Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
(Fez 4 anos, neste mês, que ele partiu. Minha humilde
homenagem.)
(Para Hugo
Chávez Frías)
Éramos um
pouco mais de 20 brasileiros daqui de Santa Catarina em Caracas. Fôramos
por causa do Fórum Social Mundial, mas do Fórum eu só vi uma palestra –
deixei-me ficar pelas ruas, conversando e conversando pelos dias inteiros,
conversando com quem quisesse conversar comigo, ricos e pobres, muito mais
pobres do que ricos, claro, porque sempre há uns pouquinhos ricos para cada
multidão de pobres, e como havia pobres em Caracas! Logo ficava claro como as
coisas funcionavam por lá: os ricos ODIAVAM (assim com maiúsculas) ao
Presidente Hugo Chávez, que tirara das suas mãos a grande riqueza do petróleo,
enquanto os pobres AMAVAM (assim com maiúsculas e negrito ao cubo) ao mesmo
presidente, por estar canalizando para eles a mesmíssima riqueza do petróleo
que lhes fora usurpada por mais de 60 anos.
Chávez era um reformador, um
revolucionário, um corajoso por quem aquela gente daquele país sem classe média
(só consegui ver duas classes, na Venezuela: a dos milionários e a dos
miseráveis) só conseguia ter sentimentos extremos. Dentre outras coisas, fizera
coisas assim: ricos proprietários estavam há décadas sem pagar impostos de
grandes edifícios? Sem problemas, Chávez nacionalizava os mesmos e os entregava
para que os moradores de rua tivessem aonde viver. Fico pensando em tantos
outros políticos por aí, no lugar de Chávez: teriam distribuído tais edifícios
para os moradores de rua ou teriam, silenciosamente, passado os mesmos para
genros, pais, amantes ou sei lá quem, como é tão comum ver-se pelo mundo, a
começar pela justiça brasileira, onde um certo juiz Lalau foi exemplo para dar
e vender!
Mas queria
contar como descobri tais coisas lá da Venezuela.
Fim de
tarde, e tomava alguma coisa em simpático bar numa das avenidas principais,
quando se aproximou uma velha senhora vendendo algumas canetas. Foi só lhe dar
trela e já ficou minha amiga, como é tão comum às gentes daquele país
simpático.
- - Moro ali,
ó! – explicou-me ela, apontando bonito edifício do outro lado da rua. – Moro
ali porque o Comandante me deu um pequeno apartamento ali!
Fiquei
curiosa. Embora já tivesse sabido de tantas coisas em mudança na Venezuela,
aquilo era novidade para mim. Quis saber mais, saber tudo. A mulher me explicou
das desapropriações de imóveis com grandes dívidas de impostos, e depois contou
a sua história:
- Eu nasci
na rua, sabe? Minha mãe me teve e me criou na rua, porque não havia para onde
ir. Cresci na rua, fui prostituta na rua, e conforme envelheci, passei a ser
mendiga na rua. Mas agora tenho o meu apartamento.
O peito da
mulher inchou, gritou de sentimento, creio que numa mistura de prazer e dor:
- Dona, a senhora
não imagina o que é ter uma chave, possuir uma chave como esta aqui! – ela
tinha uma chave pendurada ao pescoço por forte cordão. – A senhora decerto
sempre teve chave, não sabe como é nunca ter nenhuma! Eu nunca tinha tido, e
agora tenho, e posso fechar a minha porta e me sentir segura, e poder fazer o
que queira dentro do meu apartamento, sem ficar com medo.
Ela
sentou-se à minha frente para ter mais forças para explicar melhor o que
acontecia com ela.
- Quando a
gente não tem uma chave, um lugar com chave, qualquer um pode vir e abusar da
gente, maltratar a gente...
Céus, que
coisa mais forte era o poder de uma chave, e a gente nunca pensa nele! Já quase
no final da sua vida, aquela mulher de Caracas acabara encontrando aquele poder
que lhe dava a segurança que nunca tivera, e a emoção dela era violenta:
- Se não
fosse o Comandante...
Nunca
poderei esquecer daquela mulher, nem do seu prazer de ter, afinal, uma proteção
que lhe faltara por toda a vida.
E então de
novo choro, e penso: por que o Comandante teve que se ir tão cedo? Ah!
Comandante, ah! Comandante! Que tua obra não seja interrompida, pois há ainda
muitas chaves a serem entregues...
Blumenau,SC,
18 de março de 2013.
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