(Para S. R. V. S.)
Dez da manhã de
segunda-feira, e 14 graus Centígrados no Sertão da Enseada de Brito. Baixará
mais oito graus hoje. O céu, de nuvens baixas, está sinistro e ameaçador. Fico
pensando se virá chuva ou virá neve – afinal, faz pouco tempo (3 anos? 4 anos?)
que nevou em Santa Catarina a nível do mar. As montanhas próximas têm os cumes
escondidos pelas nuvens, e meus cachorros e meus gatos, na noite que passou,
comeram muito mais do que o habitual, como se estivessem a fazer reservas de
energia para enfrentar o frio que quase posso ver como vem rolando pelo céu
como quem desenrola um grande tapete.
Se
naquele inverno recente nevou à beira do mar, como terá sido no Monte
Cambirela, que quase faz sombra aqui, nas tardes, e que tem mais de mil metros
de altura? É lindo, esse monte, que é o fim de uma serra com o mesmo nome e em
cujo topo, em profunda caverna, o demônio está preso, segundo a mitologia
Guarani – meus vizinhos, no outro lado cá do morro de traz, são os Guarani e
morro de traz se chama Morro dos Cavalos. Penso, então, em outros tempos, em
outras neves, e em como antigos Guaranis e os antigos Sambaquianos enfrentaram
tais momentos de frio nos últimos 6.000 anos por aqui, pois já faz 6.000 anos
que a última glaciação se foi e chegamos ao que a ciência chama de “ótimo
climático”, que quer dizer que é o clima que temos agora, que nem é tão ótimo
assim, principalmente quando penso nos vizinhos Guarani e suas casas
desprovidas de quase tudo. Por sorte há
lá a Opy, casa sagrada que os protege
e garante a prisão para sempre daquele demônio lá no topo do Monte Cambirela.
Sim,
e lembrar de novo desse morro me leva a outras divagações, e fico a pensar na
separação que houve (ainda não terminou) dos continentes africano e americano,
e dos profundos abalos sísmicos e do tanto vulcanismo que aconteceu, então,
para separar assim essas duas terras que eram uma só. O que é Santa Catarina
hoje fazia parte de uma terra que na África, hoje, se chama Namíbia, e metade
das serras próximas do litoral catarinense estão na Namíbia. Há até pedaços do
deserto do Kalahari, na Namíbia, que hoje são litoral catarinense. Um morro tão
bonito e grande assim aqui na beira do mar decerto tem sua outra parte lá do
outro lado do oceano – como não pensara nisto antes?
E então, quando imagino o
ribombar atroador de todo aquele vulcanismo e terremotos do tempo da separação,
dou-me conta que os seis graus de temperatura que haverá hoje à noite é coisa
pouca quando se está numa casa bem protegida, com cachorros e gatos dormindo ao
redor da gente.
Visto-me de verde com
quentes casacos e uso no cabelo uma flor de seda que ganhei de presente de uma
princesinha encantada que às vezes aparece. A chuva já começou e a vida segue.
Sertão da Enseada de
Brito, SC, 17 de julho de 2017.
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