Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
Em noites de
tempestade!
E
ventos álgidos...
Eu
vagueio solitária...
E
languidamente!
Pelo
mítico vergel da solidão...
Choro
e sofro!
Todas
as dores do mundo!
Pelo
amor que se foi,
Por
tudo aquilo que não veio...
E por
tudo aquilo que nunca virá.
Começo este relato, não como uma justificativa dos meus atos, nem querendo me
humanizar, diante de olhares alheios. Simplesmente eu peguei uma caneta e papel
e recomecei este diário, um tanto abandonado. Recorro a este hábito analógico,
não porque eu sou avessa a atual avalanche tecnológica digital, em que vivo.
Recorro a este expediente, um tanto démodé, porque quero me voltar a mim mesma
e mais ninguém.
Eu deixei um emprego público, onde eu trabalhava em uma pequena repartição
pública colegiada, em uma pequena cidade. Fica na minha memória, um horrível
uniforme laranja berrante e uns colegas que, no mínimo, posso dizer que eram
estranhos à minha pessoa. Mas, eu não quero aqui, me ater a essa passagem em
específico, e sim no passo que dei, que me levou para onde estou agora. Pois
este meu primeiro passo na máquina pública, me levou ao segundo passo, um bom
passo à frente.
Por agora, eu ocupo um cargo de assessora parlamentar, no segundo escalão, eu
devidamente concursada, da presidência de um parlamento local, de uma das
maiores cidades do estado, em que vivo atualmente. E são quase cem quilômetros
de distância, da cidade em que moro. Entre idas e vindas, em compromissos
profissionais, pessoais e familiares, entre uma cidade e outra. Eu ainda fui
frequentar uma faculdade, em uma terceira cidade, na capital do meu estado. E
eu entrei em uma rotina, bem acelerada a bem da verdade, rotina que adorei
posso dizer.
E
com o tempo, que corre como se tivesse asas nos pés, eu percebi que a simples
troca de uma burocracia fiscalizadora do executivo local, para uma burocracia
parlamentar, não foi assim um grande passo à frente. Só troquei de um uniforme
funcional, para um uniforme formal, só troquei uma burocracia litorânea
enviesada, para uma burocracia teuta, tudo isto em cidades de interior.
Entre idas e vindas da rígida burocracia parlamentar, as saídas com os meus
colegas de trabalho, em choperias e bares, a oportunidade de fazer um curso de
teatro amador, uma luz se acendeu. E eu tinha começado o meu enlace, com Yendel,
que conheci no trabalho, outra luz se acendeu. Yendel, foi assim que o
renomeei, ele riu do codinome que lhe dei e, riu mais ainda, depois que eu
disse, que eu não gostava do nome dele, nome de pessoa velha, que lhe deram ao
nascer.
E
assim como as tênues luzes se acenderam, logo se apagaram e veio as escuridões,
pois tudo mudou em um instante apenas, quando eu estava sentado em meio ao
público. Eu estava na minha função, tomando notas, do que ocorria no
parlatório. Um homem desconhecido e bem alinhado, uma pessoa, que eu nunca
tinha visto na vida, ele apareceu do nada vindo de lugar algum. Era um homem
alto, loiro, corpulento e olhos claros faiscantes, de terno feito sob medida.
Sem nada dizer tocou o meu ombro, olhou para cima e ele me entregou um convite,
para mim era um convite pelo menos. Um papel dobrado, amarelado, envelhecido
que exalava a morte, escuridão e loucura.
Era um convite de fato, vi quando eu abri, vi o emblema amarelo ornando o
papel, o convite com horário, data e local e estava assinado assim: De Cassilda
e Camilla. Sai do meu corpo, eu não fazia isso sempre, pelo menos e nunca em
público. Flanei a poucos metros acima, eu pude observar o homem estranho, que
estacionado a poucos centímetros de mim, uma aura amarela pútrida e, eu pude
sentir no meu âmago, os eflúvios de mortes, loucuras, fundas vermelhidões e
muitas perversidades, que emanava daquele ser estranho. Possivelmente um
habitante de Carcosa.
Voltei para o meu corpo, e olhei para cima e o sujeito tinha desaparecido,
fechei os olhos e procurei a criatura e não encontrei em lugar algum. Fui
trazida para a realidade de forma abrupta, era o ponto no meu ouvido, era a
minha chefe, dizendo que eu estava dispensada do trabalho naquela noite. Eu
deveria voltar para casa e só voltar no que seria dois dias depois. Estranho?
Muito para aquele ambiente cheio de formalidades!
E mais ainda quando olhei com mais atenção, para o convite nas minhas mãos, o
sigilo amarelo falava comigo, ou parecia falar. Então eu estava livre para ir
até o endereço do convite? Um alerta gritou dentro de mim, um enorme não vá!
Mas no ambiente, onde eu estava naquela altura, eu aprendi a duras penas, a não
questionar ordens vindas dos andares superiores. E o mais estranho de tudo, que
era na cidade onde eu vivia e o local do encontro, um lugar que nunca
frequentei, mas conhecia bem a má fama do ambiente. Claro que eu sabia quem
eram Cassilda e Camilla e o que significava o emblema amarelo. O que eu não
sabia era que, de fato, elas queriam ter comigo. Eu estava mais que tranquila,
no meu exílio voluntário, no mundo em vigília.
Já no dia seguinte eu me preparei para o encontro com as duas míticas negras
ninfas da noite. O encontro se deu no mal-fadado Hell-fire Club, lugar infame
na minha cidade, como era a noite somente das mulheres, deixava as coisas mais
fáceis, para mim pelo menos.
Chegando no lugar, no hall de
entrada eu vi muitas mulheres de topless, andavam de cima para baixo,
carregando bandejas atulhadas de bebidas variadas e várias marcas de cigarros.
Eram mulheres lindas, de negros cabelos curtos, pequenas e eram todas iguais,
iguais demais para a minha opinião. Afinal era a noite das meninas e eu
esperava outra coisa. Revi o cenário, diante de mim e pude notar que não era
bem assim, pois quase todas as garçonetes, para além de sandálias romanas
pretas, micro shorts, pequenos seios à mostra. E notei, que algumas delas,
usavam delicados e sofisticados diademas amarelos, ornando as cabeças.
Como era a noite somente das
mulheres, no Hell-fire Club, em uma happy hour animada, eram mulheres de todas
as idades e etnias, bem-posicionadas e estavam usando roupas casuais de
trabalho. Algumas das mulheres, estavam usando esplendorosos diademas amarelos,
para o meu espanto, aquelas peças reluzentes de ouro branco e incrustadas de
joias raras, de novo o sigilo amarelo estava em todas as peças.
E assim que entrei e passei pelo hall de entrada, eu estranhei que não havia
seguranças e ninguém me pediu o convite, como emblema amarelo. Ao mergulhar em
meio a escuridão do ambiente, percebi ao fundo estava Madalena Assumi. Ela,
indo até um suntuoso piano de cauda, um Cristal Heintzman, a famosa pianista e
performance, estava usava o famoso uniforme de hussardo e ostentava o seu
inconfundível diadema amarelo, no alto da cabeça. As luzes se acenderam e a
pianista então se curvou para a audiência, que a retribuiu com vivas a aplausos
esfuziantes. A diva Madalena, assumiu o seu lugar ao piano, logo nos primeiros
rápidos dedilhados nas teclas, reconheci a música Uma canção para Cassilda.
Como a música era executada alta demais, eu baixei a música ao mínimo possível.
Fechei os olhos e encontrei rainha Cassilda e a princesa Camilla, elas sentadas
na terceira mesa, no lado esquerdo da pista de dança, longe do pequeno palco.
Então reuni todas as minhas forças e fui ao encontro as duas afras do Lago
Hali.
Fragmento do livro: Sustentada
no ar por asas fracas, de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e
bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.
Argumento de Samuel da Costa,
poeta, contista e novelista em Itajaí, Santa Catarina.
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