Por Urda Alice Klueger
(Blumenau, SC)
O grande escritor
estadunidense John Steinbeck, no seu incomparável livro “As vinhas da ira”, já
em 1939 contou, nos menores detalhes, a história do nosso MST (há um filme,
também). Vejamos o que diz ele no capítulo 4 desse alentado livro:
“(...) Nosso avô tomou conta
destas terras e ele teve que lutar com os índios e expulsá-los daqui. E nossos
pais nasceram aqui e tiveram que matar as cobras e arrancar as ervas daninhas.
Depois vinha um ano ruim, e eles tiveram que fazer empréstimos. (...) E nosso
filhos também aqui nasceram.(...) Um banco não é como um homem. Um banco é um
monstro. (...) Queremos morrer aqui quando chegar a nossa vez de morrer. É isto
que dá direito de propriedade, e não simples papéis, documentos escritos,
cheios de números. (...) Os homens fizeram os bancos, mas não os sabem
controlar. (...) Talvez a gente possa matar os bancos, eles são piores que os
índios e as serpentes. (...) Nós podemos pegar nas nossas armas, como nossos
avós fizeram quando vinham os índios. Podemos, sim.(...) Vocês serão presos se
insistirem em ficar, serão mortos...(...) Mas para onde podemos ir? (...)”
Para quem se interessou, o meu
exemplar tem 565 páginas em letras miudinhas. E sei que criou um escândalo
nl.os Estados Unidos, quando foi publicado. Talvez porque contasse a verdade
dos pobres, aquela que convinha à elite esconder. Porque não fica bem o mundo
saber que lá no centro do poder também há gente tão sem terra quanto aqui. E
nem fica muito bem a tantos de nós, descendentes de imigrantes, admitirmos que
descendemos dos Sem-Terra da Europa. E então, tantos de nós, achando-nos seres
superiores a estas coisas de pobreza, julgamo-nos no direito de criticar e
condenar a esta gente cuja única esperança é a organização, a esta gente que
perdeu sua terra, e que estaria morta ou mendigando, não houvesse o MST a
aglutiná-la e a lhe dar forças para sobreviver. E cansamos de ver os nossos
pares chamando a gente do MST de malandra, vadia, e por aí afora.
Temos, agora, aqui no Vale do
Itajaí, o nosso primeiro acampamento do MST. Já estive lá, já conheci as
pessoas, já vi a extrema pobreza material em que vivem, mas também vi o tamanho
da esperança que têm. Aconselho aos que criticam irem lá darem uma olhadinha.
Não entro nos detalhes de como um acampamento é bem organizado porque não é
esta a intenção desta crônica – queria, aqui, falar de um deles, uma daquelas
pobres almas que um banco, um dia, enxotou da terra para a beirada de uma
cidade, bem igualzinho ao que acontece em “As vinhas da ira”. Trata-se do seu
João, também conhecido como seu Gaúcho. Tentando sobreviver, um dia ele chegou
às beiradas de Gaspar com uma pequena família, e, com certeza, também como no
livro citado, foi a falta de ter como sobreviver que implodiu a sua pequena
família, que fez com que sua esposa fosse embora. O fato é que seu João ficou
sozinho com dois filhos pequenos, e teve o cuidado de obter a guarda deles.
Viviam do jeito que dava, até que, lá por março deste ano, seu João teve o azar
de ser atropelado – e acabou ficando três meses fora de combate, de cama. Pai
preocupado, na ocasião pediu ele à Justiça que cuidasse das suas crianças – e
foram elas recolhidas a um abrigo, lá em Gaspar.
Mas o seu João se
restabeleceu, e foi buscá-las. E pensam vocês que devolveram as crianças a ele?
Devolveram nada! E apenas começara a Rua da Amargura do seu João. Por sorte,
logo em seguida, foi ele achado por seus pares, aqueles iguaizinhos aos
personagens de “As vinhas da ira”, e levado para o acampamento do MST. Hoje,
ele é um dos líderes do acampamento, onde ajuda a organizar a vida das cem
famílias que lá estão – mas é ele como uma árvore sem raízes, é um pai sem as
suas crianças. E onde estão elas? Estão num abrigo lá em Gaspar, e sei que lá
elas ficam pedindo por ele, e uma ainda é bem pequenina, tem só três anos. As
pessoas que estão entre o pai e os filhos dizem ao pai que é melhor as crianças
ficarem no abrigo, porque lá “tem conforto, têm televisão...” – e o amor, onde
fica? As crianças do seu João têm mais é que ficar com ele. E está aí o Natal,
e essa pequena família vai estar separada. Onde está a Justiça? O que dá a ela
o direito de tirar de um pai as crianças que ele ama?
Quem ler “As vinhas da ira”,
com certeza se emocionará até as lágrimas no epílogo, diante da extrema
solidariedade existente entre a gente miserável que vive a história do livro.
Penso que não será menor a solidariedade que as crianças do seu João receberão
no organizado acampamento do MST aqui vizinho. Só falta a Justiça ser justa.
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