecia no momento.
O lugar, Uruana. Aliás, a saída de Uruana, numa ponta de rua, ali pelas imediações da chácara de Sinhô de Milu. Iam se encontrar com Antônio Chegante, na beira da Ilha. E a conversa variava. Era o assunto que iam tratar com Antônio Chegante, isso e aquilo e, não se sabe por quê, chegaram a falar de amor. Parece que um deles falou no amor de mãe, ou disse que amor só de mãe, com o que o outro não concordou. Contestação replicada e réplica treplicada. Numa conversa até boa para se fazer légua, iam os dois, na ponta de rua.
E quem ia também ali era uma galinha de pinto. Uma galinha meio índia, com aquela récua: cocorocó... pipio... Os pintos não muito pequenos, catando aqui, catando acolá, quando, de repente, desceu um gavião, pegou um pinto e subiu. A galinha subiu atrás, num vôo incrivelmente vertical. Foi com o gavião lá em cima e se embolou com ele. O gavião largou o pinto, que desceu mal peneirando. E a galinha e o gavião, num rodopio, embolando-se no ar, caíram embolados no chão. Ninguém podia saber quem agarrava quem, quem bicava quem.
Quando o rapineiro conseguiu se livrar daquela penosa esfrega, escafedeu-se, possivelmente com algumas penas do rabo entre as pernas. E a galinha, com asas protetoras, revia os filhos em vitoriosa reunião.
Os do jipe, que vinham conversando tanto, estiveram mudos, olhando e vendo, mas sem palavras para o comentário do lance. Um olhando para o outro e este para aquele. Até que um, depois de muito entalo, conseguiu desembuchar, falando apenas: – Viu? E o outro só aí desentalou, na bucha: – Tá vendo?
( do livro Passagens da Minha Aldeia)
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