Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Está cheinho
de boas almas com quem conversar hoje, pois a gente do Bem é grande, mas sinto
que hoje devo conversar com a mãe, que tanto viu e tanto soube e tanto sentiu
deste país, desde antes do tempo do Getúlio. Mas acho que a mãe ainda não sabe
o que eu vou contar agora, e por isto é que achei que devia contar.
Trata-se daquele
homem que está só, lá naquele apartamento, acompanhado de um filho e das tantas
e tantas lembranças, o coração rasgado de dor pela segunda vez, vertendo o
sangue vermelho da dor sem consolo, assim como aqui também o meu coração dói,
pois é tão triste, mãe, tão triste...
Sabe, mãe,
tinha sabido dela faz assim como uns dois anos, quem sabe três, e eram notícias
tão lindas! Disseram-me de como ela estava bonita, magérrima, elegante, unhas
bem feitas, estuante de vida, pronta para recomeçar tudo de novo na sua vida
que era sempre um hino de amor e de justiça; aquele coraçãozão que ela tinha no
peito a lhe ruborizar as faces de tanta energia, as mãos estendidas para
ajudar, sempre – gente assim como ela, daquele naipe único, se a gente sabe uma
vez cada dois ou três anos já é um privilégio, enche o coração da gente de
beleza, reacende todas as esperanças... Ai, mãe, não consigo pensar que ela se
foi assim, sufocada pela maldade, ela que só tinha o bom e o belo para espargir
para quem se achegasse... A mãe soube que ela se foi, penso. Talvez vocês duas
já tenham se encontrado por aí aonde estão agora, quem sabe a mãe já disse para
ela da admiração que tinha pela trajetória dela, que a mãe sabia desde lá da
infância dela...
Mas queria
falar, agora, é daquele homem, o marido dela, sozinho com um filho lá naquele
apartamento agora tão vazio, irremediavelmente vazio da alegria e da beleza que
era ela, aquele apartamento tão intensamente cheio das lembranças dela que não
sei como ele sobrevive ao rubro do sangramento do coração partido de dor...
Nunca
pensamos numa coisa assim, né, mãe, nem naqueles maravilhosos momentos quando
ela se torna a vedete da nossa esperança – a gente não podia imaginar... Nunca
se imagina uma coisa assim, e o marido dela também não imaginou e foi pego de
surpresa como toda a gente do Bem, e agora está lá naquele apartamento
sangrando de dor muito mais que eu aqui... Recém soube que ele começa a reagir,
a fazer ginástica de novo, pois ele não se pertence e tem que voltar a se
preparar para a luta imensa que tem pela frente, porque ele é assim, homem de
luta, e ela não esperaria outra coisa dele. Aí onde ela está, agora estrela,
decerto a mãe acompanha como ela manda forças para ele, pois a mãe sempre
acompanhou o que ela fazia... A gente está contando com a força dela somada à
força dele, pois sem ele, o que será de nós, seres já com poucas forças, que
nunca tinham tido a dimensão da tremenda perversidade que tomou conta deste
país, e que só ficou clara naquela Noite dos Horrores, mãe, quando os deputados
votaram para derrubar a presidenta – penso que a mãe há de ter se inteirado
disso.
Então aquele
homem está lá e começa a reagir fazendo ginástica, e ele é o centro da nossa
esperança de sair do lodaçal. Mãe, se der, pergunta a ela como vai ser, pois
ela agora pode ver mais longe e talvez saiba as coisas por antecipação. Eu
tenho tanta pena dele assim sem ela, o coração partido sangrando tanto... Se a
mãe puder dar uma passadinha lá e fazer qualquer coisa por ele, uma oração,
talvez, eu vou ficar um pouco menos triste. Ele precisa de toda a nossa ajuda –
a daqui e a daí – pois a perversidade que tem que enfrentar é tanta, que toda a
ajuda se faz necessária. Como me dói o coração sabe-lo assim, mãe, como dói!
(Dedicado a Lula e à Dona Marisa Letícia)
Enseada de
Brito, SC, 10 de março de 2017.
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