Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Numa manhã de março de 1956, eu
acordei com o meu mundo virado de cabeça para baixo. Até aquele dia, eu não
observara nada diferente na minha mãe, mas naquela manhã ela me pareceu enorme
dentro do seu vestido de seda preta, estampada de ramalhetes de flores
coloridas. Lembro que fazia sol, e, decerto, também fazia calor, mas isso me
passou despercebido, diante das coisas estranhas que estavam acontecendo.
Esperava-se um táxi para levá-la ao hospital, onde a ‘cegonha’ iria lhe
entregar uma criança. Até acordar, eu não sabia nada a respeito daquilo, e
acordar com todo aquele alvoroço em casa e observar que minha mãe parecia ter
inflado foi bastante chocante.
O táxi (que a gente chamava de
‘carro de praça’) chegou e levou minha mãe; ficamos, eu e minha irmã mais
velha, na vizinha Dona Cecília, aguardando que meu pai voltasse. Eu me
encantava com a casa da Dona Cecília, que tinha sótão e um oratório de Nossa
Senhora lá em cima, mas naquele dia não parecia tão interessante assim ficar à
janela do sótão esperando meu pai, depois de toda aquela confusão na minha
vida.
Meu pai voltou, afinal. Minha irmã
iria ficar na casa da Dona Cecília até minha mãe voltar do hospital, mas eu fui
na garupa da bicicleta do meu pai até o serviço dele – mais tarde ele me
levaria para a casa da minha madrinha.
Não lembro dos meus sentimentos
naquelas horas, mas decerto que eram péssimos, pois, no serviço do meu pai,
pus-me a chorar inconsolavelmente. Meu pai trabalhava num clube chique de
Blumenau, com muitos espaços e jardins, e lá também estavam duas meninas que
eram filhas ou netas, não sei, do ecônomo do clube. Eram meninas maiores que
eu, deviam ter já uns dez anos, e, enquanto meu pai trabalhava, elas me levaram
para passear e tentaram me consolar. Entre outras coisas, me perguntaram se eu
havia botado açúcar na janela, para que a cegonha o comesse e trouxesse um bebê
bem bonito para nós. Eu nunca havia ouvido falar naquilo, e saber que havia
deixado de cumprir um dever tão importante para com a cegonha me deixou
apavorada. Chorei tanto, mas tanto, então, de medo que a ‘cegonha’ não
trouxesse o bebê porque eu não havia pensando no açúcar, que as meninas não
tiveram outro jeito: foram comigo até a cozinha do clube, encheram uma pesada
xícara com açúcar e a colocaram na janela de lá. Aquilo me consolou um pouco,
mas ficou uma dúvida: será que a cegonha saberia que aquele açúcar ali tinha a
ver com o bebê que deveria ir para a minha casa? Era uma pergunta muito séria,
e a angústia permaneceu. Afinal, fazia poucos dias que eu completara quatro
anos.
Hoje as coisas estão bem mais
fáceis para as crianças que estão à espera de irmãozinhos. Estou acompanhando o
caso da minha amiga Sônia e seu filhinho Bruno. Desde que Bruno tinha dois
anos, que a mãe começou a chamar sua atenção para as barrigas das mulheres
grávidas, explicando-lhe que ali havia um bebê.
Bruno nunca ouvir falar em cegonha; sempre soube como os bebês vinham
para este mundo. Bruno, agora, tem cinco anos, e sua mãe espera um novo bebê.
Sem problemas, sem traumas, ele está curtindo a gravidez da mãe e a espera do
irmãozinho com toda a serenidade. Nunca irá acordar, numa manhã, com a vida de cabeça para baixo porque a mãe irá para um lugar
desconhecido, onde a ‘cegonha’ lhe entregará um bebê, que só será bonito se ele
colocar açúcar na janela. Nunca sofrerá a angústia e o medo de não ter cumprido
com uma obrigação para com a cegonha. Saberá o tempo todo que um irmãozinho irá
chegar, e acompanhará seu desenvolvimento através das fotos que se obtém quando
as mães fazem a ultrassonografia. Em suma, a chegada de um novo bebê causará a
Bruno, no máximo, um pouco de ciúmes por ter ele perdido o colo.
Acho que as crianças têm menos
problemas, hoje. Eu gosto das fantasias e das lendas, mas vivi na pele a
angústia de não saber que tinha que colocar açúcar na janela para a cegonha nos
trazer um bebê bonito. Foi um susto descobrir, de repente, que minha mãe tinha
ficado enorme e que iria nos deixar por alguns dias, coisa que nunca
acontecera. É mais fácil para uma criança esperar um bebê junto com a mãe, e
não levar os sustos que vivi um dia.
E, só para completar, esclareço que
a falta de açúcar para a cegonha não chegou a causar problemas: veio para nós,
naquela ocasião, minha irmã Margaret, toda bonitinha, sem nenhum problema por
conta da falta de açúcar na janela!
Blumenau,SC, 10 de novembro de 1996.
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