terça-feira, 1 de agosto de 2017

FRIO PERTO DO MONTE CAMBIRELA

Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

        (Para S. R. V. S.)

Dez da manhã de segunda-feira, e 14 graus Centígrados no Sertão da Enseada de Brito. Baixará mais oito graus hoje. O céu, de nuvens baixas, está sinistro e ameaçador. Fico pensando se virá chuva ou virá neve – afinal, faz pouco tempo (3 anos? 4 anos?) que nevou em Santa Catarina a nível do mar. As montanhas próximas têm os cumes escondidos pelas nuvens, e meus cachorros e meus gatos, na noite que passou, comeram muito mais do que o habitual, como se estivessem a fazer reservas de energia para enfrentar o frio que quase posso ver como vem rolando pelo céu como quem desenrola um grande tapete.
                                    Se naquele inverno recente nevou à beira do mar, como terá sido no Monte Cambirela, que quase faz sombra aqui, nas tardes, e que tem mais de mil metros de altura? É lindo, esse monte, que é o fim de uma serra com o mesmo nome e em cujo topo, em profunda caverna, o demônio está preso, segundo a mitologia Guarani – meus vizinhos, no outro lado cá do morro de traz, são os Guarani e morro de traz se chama Morro dos Cavalos. Penso, então, em outros tempos, em outras neves, e em como antigos Guaranis e os antigos Sambaquianos enfrentaram tais momentos de frio nos últimos 6.000 anos por aqui, pois já faz 6.000 anos que a última glaciação se foi e chegamos ao que a ciência chama de “ótimo climático”, que quer dizer que é o clima que temos agora, que nem é tão ótimo assim, principalmente quando penso nos vizinhos Guarani e suas casas desprovidas de quase tudo.  Por sorte há lá a Opy, casa sagrada que os protege e garante a prisão para sempre daquele demônio lá no topo do Monte Cambirela.
                                    Sim, e lembrar de novo desse morro me leva a outras divagações, e fico a pensar na separação que houve (ainda não terminou) dos continentes africano e americano, e dos profundos abalos sísmicos e do tanto vulcanismo que aconteceu, então, para separar assim essas duas terras que eram uma só. O que é Santa Catarina hoje fazia parte de uma terra que na África, hoje, se chama Namíbia, e metade das serras próximas do litoral catarinense estão na Namíbia. Há até pedaços do deserto do Kalahari, na Namíbia, que hoje são litoral catarinense. Um morro tão bonito e grande assim aqui na beira do mar decerto tem sua outra parte lá do outro lado do oceano – como não pensara nisto antes?
E então, quando imagino o ribombar atroador de todo aquele vulcanismo e terremotos do tempo da separação, dou-me conta que os seis graus de temperatura que haverá hoje à noite é coisa pouca quando se está numa casa bem protegida, com cachorros e gatos dormindo ao redor da gente.
Visto-me de verde com quentes casacos e uso no cabelo uma flor de seda que ganhei de presente de uma princesinha encantada que às vezes aparece. A chuva já começou e a vida segue.

                        Sertão da Enseada de Brito, SC, 17 de julho de 2017.


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