Por Samuel
da Costa (Itajaí, SC)
‘’Hoje eu largaria tudo
Para ouvir o seu
coração,
Te sentir bem perto de
mim.
Eu estou sentindo
O meu coração
apaixonado,
Intenso como um menino
Amando pela primeira
vez. ’'
Clarisse da Costa
Que grata surpresa, foi Madalena, como ela se comportou, uma grande e grata
surpresa, muito bem guardada e resguardada sabe-se lá onde e como. E que ritmo,
ora selvagem, ora suave e ora como um vulcão, em erupção e ora como um eflúvio,
de rosas frescas matinais.
Madalena conduziu tudo, como uma maestrina experiente, diante de uma
filarmônica inteira, de uma só pessoa. E foi assim, que Lenny pensou, entre o
sono abissal e o despertar abrupto, na alvorada rubra, do raiar de um novo dia.
E a visão da outrora Madalena servil, simplesmente desvaneceu por completo,
desapareceu na calada da noite e com o alvor de um novo dia.
Lenny, a fotógrafa de profissão, estava muito angustiada e pensou nas vantagens
e nas desvantagens de acordar e vê-la deitada ao lado. Lenny, por fim, venceu o
sono profundo, os muitos pensamentos atrozes e levou a mão ao lado, e ela não
estava mais lá. Um alívio, imediato e uma tristeza profunda, sentimentos que se
misturavam e se completavam. O inconfundível olor, de café fresco, vindo da
cozinha, dava a pista de onde Madalena estava. E Lenny, soube que ela estava
onde deveria estar, estava preparando o café da manhã, das duas, como sempre
fazia pela manhã. Era Madalena dando as cartas como sempre, pensou a fotógrafa
e algo mudou dentro dela.
A fotógrafa se recompôs, pois ela é uma profissional, ela se comportou naquela
hora. Deitada na cama, Lenny repassou friamente, o que tinha ocorrido de fato,
no dia anterior. E Lenny, se lembrou da intensa sessão de fotografias do dia
anterior, como tudo ocorreu de forma sincronizada, igual a um relógio. As duas
belas modelos plus size negras, estavam perfeitas, a produção e direção de
Madalena, estavam mais que perfeitas. Madalena, ajustava as lingeries e os
quimonos, aos corpos das modelos, que foram usadas, ajustava as luzes do
ambiente. Madalena, conduzia as modelos, com graças e delicadezas, abria e
fechava as janelas, apagando e acendendo as luzes, dos abajures e dos cômodos.
Madalena, arrumava os cabelos, fazia e refazia as maquiagens, movia e retirava,
pequenos objetos, móveis e arranjos de flores e dava direção nas poses. Usava a
velha e eficiente polaroide, na pré-produção das fotografias, ajustava os
tripés e interagia de forma natural, com as duas modelos. Para Lenny, ficou
somente o encargo de escolher, qual o cômodo da casa iriam ocorrer as
fotografias, escolher as analógicas máquinas fotográficas e por fim, dar os
cliques. As palavras, a serem usadas, para definir a secção de fotografias, não
poderiam ser outra, senão: perfeição, total sincronia, liberdade, elegância,
sedução, feminilidade e pura emoção negra.
E depois da sessão de fotografias, garrafas de vinhos tintos foram abertas,
taças de cristal ao alto e os bramidos evoés, saudações para Baco e Dionísio,
charutos e cigarros mentolados, foram degustados. E depois? O que houve?
Deitada na cama extasiada, Lenny não se recordava ao certo, do que havia
ocorrido. E a fotógrafa de profissão, teve que ir até o palácio das memórias,
para pinçar as imagens perdidas.
E Lenny, acessou as imagens difusas e as falas melodiosas. Madalena, deu um
beijo lascivo em uma das modelos, Cacilda a irmã mais velha, e a mais sombria.
E depois beijou, de forma suave, os lábios carnudos da outra modelo, Camilla a
irmã mais nova, a flor do dia. As duas modelos, ainda usam as suas
sensualíssimas lingeries, pés descalços e mais nada.
E Lenny, teve que encontrar, em outro recanto mais profundo, mais escuro,
mais obscuro, do seu palácio das memórias, para completar o que faltava na
cena. Foram trocas de números de telefones pessoais, entre Madalena e as
duas modelos, e as duas se despedindo na porta da frente do solar, no alvor, na
alvorada rubra, na tardinha. Lenny, tentou e tentou novamente, recordar o que
as três falavam, mas os lábios sedutores se moviam e as falas se perdiam no ar,
no tempo e no espaço. Era uma língua estranha, notou Lenny, quase alienígena.
E uma ponta de ciúmes, brotou em Lenny, na hora dos beijos, ao recordar as
cenas, no término da sessão de fotografias. E sem pedir licença, a imagem da
servil Madalena desaparecia por completo e surgia uma outra mulher, sedutora e
dona de si. Uma Madalena desafiadora, dona do seu próprio corpo, da sua
sexualidade e identidade de mulher plena.
Deitada na cama e completamente nua, Lenny tinha que
pensar o que fazer com Madalena, e relutou, mas era bem simples, a dispensa da
assistente de produção seria inevitável. Madalena, aprendeu tudo que tinha que
aprender com Lenny, agora era hora dela, a dedicada assistente de produção,
procurar seu próprio caminho. Era um fato, um fato consumado há se resolver ao
final do dia, e outro assunto surgiu, quem é de fato Madalena? Uma pergunta que
nascia, crescia e morria, na consciência intranquila de Lenny, como um segredo
bem guardado, um segredo que ora a envolvia, ora se afastava dela.
Outro fato estranho que veio, sem aviso algum, na mente
confusa de Lenny, naquele momento de digressão interna. O inusitado, fato
ocorrido uma pouco antes da sessão de fotografias, era um drone, um sofisticado
drone de vigilância e tático a nível militar. O sofisticado aparelho militar,
simplesmente caiu do alto, e foi parar no meio do jardim decrépito, do solar
dos Blumenthau. O jardineiro, que iria trabalhar na recuperação do jardim,
devastado pelo tempo e pelas intempéries do clima. O trabalhador, que foi fazer
um levantamento do que o decadente vergel precisaria, o homem simples veio
muito apavorado ter com Madalena, para relatar o fato ocorrido inusitado. E
Madalena estupefata, veio ter com Lenny, dizer que um estranho aparelho, estava
no meio do jardim, uma peça negra de uns setenta centímetros, com quatros
hélices laterais.
Lenny, foi ver o tal do aparelho e chegando ao jardim logo a fotógrafa notou o
drone de vigilância e tático, uma peça bélica, um instrumento militar, notou
Lenny, assim que colocou os olhos na peça. A fotógrafa, notou as quatro câmeras
multifocais de alta definição, na parte de baixo do drone e não se atreveu em
pedir para o jardineiro levantar a peça militar, para ver se havia ou não uma
arma, acoplada embaixo do aparelho bélico. Lenny reconheceu a peça bélica, pois
tinha feito um curso rápido de fotografia, feitas por drones e por ser uma arma
tática, o fato fez gelar o âmago da fotógrafa.
Lenny, logo deduziu, que a sofisticada máquina bélica, deveria ter
simplesmente dado uma pane e caído, não de muito alto, pois a peça não estava
danificada. O aparelho militar, por lá ficou, no jardim o dia inteiro e a
fotógrafa, logo anteviu militares fortemente armados, na verdade a inteligência
militar, ou de alguma agência do serviço secreto, invadindo a sua residência.
Agentes do aparato de segurança, eles fortemente armados, interditando o solar
dos Blumenthau, fazendo mil perguntas. E por fim, todos os envolvidos,
assinando termos de sigilo, de silêncios absolutos. Nada disso aconteceu e o
que fazer com o aparato militar, ficaria para outro um momento, pelo menos
naquele dia.
Lenny, ainda no conforto do leito, voltou à realidade em que vivia, ela sentiu
o cheiro de café fresco passado, café que Madalena colheu no jardim do solar e
moeu na cozinha no dia anterior. O moedor manual de café, muito antigo, um
presente da mãe de Lenny, enviado do vale europeu, assim como o leite colonial
que estava fervendo na leiteira.
No ar, tinha o eflúvio sutil, de queijo Emmental derretido outro presente, mas
do pai de Lenny. E também chegou um vislumbre da imagem, da agora da delicada
Madalena, se movendo, graciosamente, com seus pés pequenos de bailarina
chinesa. Ela se movendo, de um lado para outro, da ampla cozinha da casa da
fotógrafa, como se fosse um lento bailado, de um teatro asiático.
E veio a pergunta na mente de Lenny: Como a misteriosa Madalena chegou e
aportou na vida dela, de Lenny? Uma resposta bem simples, foi uma indicação da
secretária pessoal de Otto Blumenthau, o pai de Lenny, o influente político, o
empresário de sucesso e o filantropo reconhecido. Uma sobrinha, vindo do
recôndito mais afastado do interior, disse a discreta e eficiente secretária do
pai de Lenny. Disse ela, entre um cafezinho e outro, em uma perdida tarde, no
suntuoso e funcional escritório político de Otto Blumenthau.
Lenny foi ver o pai, que vinha da capital e estava ocupado como sempre, dando
expediente. Foi quando Lenny confidenciou para a jovem senhora, que trabalhava
havia anos, com o pai da fotógrafa. A fotógrafa profissional, disse para a
assistente do pai, que precisava de um assistente pessoal e de produção, para
fazer pequenas tarefas diárias, do estúdio e da casa. Logo Lenny, deduzido, na
distância segura, no tempo e no espaço, sempre era ele, o pai de Lenny, sempre
o velho político habilidoso, sutil. Ele que se esgueirava pelas frestas e
caminhava através das negras sombras e controlando tudo e a todos, até onde as
mãos dele alcançavam. Madalena era uma indicação de Otto Blumenthau.
Mas era hora de se levantar, sair da letargia matinal, do conforto da cama, com
seus lençóis de linho, de linha egípcia e travesseiros de penas de gansos.
Passou da hora de ter com Madalena uma boa, longa e definitiva conversa. E
de repente veio, sem aviso, o som estridente do processador de alimentos, que
inundou o ambiente onde Lenny estava. E ela pensou estar ouvindo agudos sons de
finos cristais, sendo triturados ferozmente. E a fotógrafa de profissão, fez
outro balanço e resolveu o que faria, ao final do dia, à tardinha teria a tal
conversa, com a assistente de produção.
A fotógrafa, se ergueu da cama e se dirigiu, como estava até a cozinha e ela
teve a visão de Madalena, terminando de preparar o café matinal. Ela estava
linda, sorridente, vestia um delicado quimono vermelho e estava colocando os
aparelhos do café na mesa. A mesa estava preparada para duas pessoas e Madalena
olhou para Lenny e sorriu. Era um sorriso que desmontou a fotógrafa por
completo e também foi um prelúdio que uma coisa muito grave e ruim estava por
vir. O sorriso ebúrneo de Madalena a denunciava.
Fragmento do livro: Em
perpétuos ciclos, por Samuel da Costa, novelista, poeta e contista em
Itajaí, Santa Catarina.
Argumento de Clarisse Cristal,
bibliotecária, contista, novelista e poetisa em Balneário Camboriú, Santa
Catarina.