Por Urda Alice Klueger (Blumenau, SC)
(Para
minhas primas Denise, Susana e Rosana)
Éramos só eu e Atahualpa, meu
cachorro, sobre o morro alto, na varanda da cabaninha rústica, naquele lugar
que se chama Nova Rússia, e eu nunca espiara tão de perto o Ninho das
Trovoadas.
Desde pequena que ouvia falar
dele, daquele lugar onde as trovoadas nascem dentre os morros, ao sul do
município, região de preservação ambiental, onde ainda dava para se viver como
um dia, no passado... Pela vida afora vira incontáveis trovoadas vindo de lá e
caindo sobre as minhas tardes, mas nunca estivera tão perto do ninho de onde
elas saem. Então, no último sábado, sozinha com Atahualpa naquele lugar alto ,
consegui ver bem direitinho como é que uma trovoada nasce.
Não vi o ovo de onde a tempestade
saiu, pois estava escondido lá no ninho, mas acompanhei atentamente o jeito
como ela se arrumou e cresceu depois de nascer – primeiro, se anunciou por
tímidos clarões piscando no horizonte, mostrando no escuro o contorno das
montanhas que circundam o ninho – mais um pouco e os clarões já não eram
tímidos, e ficava bem evidente que lá naquele lugar nascera e vivia mais uma
trovoada que seria grandiosa dentro em pouco.
E ela foi crescendo, bem como
crescem filhotes saudáveis. Em algum momento, ronronou docemente pela primeira
vez, e como que se estendeu pelo céu se espreguiçando, enfeitada cada vez mais
por clarões relampejantes. Então, a precedê-la, veio uma lufada de vento que
refrescou um bocado o mundo, seguida de ágil exército de uns esqueléticos seres
de finas pernas de água, que correu com muita rapidez sobre as árvores, a
grama, o telhado da nossa cabaninha, resvalando para dentro da varanda onde
espiávamos e esperávamos.
Aquilo foi como um prelúdio.
Aquele primeiro ágil exército foi seguido por outros, e outros, e outros, os
seres cada vez com perninhas menos frágeis, tangidos pelos grandes roncos que
começaram a vir rolando pelo céu escuro, intermitentemente iluminado pelo
piscar da trovoada que se libertava do ninho e pestanejava luz e raios, e as
lufadas de vento, agora, ora molhavam um lado da nossa varanda, ora molhavam
outro, e Atahualpa e eu mudávamos de lugar a cada vez que a chuva mudava de
direção, mas permanecíamos ali, fascinados, e por nada do mundo eu perderia
aquele espetáculo do nascimento e crescimento de uma trovoada!
E ela veio vindo, veio vindo,
e quando percebi engolira todo o céu e todos os morros, e molhara cada folha de
cada árvore e cada polegada de chão, bem como nosso telhado inteirinho e partes
da nossa varanda, e se tornara alguém tão forte que mal dava para imaginar que,
pouco antes, fora apenas um filhotinho de trovoada se escapando de um ovo, lá
onde eu sempre ouvira contar que era o ninho das trovoadas!
Permanecemos ali a vê-la ir
passando sobre nós, ir-se indo para longe, para lá distante, onde havia a
cidade, sacudindo seu imenso corpo com grande rumorejo, muitos relâmpagos,
arfar de ventos e abundância de chuva.
Trovoadas são assim: nascem,
crescem, passam e se vão, e houve um momento em que aquela também se foi, e apenas
uns respingos e uns troares ainda vinham da sua cauda fustigante que se
afastava, mas não perdi um momento sequer da sua passagem e ida. Quando,
afinal, seus lampejos foram se perdendo dentre outros morros distantes e olhei
à volta da cabaninha onde estávamos, via-a cercada de árvores e grama que
pareciam envernizadas de fresca água, brilhantes à luz da nossa pobre lâmpada
elétrica, coisa tão fraca e sem expressão perto da imensa força e potência de
uma trovoada de verdade, vista desde o momento do seu nascimento!
E pensar que tive o privilégio
de ver, enfim, onde é o Ninho das Trovoadas!
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