Por Paccelli José Maracci Zahler
Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
sábado, 1 de abril de 2017
ADEUS BRA$ILIA... (21 DE ABRIL DE 2009)
Por Gustavo Dourado (Taguatinga, DF)
Vamos preservar Brasília
Parar de e$pecular
B$B Imobiliária
Sem horizonte no ar
O Cerrado que se foi
Haja ap para alugar
JK geme no túmulo
Na Brasília Capital
O crime a fazer escola
No Distrito Federal
O povo vive na esmola
Passa fome cultural
Lúcio Costa nos deu asas
Para Brasília avoar
As asas foram cortadas
Tanto carro a trafegar
Cidade fora dos Eixos
Só tesoura a nos cortar
Niemeyer nos subterrâneons
Pelos túneis da cidade
Falta estacionamento
Sobra criminalidade
Urbi automobalística
Perdeu a mobilidade
Para que tanto edifício?!
Pra tudo dificultar
Tem carro pra todo lado
Já não dá pra pedalar
Morrem flores e nascentes
Com a poluição do ar
O luxo que gera o lixo
Morte na Estrutural
O verde some do mapa
Sem Eixo Monumental
O tronco parali$ado
E a cabeça maquinal
Filas duplas, buzinaços
A morte do urbanismo
Desemprego, amargura
O velho clientelismo
Corrupção lá nas nuvens
Prolifera-se o cini$mo
Haja tapinhas nas costas
Nhem nhem nhem e blablabá
Foi-se embora a siriema
Adeus ao lobo guará
As cobras se multiplicam
Nas margens do Paranoá
WINDMILLS
By Arjun Singh Bhati (Jaisalmer, India)
One morning
I was sitting in one of my classrooms. A
student
came to me from the roadside. The boy was very
excited and
in a great hurry to give the news to me and all
the
students.
“Big fan,”
he cried with surprise. The students looked
at him. He
was pointing toward the road and crying, “big
fan” again
and again. We all came out of the classroom and
looked
toward the road, which was about half a kilometer
from the
school building. To our surprise there were some
big trucks
on the road, carrying some unusual things, very
big white
fans; such fans we had never seen before. We
rushed to
the road. The boys were very eager to touch the
big giants.
We were all seeing these big machines for the
first time,
and within half an hour, several villagers came
to see
them. It was like a local fair. Then, after just an hour,
the trucks
departed from our village.
Now all the
villagers and my students had a new
subject to
talk about. I heard lots of interesting stories
about these
windmills. After some months some windmills
were
installed on a small hill about five kilometers from
our
village. I had an idea that it was for electricity. Soon
it became
clear that hundreds of windmills were being
installed
to generate electricity. There are no big factories
and
industries in Jaisalmer. This was the first big project in
the area,
and it gave a lot of employment to the local people.
It happened
about seven years previously, but some of
the stories
I heard from my innocent students and villagers
are still
in my memory.
I explained
in the class that these “fans” were here to
generate
electricity through the wind. But a student in class
seven told
me another story. “It is very hot here, and the
government
is installing these fans for cool wind.” Another
said, “We
suffer from malaria every year, and these fans
would
produce a particular type of sound. And the sound
keeps the
mosquitoes away from us.”
But the
most surprising story was told by one of my
girl
students in class six. The girl told the class that her
grandfather
said, “It is not raining here because these
windmills
scatter the clouds, and as a result we face
drought.”
Although it
seemed quite ridiculous, I could understand
the
different opinions and views of uneducated and
innocent
villagers. Well, finally, I took all my students to
the project
site, and an engineer explained the working
system of
the windmills to us. It was a really interesting and
useful
lesson for all of the students.
MUDA
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Minha boca muda
conversas inúteis
mudo
em calado espectro
dos dias cheios
mudo
no olhar súplice
de novos assuntos
mudo
perdido mundo
do que me dizem
sobre outros dos demais
que nem conheço: desconheço
pelo que dizem
muda minha boca permanece
no dia passado em música.
MUTE
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du Bois, English Version)
My mute
mouth
useless
conversations
mute
in silent
spectrum
of full
days
mute
in
supplication looking
at new
subjects
mute
lost world
of what
they tell me
about
others
I do not
even know: I do not know
why they
are saying
mute my
mouth remains
on the day
spent in music.
HORDAS
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Hordas
poeira sobre os olhos
no caminho invadido
a morte na sombra
hordas invadem
nossa ignorância
ao pecar o não saber
a morte no escuro pó
em que se transforma o dia
hordas de invasores
exigem sabermos as razões
no significado das nossas mortes.
HORDES
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du
Bois, English version)
Hordes
dust on
eyes
through the
invaded path
death in
the shade
hordes invade
our ignorance
by sinning
and not knowing
death in
the dark powder
in which
the day becomes
horders of
invaders
demand to know the reasons
in the
meaning of our deaths.
MÚSICA E PALAVRA
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
A música atravessou milênios
sacralizada no tom repetido
como interlúdio
intermezzo
interrogação
sobre as palavras
plurais palavras se repartiram
na repetição do foi nominado
a música altera o sentimento
do que é dito
foge do padrão inicial
ao multiplicar os sons da natureza
nos sons criados pelo homem
palavras e músicas caladas
são amores descobertos
no beijo na boca.
MUSIC AND WORD
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du
Bois, English Version)
Music
crossed millennia
sacralized
in the repeated tone
as
interlude
intermezzo
interrogation
on the
words
plural
words were divided
in the
repetition of a nominated was
music
changes the feeling
of what is
said
flees from
initial pattern
by
multiplying the sounds of natureza
in the
sounds created by man
silent words an songs
are discovered loves
in the mouth kissing.
SEM AMARRAS
Por Clarisse da
Costa (Biguaçu, SC)
Em noite tranquila
sobre a brisa do
vento
do meu ventilador,
entre o silêncio
e o som da televisão
revira meus olhos
a te caçar.
***
O meu olhar te ama
quando te busca
e de encontro ao seu
ama muito mais.
***
As minhas mãos
em cada linha que
escreve
transcreve
o grande amor;
Puro, lúcido
e sem amarras.
***
Amor, simplesmente
pelo ser bom
que eleva o meu
espírito!
EXCELSA LUNA
Por Samuel da Costa
(Itajaí, SC)
Para negra Valquíria
Nessas negras linhas!
Subjaz a minha
sagrada devoção!
A ti...
Minha deidade imortal
Que invade os meus
sonhos
***
Morre aqui!
E não ganhará à luz
do dia...
Ficara preso junto a
mim!
E perdido em páginas
em branco
***
Mas vez ou outra...
Voa em desesperado,
Pela fria noite
outonal!
Ganha o céu...
Para perdesse na infinitude
do cosmo!
Vai se exilar junto
aos astros.
Perdido nas
imensidões siderais sem fim.
***
Nestas negras
linhas...
Subjaz o meu pranto!
Onde pratico o meu
choro...
A minha sina!
Sofro a minha negra
dor...
Sem fim!
A minha profana arte
Sangro por fim
Sofro por ti
***
Dou-te...
Toda a minha sagrada
devoção!
Meu amor puro...
E nada mais!
NÃO! EU NÃO QUERO MAIS SER NEGRO
Por Samuel da Costa
(Itajaí, SC)
Cansei de ser negro
De ser parado pela
polícia
Ser confundido com um
bandido qualquer
De ter relações
promíscuas com os políticos
Sendo sempre massa de
manobra
Na mão de algum
abnegado...
Não! Eu não quero
mais ser negro
Ser minoria nas
universidades
Ser tachado de
preguiçoso...
Ser o primeiro de
lista dos desempregados
Não quero ficar para
trás
De tudo
De todos
Das oportunidades
De um futuro melhor
Não quero mais ser
negro
Ser excluído de todas
as formas
De todas a maneiras
Definitivamente estou
casando de celebrar
Meus ritos escondidos
Dos olhos da
sociedade
Não quero mais ser
negro
E ter a responsabilidade
de ser:
No melhor no futebol
Ser bom no pagode
Não...
Não quero mais ter um
passado
negro
Que cheira a
escravidão
Que cheira a dor
Quero renunciar ao
meu futuro
De dor
Não quero mais ser
negro
Chega de sofrer
O banzo pós-moderno
QUANTOS MISTÉRIOS CABEM NO NEGRO OLHAR TEU
Por Samuel da Costa
(Itajaí,SC)
Para Vanessa Martins
DA Maia
Quantos mistérios...
Cabem no magnânimo...
No negro olhar teu?
O que tu escondes?
No cair da negra
noite!
E todos foram dormir
tranquilamente.
***
Amanheceu um novo dia
É hora de ganhar as
ruas
Experimentar a luz do
dia
Minha querida divinal
musa
***
Mas quantos
mistérios...
Podem caber...
No negro olhar teu?
Por quantos tortuosos
caminhos...
Percorresses até
chegar até aqui?
***
Quantos mistérios
podem caber...
Nos magnânimos olhos
teus?
CLARISSE CRISTAL E O MERGULHO NA ESCURIDÃO
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Talvez não seja um sonho.
Enfim...
E ela esteja lá...
Na alcova minha
Na alcova minha
À meia luz!
Esperando por mim...
Enquanto na vitrola...
Toca o mais puro lamento negro,
A mais cristalina negra dor.
Esperando por mim...
Enquanto na vitrola...
Toca o mais puro lamento negro,
A mais cristalina negra dor.
‘’Nunca me interessei
por revisitar cenários’’ — Disse Clarisse para si mesma, mas com vontade de gritar bem
alto para todo mundo ouvir. Pois o elementos, que ela podia lembrar, estavam
todos lá disposto diante dela. O balcão de mármore carrara, o bar com vários
tipos de bebidas e copos de vários estilos, marcas e preços, as cadeiras espreguiçadeiras de praia gêmeas as
famosas outdoor dubbele chaise lounge, a mureta com o peitoril e grande fabrica
em detalhes artesanais, mesas e cadeiras distribuídas simetricamente e uma
pequena piscina e a bela vista para o mar. Uma olhada rápida e Clarisse notou
um grande retrato em preto e branco, com a assinatura de fotografo famoso, era
o professor Muteia muito bem vestido, como de costume, mas de maneira casual
ladeado de uma jovem e bonita mulher elegantemente vestida, também de maneira
casual. Ele sentado em uma poltrona e ela em pé e com as mãos em volta do
pescoço do africano em terno carinho: — Então esta é Agnela e esposa de Muteia
— Pensou Clarisse em um lampejo
— É Muteia sem acento, há um hiato no meu nome e na minha
vida. Podes de me chamar pelo meu prenome Adérito. Vamos sentar logo e começar
a entrevista, pois não tenho muito tempo menina/mulher.
Foram
andando lentamente em direção de uma mesa a poucos metros da pequena mureta de
frente para o mar. O africano afastou uma cadeira de forma cavalheiresca,
Adérito ocupou uma cadeira em frente de Clarisse e em um estalar de dedos um
garçom apareceu para atende-los. Clarisse deu uma olhada melhor no homem e viu
que era mais que um garçom era um mordomo que os servia.
— Secretário me traga uma chávena de chá e os meus charutos,
o que queres minha querida Clarisse?
— O chá para mim esta bom e dispenso os charutos!
— Sim senhor! Vou trazer duas chávena de chá e os charutos!
O homem desapareceu tão rápido como surgiu e por fim os
dois estavam em um lugar reservado e sozinhos. Clarisse tinha mil perguntas
para fazer e ao mesmo tempo queria fugir do óbvio, pois ali quem estava diante
dela uma pessoa qualquer.
— Então como é o nome do veículo que trabalhas?
— Revista Astro-domo, de literatura, estética e arte em
geral!
— Interessante, já a conheço e bem moderna, pois estão em
todas nas plataformas digitais pelo que sei.
— Então o senhor conhece a nossa pequena revista?
— Ligo o gravador miúda e vamos logo começar a trabalhar!
A pressa do africano fez um alarme disparar em Clarisse,
pessoas como a formação dele não tendem a ter muita pressa quando estão
trabalhando. Adérito era forjado em parte pela velha escola europeia. Esperam
por um tempo sem saber o motivo, e entreolharam com profundidade, o clima só
foi quebrado com a volta do secretário. Ele voltou com uma bandeja de prata
coberta por um delicado pano de linho, os serviu de forma solene e sem nada
dizer e se retirou também de forma solene. Clarisse achou tudo muito exagerado
e por demais refinado para uma simples entrevista.
— Então professor quer estabelecer alguns limites para a
entrevista?
— Creio que não, minha cara só fico contente de poder ser
entrevistado por alguém mais próximo que eu. Quase não se vê muitos negros na
literatura aqui e é primeira vez que dou entrevista para outra pessoa da minha
raça neste belo país.
— Então que é ser escritor para o senhor? — Clarisse usou uma
clichê logo de entrada.
— Não posso falar e literatura e arte em geral hoje sem olhar
para o passo para compreender o presente. Se no passado não muito distante de
nós escritores escreviam usando a pena e era iluminados pelo luz de velas e candeeiros
e tendo a geração seguinte a máquina de escrever e a luz elétrica e a máquina a
vapor dando um ritmo mais acelerado para a nova sociedade menos agrária em mais
urbana. Isso se reflete na escrita e nas arte em geral, pois a velocidade de
hoje, com a escrita digital, acelerou muito mais a escrita mecanizada. Mas
estou sendo muito enfadonho minha cara!
— Não professor! — Ela queria dizer sim.
— E escrever é transcender infinito, é fugir do óbvio e não
conhecer limites! Respondo minha cara o que é realidade? No mundo de hoje a
realidade é o que a gente quer que ela seja! — Clarisse ouve ao longe o ranger
de uma porta se abrindo — E antecipando a tua segunda pergunta eu navego ou
melhor flutuo na escola simbolista e surrealista. Trafego livremente por estas
duas escolas, mesmo que esteja fora de moda falar em escolas nos dias atuais. E
te digo que para o padrão de hoje são as escolas que mais poderia representar a
pós-modernismo! — Clarisse ouve passos, eram o barulho típico de salto alto
batendo no chão frio e duro do terraço. — Se a pouco me perguntasse sobre
Agnes. Então te digo que ela é fruto da minha imaginação, uma filha querida na
verdade na minha imaginação. — Uma sombra surge por detrás de Clarisse e se
agiganta — Ela como outros personagens vem e vão ao sabor do vento e da
ocasião... — A mulher passa ao lado de Clarisse e a jovem entrevistadora e
reconhece é a mesma mulher que outrora estivera com Adérito Muteia na livraria
— E é assim que o meu mundo literária surge minha querida, aos pedaços, nevoentos,
nebulosos — Ela sussurra no ouvido de Muteia e ele sorri — São personagens
rebeldes por natureza minha querida — A mulher se afasta sobe na mureta olha
para Clarisse e sorri e mergulha. Clarisse atônita corre até a mureta e olha
para baixo, ela estava em prantos, olha para baixo e muitos andares a baixo e
vê o próprio corpo estatelado do chão. Clarisse recua em choque e olha de novo,
os muitos andares sumiram e ela não vê mais nada. E sem nada entender voltou o
sei olhar para Adérito Muteia que estava estático no mesmo lugar — Então é isso
miúda, em tempos de realidade liquefeita nada é de verdade e vivemos em um
mundo de mentiras, fugaz! — Ela estava de volta sentada de frente ao professor,
tinha a cabeça pesada, Clarisse não sabe o que pensar e dizer naquela hora.
CLARISSE CRISTAL IN MEMENTO MORI
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Abra as janelas!
E puxe as cortinas.
Deixa o Sol entrar... O astro rei...
Chega de viver na escuridão...
Pois quero viver ao teu lado!
Da me a tua delicada mão!
Vamos juntos abrir as janelas...
Deixar a vida entrar!
Vamos juntos viver a vida...
Deixar a vida entrar
Clarisse olhou perdidamente para
a rua, a poucos metros dela, já não estava mais na monotonia claustrofóbica da
livraria no centro comercial da cidade e sim sentada confortavelmente no deck
de um Café ivory tower, na movimentada via beira mar. Ela olhou para o relógio
digital no pulso, não disfarçando a impaciência. Contemplou, extasiada o oceano
revolto, não muito longe dela, sentiu o vento morno que soprava e o cheiro de
gotículas de água salgada, como se fosse a primeira na vida que experimentara
tais sensações. Olhou perdidamente para os pedestres que passavam, com seus
típicos trajes de praia, a ciclovia lotada naquela manhã ensolarada de início
de verão. Casais idosos levando seus cachorros pequenos para passear, carros
que passavam na rua de mão única, todos se movimentando sem muita presa. Uma
senhora muito idosa e vestida de forma extravagante, que descia a rua chamou a
atenção de Clarisse. Então Clarisse voltou para si mesma, em mais uma profunda
digressão, levou lentamente a braço à frente, o membro escapou do abrigo seguro
do guarda sol e ela sentiu o calor emanado pelo astro rei, como se fosse pela
primeira vez na vida que experimentava tal sensação. Sem as pesadas vestes
negras, o rosto despido da maquiagem pesado e usando roupas da estação, ela
tentou em vã lembrar-se da outra vida que tinha no subterrâneo, antes daquela
que estava começando a viver. Ela não quis divagar muito consigo mesma, sobre
como as coisas tinham se dado, só pensou nas muitas idas e vindas do literato
luso-africano vestido de forma elegante, na livraria e nas cinzas das horas.
Clarisse perdeu a noção de quanto tempo àquela dança e contradança entre ambos
tinham começado. Ela de um lado enclausurada, na torre de marfim, no setor de
análises e reparos de livros raros na livraria, na própria literatura e o
literato luso-africano do outro lado. Ela tinha atendido os pedidos dele, sem
ela saber, tanto de restauros bem como pedidos de livros raros e caros, os
pedidos chegam sem origem, simplesmente chegavam na mesa dela vindos
diretamente da gerência da livraria. E pois o redescobrir como ensaísta,
contista, poeta e crítico de arte, protegido por pseudônimos e heterônimos
espraiado em jornais e revistas e opúsculos. A cada linha, a cada construção
frasal, a cada construção lógica lá estava ele, Clarisse descobriu o africano assim
sem o querer. E mais um olhada rápida no relógio e aquele pensamento
angustiante veio bem forte: — Ele não vem? Será que virá?
—
Demorei em demasiado senhorita Clarisse Cristal! — Soprou Muteia de forma
delicada no ouvido da moça e prosseguiu enquanto se sentava a mesa junto dela —
Gente velha perde a noção de tempo bem fácil!
— És um
homem fascinante mesmo professor Muteia! E Agnes? Ela não veio?
— Mas
quem são as outras pessoas? São simplesmente nada mais que além de
nanopartículas etéreas, alheias a nós mesmos, gravitando cegamente e
perdidamente, nas nossas subsistências, pós-modernas, liquefeitas e vazias.
—
Resposta interessante professor, mas vago e abstrato em demasiado.
— É que
eu não me acostumo, em responder sempre a mesma pergunta, esta foi original no
mínimo. Ela não existe minha querida, é um personagem fictício, fruto de uma
mente inquieta e imaginativa e nada mais para além disto. Podes ligar o
gravador e vamos começar a entrevista se quiseres!
— Sim!
Vamos começar a entrevista... — A jovem levou a mão até a bolsa, que estava
postada na confortável cadeira ao lado dela, mas parou de repente, alguma coisa
estava errado, muito errado. Tudo funcionado muito bem até ali, bem até demais.
Ela devolveu o pequeno objeto eletrônico na bolsa e olhou bem nos olhos do
mistério encarnado diante dela. Clarisse olhou seriamente para literato
luso-africano, ele devolveu o olhar de volta, sorriu para a jovem e então
estavam se entenderam mais claramente por fim. Clarisse não era uma pessoa
qualquer e não seria conduzida facilmente. Foi o que o professor deduziu
naquela hora extrema.
— Vamos
para um lugar mais reservado minha cara...
— Logo
imaginai! Aqui não um lugar adequando para a nossa entrevista afinal de contas!
— Claro
jovem senhorita! — Muteia olhou para dentro de Café ivory tower como quem
procura algo, ou melhor, alguém e não encontrava — Vamos saborear uma chávena
de chá, em um lugar mais tranquilo.
Muteia
erguesse e convidou Clarisse a fazer o mesmo, mas antes uma velha senhora
cigana entre no deck do Café ivory tower de forma intempestiva. O escritor
africano foi tomado de um profundo mal-estar, ao olhar para a velha senhora a
poucos metros dele, já não sabia se estava sonhando ou se estava acordado.
Nessa hora, ele desejou estar armado, Muteia estava em alerta total.
—
Flores para a mais bela dama do vilarejo! É com a graça dos deuses imortais
minha jovenzinha! — Falou em romani a velha senhora decadente, levou a mão a um
cesto de vime que levava nas mãos e a ergueu de súbito com uma agilidade de uma
jovem e ofereceu uma rosa para Clarisse que não entendeu nada do que ela dizia.
Clarisse de imediato reconheceu a rara haifa, a negra rosa na mão da romani.
— Nada
é de graça, nesta vida minha senhora, muito menos na outra! — Muteia falou
também e romani e levou a mão até a algibeira no casaco e tirou uma nota alta e
repassou para a velha senhora cigana e ela recebeu com a outra mão enrugada e
um alvíssimo sorriso nos lábios.
Clarisse
ficou atônita com o desenrolar, do que acontecia e pensou logo se era uma peça
de teatro encenada por ambos. Mas, alguma coisa dentro dela gritava, e gritava
bem alto, que não era. Alguma coisa de muito grava circundava aquele homem
alto, altivo e negro a poucos centímetros dela. Clarisse revolveu pegar a rosa
negra por fim e a elevou para poder sentir o olor da peça rara. Muteia pegou na
mão dela, impedindo que a moça pudesse completar o ato, fez isso de forma
busca. A velha senhora cigana deu as costas e partiu rapidamente, contradizendo
a idade que tinha.
— Não
sabia que falava a língua dos ciganos! És versado em linguística por acaso?
— Olha
rapariga! Vamos sair daqui de vez e deixa esta rosa ai mesmo, na mesa e deixe
que o destino encarregue de escolher o caminho para ela!
— Mas
deixar uma raridade deste tipo aqui? Alias como uma raridade deste tipo...
A resposta foi com um olhar duro,
a faceta do um militar que dá uma ordem para um subordinado e é contrariado
apareceu. E Muteia apontou para dentro de Café ivory tower de forma elegante e
sorridente.
O ambiente do Café ivory tower
era praieiro, típico de uma cidade de veraneio, um clima alegre e festivo,
palmeiras e aves litorâneas pintadas nas paredes, cadeiras de madeira e de
palha contrastava com as mesas com tampas de vidro e pés de metal cromado.
Clarisse não viu nenhum funcionário, mas escutou risadas femininas que viam da
cozinha. E um figura andrógena desponta por detrás do balcão de mármore, chamou
a atenção de Clarisse. Ela se esforçou-se para compreender a cena, uma figura
andrógena, um bartender típico de um bar alternativo, fazendo chacoalhar uma
coqueteleira para cima e para baixo de forma cadenciada. A figura parou de
chacoalhar a coqueteleira e olhou para Clarisse, um sorriso macabro brotou da
criatura noturna fez a cabeça da jovem doer.
— Para
onde me levas afinal professor?
— Para
um lugar propício rapariga, o meu local de trabalho favorito. Mas quando
Posidom assim permite e manda fazer sol e calor é claro.
Atravessaram o Café ivory tower
que estava, estranhamente, vazio aquela hora da manhã de sol e calor. Ao chegar
nos fundos do estabelecimento, Clarisse e encanta com uma belo jardim tropical.
Um pequeno lago, ornado com um passarela de madeira, carpas japonesas, um casal
de cisnes negros dançavam nas águas límpidas e cristalinas, grandes vasos de
pedras vulcânicas abrigavam várias espécie de bromélias. E em um dos pequenos
lagos formada em uma das plantas, um sapo macaco esperava faminto algum
desavisado inseto aparecer, para lhe matar a fome. Clarisse em um instante de
devaneio idílico procurou em vão uma haifa, ali naquele pequeno Éden encantado,
só viu um colibri batendo asas, estava indo se abrigar em um ninho. Era ali
naquele coreto depois no fim da ponte que sobrevoava o lago que o literato
africano trabalhava era o que Clarisse ponderou.
— Por
aqui, vamos subir estas escadas minha jovem! — Muteia apontou para uma escada
que ladeava o prédio. Mais uma vez Clarisse ficou desnorteada com a cena, uma
escada em caracol, e ela começou a ligar os pontos, eram descrições dos
ambientes que ela leu na prosa e nos versos de Muteia.
— O que
há miúda? Sente-se bem?
— Um
pouco tonta só isso, mas já passa…
— Não
deverias ter tocado naquela cangalha ora gaita!
— Vamos
subir de uma vez e vamos trabalhar logo.
A
subida foi bem rápida e o latejar na cabeça de Clarisse sumiu como por encanto
ao chegar no terraço.
PRINCESA NEGRA
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Espelho,
espelho meu... Não vou perguntar quem é a mais bonita que eu, afinal até ontem
eu era o patinho feio e eu já saí dessa posição que me colocaram faz tempo. Vou
apenas dizer-lhe que essa vida é uma caixinha de surpresas. A Princesa
Rapunzel, a mais linda, do mundo real chamado planeta terra disse que sou uma
princesa. Uma princesa negra? – fiquei pensando. E por que não? Afinal, quem
disse que Jesus é branco? Espelho eu demorei um tempão para me ver com outros
olhos, hoje sei que sou aquilo que sou e não o fruto da criação dos outros. O
meu cabelo duro da época em que eu apenas queria brincar têm cachos que
balançam e uma linda história de luta para contar. Vi-me em você e encontrei
beleza. Não falo do físico e sim de algo que vem da alma. Uma beleza interior
que não se desenha simplesmente se vê com o coração. Dizem que sou incrível,
pois bem, quem sou eu pra discordar? Afinal não existe mais o patinho feio! E a
estrada dos vencedores é logo ali. É só seguir e seguir. Desistir tem alto
preço. Confesso que já pensei em desistir várias vezes, olho pra mim e pergunto
se vale a pena. Mas isso faz parte de mim. Digamos que escrever é metade da
minha personalidade. Ouvi um amigo me dizer que sou dez. O que quer dizer com
isso? Quando tirei uma nota dez na vida que eu não estou sabendo? Eu passei?
Cadê o diploma? Sei, sei bem espelho. Não existe diploma na escola da vida. Só
estou brincando. Rir um pouco tornam as coisas mais leves. De amargo já basta o
limão. Não quero esse cálice. E que cale se o maldito conservadorismo! É meu
dever ser feliz. Curtir cada momento como um novo rabisco. Claro que a vida não
é uma folha de papel ou algo descartável, mas podemos fazer novos jeitos,
sempre recomeçar… Uma reviravolta nos momentos atuais muda a trajetória das
coisas. Mudar espelho. Você me reflete e pouco do que hoje sou eu vejo. Normal
até, quando vivemos presas no nosso mundo e rapidamente saímos da casca custamos
ver as mudanças. Somente quem está de fora para nos dizer. E vem os carinhas a
me perguntarem: - Como uma gata como você pode está sozinha? O engraçado
espelho querido, é que quando eu acreditava fielmente no amor não era notada
por nenhum homem. São os novos tempos? E eu perdi essência do amor, deixei de
acreditar no amor e com isso parei de escrever sobre ele. Acho que tenho que
resgatar isso. Um pouco desse cálice não mata e nem dói tanto assim. Acho que
fui dramática com as minhas dores. Eu devo ter um defeito... Claro, sou
romântica demais. Não sei se eu esperava o príncipe encantado até mesmo porque
príncipes não existem e este não é ‘’O Diário de Uma Princesa’’, nem eu sou a
autora Meg Cabot. Na verdade é apenas uma tentativa de escrever o texto com a
temática em volta do cálice para um Jornal de Itajaí, Santa Catarina. E pra ser
franca deu o que seria um relato, ou, monólogo sobre mim. Cruz e Sousa, diria
que é mais um diálogo comigo mesmo. Maluquice de poeta! Na sua percepção nós
poetas somos loucos. Então... Viva os loucos. Não há nada melhor espelho que
seguir com a minha loucura. Afinal isso é a minha felicidade.
PRINCESA NEGRA (2)
Por
Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Espelho
eu fui recriada e não sabia. Eu fui recriada de tal forma que Clarisse parece
um ser surreal. Não imaginei que fosse tão difícil ser Clarisse da Costa.A
minha rebeldia diz: ‘’quero colo vou fugir de casa’’... Fugir? Como? Não
adiantaria. Até mesmo porque onde formos à realidade vai junto conosco. E que
princesa é essa que eu sou? A minha coroa é a caneta e o meu manto é o papel.
Será que sou o fruto da mente alheia?
-
Querida, os guerreiros se perguntaram várias vezes o que faziam ali guerreando.
Muitos não sabiam o objetivo da guerra e nem porque tinham matado aquela pessoa
lá do outro lado. A única certeza que tinham era de seguirem em frente. O ser humano é
complicado. A vida não vem com o manual de instruções. Nós que as complicamos.
E ser mulher nos dias atuais não é nada fácil.
-A
mulher é alvo de críticas sempre, não dá pra correr disso. É permanecer firme.
Faz parte do crescimento humano. Você agora vive uma nova fase, é uma nova
mulher. E essa nova pessoa eles desconhecem e geralmente o povo tem pavor de
novidades. Mudanças nem sempre são bem vindas. Em sociedades tradicionais é
ainda mais acentuado. Eles estão com medo da nova Clarisse.
-Mas
não deixe o barco parado por causa dessas pessoas. Princesa, ou não, só é um
guerreiro que não para de lutar. Então espelho... Por um momento pensei que
estava fazendo algo errado. Como se eu fosse o pecador e o povo do meu bairro
Pilatos, me condenando.
-
Querida somos todos errantes e o povo do poder cai em cima dos pequenos. São
alguns os que chamamos de falsos puritanos. A sua luz ofusca o povo da sua
cidade. De repente o pássaro ganhou asas e se destacou. Você cresceu mais que a
cidade e é natural a rejeição. A solução é seguir adiante sem olhar para trás.
Tudo
bem... Aliás, pedras são para serem chutadas mesmo. E o caminho é aquele que te
faz feliz.
TODA MULHER É SAFIRA
Por
Clarisse da Costa (Biguaçu,SC)
No
fundo toda mulher é a Safira Naal e Aluarki o homem mais esperado. Personagens
de um cenário bem real, a África. Mas fora do cenário literário uma busca
incansável pelo o amor. Safira batalha todos os dias pelo seu sustento. Em sua
vida calos nos pés, fracassos, alegrias, derrotas, vitórias, tristezas... Um
caminho árduo.
Uma
luta interminável sem deixar de ser a princesa do mundo. Aluarki é apenas mais
um detalhe complementar na sua vida. Digamos que um príncipe, que sabemos bem
que não existe, mas aquele homem de verdade que faz toda diferença na vida de
cada mulher Safira.
Safira
é a representação da mulher guerreira atual na sua guerrilha diária do seu
cotidiano cosmopolita. Uma guerrilha negra em tempo real, sem o acelerar dos
minutos contados no relógio.
O MOVIMENTO HIPPIE PASSOU PELA MINHA COZINHA
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Às vezes, pessoas jovens com quem convivo me
perguntam se eu fui hippie. Eu fico me questionando: fui? Não fui? Bem, eu não
botei a mochila nas costas e fui para as estradas, como os hippies faziam, nem
sentei em praças a fazer artesanato, nem vivi em fazendas comunitárias - na
verdade, em todo o tempo em que as coisas estavam acontecendo, eu continuei a
levar uma vida de pequena burguesa, em Blumenau, primeiro estudando, depois
trabalhando e estudando, e sei que o meu pai jamais deixaria que eu botasse a
mochila nas costas e saísse pelo mundo.
Por outro lado, eu estava ligadíssima em
tudo o que acontecia: era adolescente quando chegaram as primeiras notícias
sobre o movimento hippie, e quase fiquei adulta antes que ele terminasse.
Minhas antenas estavam todas voltadas para aqueles jovens que estavam botando
em xeque todos os valores pré-estabelecidos, que estavam derrubando tabus e
preconceitos, e tudo o que eu queria na vida era ser como eles. Na verdade,
absorvi ao máximo a filosofia hippie, e quando me perguntam se fui hippie ou
não, acabo pensando cá comigo : "De uma certa forma, eu sou hippie até
hoje!"
Daí, um dia, logo depois de 1970, o
movimento hippie chegou em
Blumenau. Os hippies tinham rotas pré-estabelecidas: do Rio
desciam para a Ilha do Mel/PR, e de lá a Florianópolis, e de lá enveredavam
para o Rio Grande do Sul e a Argentina, e depois iam conhecer mais coisas na
América do Sul, e acabavam voltando ao Brasil via Bolívia. Em algum momento, no
começo da década de setenta, eles colocaram Blumenau nessa rota, e foi lindo!
Eles chegavam sem pressa a Blumenau, e
hospedavam-se num hotelzinho da Rua Ângelo Dias chamado Hotel Braz, e passavam
os dias na escadaria da Igreja Matriz, fazendo os mais diferentes tipos de
artesanato, e tocando violão, e compondo poemas, e filosofando e se curtindo, e
eu daria um braço para poder ficar lá com eles - só que, pequena burguesa que
era, tinha que ir trabalhar.
Nos finais de tarde, porém, parava diante da
escadaria da Igreja, e ficava de papo com eles. Surgiram amizades daí, e os
hippies começaram a ir lá em casa jantar. Meus pais tinham se mudado para a
praia, e eu e minha irmã Margaret morávamos num "apertamento" na Rua
XV de Novembro 1398, a
principal de Blumenau. Com certeza, se morássemos, ainda, com nossos pais, as
coisas teriam sido diferentes - mas em pleno movimento hippie blumenauense,
Margaret e eu estávamos morando sozinhas - uma maravilha!
Nosso "apertamento" virou ponto de
jantar de muitos hippies - porque eles estavam sempre indo ou chegando de algum
outro lugar, e as amizades não duravam muito tempo. Estávamos, naquele
tempo, num período de baixíssima inflação, e tínhamos bons salários, o que
resultava em esmerados jantares feitos de camarão e outras coisas boas.
Nossos amigos andavam sempre meio
esfomeados, e era um prazer cozinhar para eles. Nós entrávamos com a comida, e
eles entravam com as histórias, e quantas histórias tinham para contar! A maioria
deles tinha viajado muito, e contavam para nós as coisas do Brasil e da
América, e alguns tinham viajado inclusive pela Europa, e era um nunca acabar
de contar coisas. Discutíamos música e coisas filosóficas, falávamos mal da
guerra do Vietnã e dos preconceitos da sociedade - eram noites
estimulantíssimas!
Naquele tempo, porém, se dormia cedo. Meia
noite era uma hora tardia, e era por essa hora que eu anunciava :
- Gente, hora de dormir! - e nossos amigos
se despediam e iam escada abaixo, mas quantas coisas e quantas experiências nos
deixavam! Quantas coisas, na minha vida de hoje, ainda são influenciadas por
aqueles papos e por aquele tempo! Eram doces amigos que foram educados e
gentis, sequer alguma vez acenderam um baseado na nossa cozinha. E como os mais
velhos falavam mal deles! Acho que fui uma felizarda pelo contacto com eles. E
afirmo, hoje, com orgulho, que o movimento hippie passou pela minha cozinha!
Blumenau, SC, 02 de Abril de 1998.
O HOMEM DE CIUDAD BOLÍVAR
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC).
Amanhã, dia 06.03.2016, faz 04 anos que ele partiu. Minha
modesta imagem, abaixo, àquele que representava, para mim, a Esperança.
(Para o homem da rodoviária de Ciudad Bolívar e para Hugo
Chávez Frías)
Mais ou
menos dez da noite, e eu chegara à Ciudad Bolívar, interior da Venezuela,
cansada, com fome e muitíssimo curiosa para saber o que pensavam as gentes de
uma cidade de 100.000 habitantes, depois de uma semana ouvindo as gentes de
Caracas, cidade grande.
Sentei-me
à mesa de plástico de um vendedor de sanduíches e pedi algo para comer. Os
venezuelanos são muito simpáticos, e logo eu estava em animada conversa com
aquele vendedor de sanduíches.
-
Primeiro, eu nunca tinha votado – explicou-me ele. Há que se lembrar que na
Venezuela o voto não é obrigatório. Meu novo amigo apontou-me uma praça
próxima:
- Agora, não perco uma eleição. Agora todos votam. Está
vendo aquela praça ali? Há tanta gente que vota que aquela praça fica tomada
por uma fila que vai de lá até aqui, ó! – continuou, mostrando o tamanho
considerável da fila que revia na sua imaginação, e que enfrentava a cada vez
que havia eleições e referendos.
Era verdadeiramente impressionante o tamanho da fila que meu
novo amigo me contava, como era impressionante no seu olhar, no seu rosto e na
sua postura, o orgulho de se saber e se sentir cidadão, após a miserabilidade
de uma vida que eu diria de escravidão, já que nos mais de sessenta anos
anteriores só eram cidadãos e quase que só votavam os milionários donos do petróleo
– pelo menos eram eles quem davam todas as cartas e aplicavam todo o dinheiro
gerado pelo subsolo venezuelano nas suas fortunas de Miami e tinham abandonado
seu povo à própria sorte, como eu já pudera ver sobejamente na Caracas rodeada
de cerros onde até pouco campeava a mais absoluta miséria e abandono.
- E o Comandante? – fiz uma pergunta que poderia ser tudo ou
nada.
O rosto do homem se abriu num largo sorriso de prazer, como
também se abriam os rostos das gentes de Caracas.
- Ah! Nós amamos o Comandante! Não havia nenhuma esperança
nas nossas vidas antes do Comandante. Agora passamos a ser gente livre, agora
podemos decidir nosso futuro! – e o meu amigo passou a contar das diferenças na
sua vida, de como voltara a estudar, de como agora ele e sua família tinham
acesso a médico a qualquer momento, de como os remédios eram gratuitos, de como
a comida era subsidiada pelo dinheiro do petróleo que agora não vazava mais
todo para Miami , de como até pudera abrir seu pequeno negócio de sanduíches.
- Antes a gente não podia nada, além de ser pobre e sofrer.
Se não fosse o Comandante, o que seria de nós?
Isto foi em janeiro de 2006, e como hoje é 06 de março de
2013, lá já se foram sete anos. Eu sei que aquele homem de Ciudad Bolívar deve
estar chorando, e queria estar lá para dar um abraço nele, porque também estou
chorando aqui. Chávez se foi ontem, mas nunca mais deixará de estar conosco.
Luminosa estrela no meu céu, eu lhe digo:
- Até a vitória sempre, Comandante! – e de novo choro, pois
o mundo já não é igual desde ontem, quando te foste tão prematuramente. O que
me consola são todas as sementes que plantaste, tantas que a gente ainda nem
sabe avaliar como germinarão por todos os lados. Há que chorar, no entanto, porque o coração
dói.
Blumenau,SC,
06.03.2013
A MULHER DE CARACAS
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
(Fez 4 anos, neste mês, que ele partiu. Minha humilde
homenagem.)
(Para Hugo
Chávez Frías)
Éramos um
pouco mais de 20 brasileiros daqui de Santa Catarina em Caracas. Fôramos
por causa do Fórum Social Mundial, mas do Fórum eu só vi uma palestra –
deixei-me ficar pelas ruas, conversando e conversando pelos dias inteiros,
conversando com quem quisesse conversar comigo, ricos e pobres, muito mais
pobres do que ricos, claro, porque sempre há uns pouquinhos ricos para cada
multidão de pobres, e como havia pobres em Caracas! Logo ficava claro como as
coisas funcionavam por lá: os ricos ODIAVAM (assim com maiúsculas) ao
Presidente Hugo Chávez, que tirara das suas mãos a grande riqueza do petróleo,
enquanto os pobres AMAVAM (assim com maiúsculas e negrito ao cubo) ao mesmo
presidente, por estar canalizando para eles a mesmíssima riqueza do petróleo
que lhes fora usurpada por mais de 60 anos.
Chávez era um reformador, um
revolucionário, um corajoso por quem aquela gente daquele país sem classe média
(só consegui ver duas classes, na Venezuela: a dos milionários e a dos
miseráveis) só conseguia ter sentimentos extremos. Dentre outras coisas, fizera
coisas assim: ricos proprietários estavam há décadas sem pagar impostos de
grandes edifícios? Sem problemas, Chávez nacionalizava os mesmos e os entregava
para que os moradores de rua tivessem aonde viver. Fico pensando em tantos
outros políticos por aí, no lugar de Chávez: teriam distribuído tais edifícios
para os moradores de rua ou teriam, silenciosamente, passado os mesmos para
genros, pais, amantes ou sei lá quem, como é tão comum ver-se pelo mundo, a
começar pela justiça brasileira, onde um certo juiz Lalau foi exemplo para dar
e vender!
Mas queria
contar como descobri tais coisas lá da Venezuela.
Fim de
tarde, e tomava alguma coisa em simpático bar numa das avenidas principais,
quando se aproximou uma velha senhora vendendo algumas canetas. Foi só lhe dar
trela e já ficou minha amiga, como é tão comum às gentes daquele país
simpático.
- - Moro ali,
ó! – explicou-me ela, apontando bonito edifício do outro lado da rua. – Moro
ali porque o Comandante me deu um pequeno apartamento ali!
Fiquei
curiosa. Embora já tivesse sabido de tantas coisas em mudança na Venezuela,
aquilo era novidade para mim. Quis saber mais, saber tudo. A mulher me explicou
das desapropriações de imóveis com grandes dívidas de impostos, e depois contou
a sua história:
- Eu nasci
na rua, sabe? Minha mãe me teve e me criou na rua, porque não havia para onde
ir. Cresci na rua, fui prostituta na rua, e conforme envelheci, passei a ser
mendiga na rua. Mas agora tenho o meu apartamento.
O peito da
mulher inchou, gritou de sentimento, creio que numa mistura de prazer e dor:
- Dona, a senhora
não imagina o que é ter uma chave, possuir uma chave como esta aqui! – ela
tinha uma chave pendurada ao pescoço por forte cordão. – A senhora decerto
sempre teve chave, não sabe como é nunca ter nenhuma! Eu nunca tinha tido, e
agora tenho, e posso fechar a minha porta e me sentir segura, e poder fazer o
que queira dentro do meu apartamento, sem ficar com medo.
Ela
sentou-se à minha frente para ter mais forças para explicar melhor o que
acontecia com ela.
- Quando a
gente não tem uma chave, um lugar com chave, qualquer um pode vir e abusar da
gente, maltratar a gente...
Céus, que
coisa mais forte era o poder de uma chave, e a gente nunca pensa nele! Já quase
no final da sua vida, aquela mulher de Caracas acabara encontrando aquele poder
que lhe dava a segurança que nunca tivera, e a emoção dela era violenta:
- Se não
fosse o Comandante...
Nunca
poderei esquecer daquela mulher, nem do seu prazer de ter, afinal, uma proteção
que lhe faltara por toda a vida.
E então de
novo choro, e penso: por que o Comandante teve que se ir tão cedo? Ah!
Comandante, ah! Comandante! Que tua obra não seja interrompida, pois há ainda
muitas chaves a serem entregues...
Blumenau,SC,
18 de março de 2013.
O HOMEM DE SANTA HELENA DE UAIRÉN
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Nesta semana fez 04 anos que ele partiu. Minha modesta
homenagem, abaixo, àquele que representava, para mim, a Esperança.(Para Hugo
Chávez Frías)
Era dia de tomar o rumo do Brasil. Na boca da noite,
dirigi-me à rodoviária de Ciudad Bolívar, onde tantas coisas tinham acontecido!
Sentei-me a um banco com minha mochila e uma sacola xadrez cheia de livros
daquele país maravilhoso, e logo um jovem casal me sorriu com a simpatia tão
própria das gentes da Venezuela.
Ambos, mais um filhinho muito lindo, eram assim como eu
tinha me acostumado a ver a gente de lá: morenos, talvez mestiços, naquela tão
fácil mestiçagem altamente democrática que aconteceu na Venezuela ao longo da
sua história. Chamava a atenção os luzidios cabelos negros escorridos da
mulher, cuidadosamente presos num rabo de cavalo. Ela estava pela metade de uma
gravidez, penso, e usava um lindo vestido de laise creme – o conjunto dela, do
marido e do filhinho era muito bonito; lembrava gente simples, próspera e culta,
talvez agricultores, mas haveria agricultores naquela terra tão fértil por onde
viajei de ônibus durante toda a claridade de um dia, sem ver uma roça, uma
vaca? Haveria agricultores num país onde poderia faltar o leite para o café da
manhã, caso o avião dos EUA não chegasse a tempo? Até a alface vinha dos EUA,
de avião...
Num instante estávamos conversando. Já se passaram mais de
sete anos, não recordo mais dos seus nomes, mas eles eram índios. Estava
encantada com eles, queria saber de onde eram.
- Depois de Santa Helena do Uairén, viajamos mais quatro
horas até chegar à nossa tribo.
Céus, isso era muito longe! Santa Helena de Uairén era a
cidadezinha quase na fronteira do Brasil, pequenina, quase que um posto
avançado da Venezuela – quatro horas de viagem dali em diante era longe mesmo!
- Eu estou fazendo a Faculdade de Multiculturalismo –
explicou-me o homem – Agora, lá na nossa tribo, a gente pode fazer faculdade.
Agora se estuda em todos os lugares – ele sorriu, compreensivo, pois decerto eu
fizera alguma cara de espanto:
- Assim que a minha mulher tiver o bebê, ela também vai
estudar Multiculturalismo!
Naquele momento, todos estudavam na Venezuela - quem fora analfabeto andava entrando no
ensino secundário; quem já fizera o primário estava a chegar nas universidades.
Os investimentos em saúde e educação eram impressionantes – só não imaginava
que os índios quatro horas depois de Santa Helena de Uairén estavam a estudar
Multiculturalismo, tão importante curso num país tão mestiço quanto aquele!
- E antes, como era? – eu queria saber tudo.
- Antes do Comandante, éramos índios abandonados. Se não
fosse o Comandante...
Viajamos por toda a noite no mesmo ônibus, e de manhãzinha
chegamos à Santa Helena. Mais 15
km e eu estaria no Brasil – mais quatro horas e meus
amigos estariam na tribo onde se estudava Multiculturalismo. Despedi-me daquela
família cheia de dignidade que um dia se limitara a sofrer as humilhações que
sofrem a maioria dos pobres e que agora se instruía lá na sua terra de uma
forma que nunca sonhara.
Comandante Hugo Chávez, obrigada por mais aquela belíssima
surpresa dentre tantas outras naquelas semanas de Venezuela! Nunca mais ninguém
poderá pisar naquele homem que morava a quatro horas de Santa Helena de Uairén,
agora que ele está armado com as fascinantes armas do Conhecimento! Ah!
Comandante, Comandante, por que te foste tão cedo?
Choro.
Blumenau, SC, 13 de março de 2013.
DRA. ADAIR, A GRANDE DAMA DE CANOINHAS
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Homenageando
a saída do maravilhoso livro “O meu lugar”, de Adair Dittrich, volto a
compartilhar a crônica abaixo.
(Para
Dra. Adair Dittrich, de Canoinhas/Brasil)
Muitas
e muitas cidades não têm uma grande dama – há muitas que sequer sonham com o
que pode ser isto, e eu acho que fica bastante difícil de explicar em palavras
comuns o que é ser uma grande dama – grande dama é aquela pessoa que não
precisa dizer nada nem fazer nada para sê-la – grande dama é alguém perceptível
diretamente pelos olhos do coração, e as palavras são coisas bobas diante
delas.
Então
no ano que passou fui à cidade de Canoinhas/SC, lá no extremo norte do Estado,
e lá estava aquela mulher inigualável a me atender. A princípio ela parecia
normal, uma mulher da minha idade, médica, educada e delicada quanto tantas,
cuidando para dirigir muito devagar para evitar que eu enjoasse no caminho do
que queria me mostrar, conversando agradavelmente, inteligentemente, mas até aí
tudo parecia normal. Levou-me ao seu
lugar, onde nascera e crescera, à localidade de Marcílio Dias, e lá mostrou-me
muitas coisas: a casa onde se criara (há uma sobrinha dela ainda morando lá na
casa vetusta, de madeira, onde juro que deve haver fantasmas escondidos sob as
escadarias e entre as paredes duplas e, portanto, pudemos entrar e conhecer a
casa); as diversas outras casas de formatos e construções únicas da região, o
leito da antiga estrada de ferro, a velha estação, ao lado da casa de moradia e
de comércio da sua nona , que tantas coisas na vida ensinara à menina Adair,
enquanto atendia autoridades que o trem trazia até ali, sendo a mais ilustre o
presidente Getúlio Vargas; contou-me muitas coisas da Guerra do Contestado e da
Madeireira Lumber, uma desgraça que aconteceu ao Brasil lá no começo do século
XX, com seu Ogro chamado Paschaol Farquhar.
Canoinhas
ainda é uma cidade bastante pequena, mas Dra. Adair havia decidido me dar um
city-tour, e em seguida lá fomos nós para a Cervejaria Canoinhense, onde o
inigualável cervejeiro Rupprecht
Loeffler produz cerveja e gasosa
há mais de 80 anos, ele pessoalmente. Acabei ganhando uma coleção de cervejas e
comprando uma coleção de gasosas, das vermelhas e das brancas, as inigualáveis
gengibiras que degustaria depois, em casa. Doutora Adair
contou prazerosamente como seus pais compravam, nas festas de final de ano,
engradados inteiros daquelas gasosas, e como os irmãos e primos dela (decerto
ela também) aproveitavam para esconder muitas garrafas nos mais inacessíveis
esconderijos da casa, para que sobrassem para depois – sobravam para o ano
inteiro; era um nunca acabar de se achar gasosas por todo o ano dentro daquelas
paredes duplas onde agora, com certeza, devem morar muitos fantasmas!
E
nos dias em que fiquei lá (não só em Canoinhas, como também em Três Barras e Bela
Vista do Toldo) fazendo palestras nas escolas cujos alunos haviam lido os meus
livros e também participando de uma noite de autógrafos na Livraria Santa Cruz,
Dra. Adair esteve todo o tempo a me
acompanhar, sem contar as duas vezes em que me convidou para almoçar na sua
casa. Então, aos poucos eu fui conhecendo,
desvendando seus mistérios de grande dama e outros, e um pouquinho da sua
biografia. Ela era médica desde os 25 anos, e já completou seus 50 anos de
medicina há algum tempo atrás, o que significa que... céus, mas aquela mulher
linda que parece ter a minha idade não
tem a minha idade? Não, acabei por saber – aquela mulher linda e tão jovem já
passava dos 75 anos! Como fez ela para se manter assim cheia de vigor, de
beleza e de juventude? Penso que por conta do muito trabalho da sua vida, e de
ter escolhido fazer exatamente o que gostava de fazer – mas também por ter
seguido seu coração e suas convicções sem se dar trégua, e ter vivido de acordo
com eles sem esmorecer. Fiquei a admirá-la silenciosamente quando, numa reunião
pública onde estávamos, ouvi sua indagação para a qual ainda não se tem
resposta:
- Então que faço com os vinte anos que a ditadura me roubou?
Faço de conta que eles não existiram, e digo que agora só tenho 50 e tantos
anos?
Grande Dra. Adair, que não permitiu que se lhe arrancassem
os sonhos e ideais da juventude! Continua convivendo com eles com a mesma
intimidade com que sempre viveu – nunca deixou de acreditar nas suas crenças,
nunca deixou de levar muito a sério o que acha que é justo! Seria este o
segredo que a tornou uma grande dama?
É bem possível e provável que sim. É, pelo menos, um dos
fatores. Dra. Adair nunca transigiu, nunca deixou de perseguir os seus ideais,
fossem eles os de mitigar o sofrimento alheio ou de sonhar com um mundo melhor.
Nunca prestou atenção, ela, aos arautos da Apocalipse que ficaram anunciando a
chegada do desânimo, a ruína dos sonhos, o fim dos tempos da esperança – única
e perfeita, ficou na sua pequena cidade defendendo que o tempo de sonhar nunca
se acaba, e então se tornou grande, a grande dama de lá!
Querida Dra. Adair, a grande dama de Canoinhas, que bom que
foi ter tido o privilégio de conhecê-la!
Blumenau,
SC, 29 de março de 2011.
CONVERSANDO COM A MINHA MÃE - 6
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Está cheinho
de boas almas com quem conversar hoje, pois a gente do Bem é grande, mas sinto
que hoje devo conversar com a mãe, que tanto viu e tanto soube e tanto sentiu
deste país, desde antes do tempo do Getúlio. Mas acho que a mãe ainda não sabe
o que eu vou contar agora, e por isto é que achei que devia contar.
Trata-se daquele
homem que está só, lá naquele apartamento, acompanhado de um filho e das tantas
e tantas lembranças, o coração rasgado de dor pela segunda vez, vertendo o
sangue vermelho da dor sem consolo, assim como aqui também o meu coração dói,
pois é tão triste, mãe, tão triste...
Sabe, mãe,
tinha sabido dela faz assim como uns dois anos, quem sabe três, e eram notícias
tão lindas! Disseram-me de como ela estava bonita, magérrima, elegante, unhas
bem feitas, estuante de vida, pronta para recomeçar tudo de novo na sua vida
que era sempre um hino de amor e de justiça; aquele coraçãozão que ela tinha no
peito a lhe ruborizar as faces de tanta energia, as mãos estendidas para
ajudar, sempre – gente assim como ela, daquele naipe único, se a gente sabe uma
vez cada dois ou três anos já é um privilégio, enche o coração da gente de
beleza, reacende todas as esperanças... Ai, mãe, não consigo pensar que ela se
foi assim, sufocada pela maldade, ela que só tinha o bom e o belo para espargir
para quem se achegasse... A mãe soube que ela se foi, penso. Talvez vocês duas
já tenham se encontrado por aí aonde estão agora, quem sabe a mãe já disse para
ela da admiração que tinha pela trajetória dela, que a mãe sabia desde lá da
infância dela...
Mas queria
falar, agora, é daquele homem, o marido dela, sozinho com um filho lá naquele
apartamento agora tão vazio, irremediavelmente vazio da alegria e da beleza que
era ela, aquele apartamento tão intensamente cheio das lembranças dela que não
sei como ele sobrevive ao rubro do sangramento do coração partido de dor...
Nunca
pensamos numa coisa assim, né, mãe, nem naqueles maravilhosos momentos quando
ela se torna a vedete da nossa esperança – a gente não podia imaginar... Nunca
se imagina uma coisa assim, e o marido dela também não imaginou e foi pego de
surpresa como toda a gente do Bem, e agora está lá naquele apartamento
sangrando de dor muito mais que eu aqui... Recém soube que ele começa a reagir,
a fazer ginástica de novo, pois ele não se pertence e tem que voltar a se
preparar para a luta imensa que tem pela frente, porque ele é assim, homem de
luta, e ela não esperaria outra coisa dele. Aí onde ela está, agora estrela,
decerto a mãe acompanha como ela manda forças para ele, pois a mãe sempre
acompanhou o que ela fazia... A gente está contando com a força dela somada à
força dele, pois sem ele, o que será de nós, seres já com poucas forças, que
nunca tinham tido a dimensão da tremenda perversidade que tomou conta deste
país, e que só ficou clara naquela Noite dos Horrores, mãe, quando os deputados
votaram para derrubar a presidenta – penso que a mãe há de ter se inteirado
disso.
Então aquele
homem está lá e começa a reagir fazendo ginástica, e ele é o centro da nossa
esperança de sair do lodaçal. Mãe, se der, pergunta a ela como vai ser, pois
ela agora pode ver mais longe e talvez saiba as coisas por antecipação. Eu
tenho tanta pena dele assim sem ela, o coração partido sangrando tanto... Se a
mãe puder dar uma passadinha lá e fazer qualquer coisa por ele, uma oração,
talvez, eu vou ficar um pouco menos triste. Ele precisa de toda a nossa ajuda –
a daqui e a daí – pois a perversidade que tem que enfrentar é tanta, que toda a
ajuda se faz necessária. Como me dói o coração sabe-lo assim, mãe, como dói!
(Dedicado a Lula e à Dona Marisa Letícia)
Enseada de
Brito, SC, 10 de março de 2017.
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