Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Abra as janelas!
E puxe as cortinas.
Deixa o Sol entrar... O astro rei...
Chega de viver na escuridão...
Pois quero viver ao teu lado!
Da me a tua delicada mão!
Vamos juntos abrir as janelas...
Deixar a vida entrar!
Vamos juntos viver a vida...
Deixar a vida entrar
Clarisse olhou perdidamente para
a rua, a poucos metros dela, já não estava mais na monotonia claustrofóbica da
livraria no centro comercial da cidade e sim sentada confortavelmente no deck
de um Café ivory tower, na movimentada via beira mar. Ela olhou para o relógio
digital no pulso, não disfarçando a impaciência. Contemplou, extasiada o oceano
revolto, não muito longe dela, sentiu o vento morno que soprava e o cheiro de
gotículas de água salgada, como se fosse a primeira na vida que experimentara
tais sensações. Olhou perdidamente para os pedestres que passavam, com seus
típicos trajes de praia, a ciclovia lotada naquela manhã ensolarada de início
de verão. Casais idosos levando seus cachorros pequenos para passear, carros
que passavam na rua de mão única, todos se movimentando sem muita presa. Uma
senhora muito idosa e vestida de forma extravagante, que descia a rua chamou a
atenção de Clarisse. Então Clarisse voltou para si mesma, em mais uma profunda
digressão, levou lentamente a braço à frente, o membro escapou do abrigo seguro
do guarda sol e ela sentiu o calor emanado pelo astro rei, como se fosse pela
primeira vez na vida que experimentava tal sensação. Sem as pesadas vestes
negras, o rosto despido da maquiagem pesado e usando roupas da estação, ela
tentou em vã lembrar-se da outra vida que tinha no subterrâneo, antes daquela
que estava começando a viver. Ela não quis divagar muito consigo mesma, sobre
como as coisas tinham se dado, só pensou nas muitas idas e vindas do literato
luso-africano vestido de forma elegante, na livraria e nas cinzas das horas.
Clarisse perdeu a noção de quanto tempo àquela dança e contradança entre ambos
tinham começado. Ela de um lado enclausurada, na torre de marfim, no setor de
análises e reparos de livros raros na livraria, na própria literatura e o
literato luso-africano do outro lado. Ela tinha atendido os pedidos dele, sem
ela saber, tanto de restauros bem como pedidos de livros raros e caros, os
pedidos chegam sem origem, simplesmente chegavam na mesa dela vindos
diretamente da gerência da livraria. E pois o redescobrir como ensaísta,
contista, poeta e crítico de arte, protegido por pseudônimos e heterônimos
espraiado em jornais e revistas e opúsculos. A cada linha, a cada construção
frasal, a cada construção lógica lá estava ele, Clarisse descobriu o africano assim
sem o querer. E mais um olhada rápida no relógio e aquele pensamento
angustiante veio bem forte: — Ele não vem? Será que virá?
—
Demorei em demasiado senhorita Clarisse Cristal! — Soprou Muteia de forma
delicada no ouvido da moça e prosseguiu enquanto se sentava a mesa junto dela —
Gente velha perde a noção de tempo bem fácil!
— És um
homem fascinante mesmo professor Muteia! E Agnes? Ela não veio?
— Mas
quem são as outras pessoas? São simplesmente nada mais que além de
nanopartículas etéreas, alheias a nós mesmos, gravitando cegamente e
perdidamente, nas nossas subsistências, pós-modernas, liquefeitas e vazias.
—
Resposta interessante professor, mas vago e abstrato em demasiado.
— É que
eu não me acostumo, em responder sempre a mesma pergunta, esta foi original no
mínimo. Ela não existe minha querida, é um personagem fictício, fruto de uma
mente inquieta e imaginativa e nada mais para além disto. Podes ligar o
gravador e vamos começar a entrevista se quiseres!
— Sim!
Vamos começar a entrevista... — A jovem levou a mão até a bolsa, que estava
postada na confortável cadeira ao lado dela, mas parou de repente, alguma coisa
estava errado, muito errado. Tudo funcionado muito bem até ali, bem até demais.
Ela devolveu o pequeno objeto eletrônico na bolsa e olhou bem nos olhos do
mistério encarnado diante dela. Clarisse olhou seriamente para literato
luso-africano, ele devolveu o olhar de volta, sorriu para a jovem e então
estavam se entenderam mais claramente por fim. Clarisse não era uma pessoa
qualquer e não seria conduzida facilmente. Foi o que o professor deduziu
naquela hora extrema.
— Vamos
para um lugar mais reservado minha cara...
— Logo
imaginai! Aqui não um lugar adequando para a nossa entrevista afinal de contas!
— Claro
jovem senhorita! — Muteia olhou para dentro de Café ivory tower como quem
procura algo, ou melhor, alguém e não encontrava — Vamos saborear uma chávena
de chá, em um lugar mais tranquilo.
Muteia
erguesse e convidou Clarisse a fazer o mesmo, mas antes uma velha senhora
cigana entre no deck do Café ivory tower de forma intempestiva. O escritor
africano foi tomado de um profundo mal-estar, ao olhar para a velha senhora a
poucos metros dele, já não sabia se estava sonhando ou se estava acordado.
Nessa hora, ele desejou estar armado, Muteia estava em alerta total.
—
Flores para a mais bela dama do vilarejo! É com a graça dos deuses imortais
minha jovenzinha! — Falou em romani a velha senhora decadente, levou a mão a um
cesto de vime que levava nas mãos e a ergueu de súbito com uma agilidade de uma
jovem e ofereceu uma rosa para Clarisse que não entendeu nada do que ela dizia.
Clarisse de imediato reconheceu a rara haifa, a negra rosa na mão da romani.
— Nada
é de graça, nesta vida minha senhora, muito menos na outra! — Muteia falou
também e romani e levou a mão até a algibeira no casaco e tirou uma nota alta e
repassou para a velha senhora cigana e ela recebeu com a outra mão enrugada e
um alvíssimo sorriso nos lábios.
Clarisse
ficou atônita com o desenrolar, do que acontecia e pensou logo se era uma peça
de teatro encenada por ambos. Mas, alguma coisa dentro dela gritava, e gritava
bem alto, que não era. Alguma coisa de muito grava circundava aquele homem
alto, altivo e negro a poucos centímetros dela. Clarisse revolveu pegar a rosa
negra por fim e a elevou para poder sentir o olor da peça rara. Muteia pegou na
mão dela, impedindo que a moça pudesse completar o ato, fez isso de forma
busca. A velha senhora cigana deu as costas e partiu rapidamente, contradizendo
a idade que tinha.
— Não
sabia que falava a língua dos ciganos! És versado em linguística por acaso?
— Olha
rapariga! Vamos sair daqui de vez e deixa esta rosa ai mesmo, na mesa e deixe
que o destino encarregue de escolher o caminho para ela!
— Mas
deixar uma raridade deste tipo aqui? Alias como uma raridade deste tipo...
A resposta foi com um olhar duro,
a faceta do um militar que dá uma ordem para um subordinado e é contrariado
apareceu. E Muteia apontou para dentro de Café ivory tower de forma elegante e
sorridente.
O ambiente do Café ivory tower
era praieiro, típico de uma cidade de veraneio, um clima alegre e festivo,
palmeiras e aves litorâneas pintadas nas paredes, cadeiras de madeira e de
palha contrastava com as mesas com tampas de vidro e pés de metal cromado.
Clarisse não viu nenhum funcionário, mas escutou risadas femininas que viam da
cozinha. E um figura andrógena desponta por detrás do balcão de mármore, chamou
a atenção de Clarisse. Ela se esforçou-se para compreender a cena, uma figura
andrógena, um bartender típico de um bar alternativo, fazendo chacoalhar uma
coqueteleira para cima e para baixo de forma cadenciada. A figura parou de
chacoalhar a coqueteleira e olhou para Clarisse, um sorriso macabro brotou da
criatura noturna fez a cabeça da jovem doer.
— Para
onde me levas afinal professor?
— Para
um lugar propício rapariga, o meu local de trabalho favorito. Mas quando
Posidom assim permite e manda fazer sol e calor é claro.
Atravessaram o Café ivory tower
que estava, estranhamente, vazio aquela hora da manhã de sol e calor. Ao chegar
nos fundos do estabelecimento, Clarisse e encanta com uma belo jardim tropical.
Um pequeno lago, ornado com um passarela de madeira, carpas japonesas, um casal
de cisnes negros dançavam nas águas límpidas e cristalinas, grandes vasos de
pedras vulcânicas abrigavam várias espécie de bromélias. E em um dos pequenos
lagos formada em uma das plantas, um sapo macaco esperava faminto algum
desavisado inseto aparecer, para lhe matar a fome. Clarisse em um instante de
devaneio idílico procurou em vão uma haifa, ali naquele pequeno Éden encantado,
só viu um colibri batendo asas, estava indo se abrigar em um ninho. Era ali
naquele coreto depois no fim da ponte que sobrevoava o lago que o literato
africano trabalhava era o que Clarisse ponderou.
— Por
aqui, vamos subir estas escadas minha jovem! — Muteia apontou para uma escada
que ladeava o prédio. Mais uma vez Clarisse ficou desnorteada com a cena, uma
escada em caracol, e ela começou a ligar os pontos, eram descrições dos
ambientes que ela leu na prosa e nos versos de Muteia.
— O que
há miúda? Sente-se bem?
— Um
pouco tonta só isso, mas já passa…
— Não
deverias ter tocado naquela cangalha ora gaita!
— Vamos
subir de uma vez e vamos trabalhar logo.
A
subida foi bem rápida e o latejar na cabeça de Clarisse sumiu como por encanto
ao chegar no terraço.
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