sábado, 1 de fevereiro de 2025

Opera mundi: The black flowers of the desert

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

‘’Retoquei a minha vida

Achei forças e alicerces

Em lugares que eu não conhecia

Fiz que o amor brilhasse

Restaurando as nossas inocências

Impulsionando o nosso puro amor’’

Patrícia Raphael

           

Elas chegaram na hora marca, muito bem trajadas, andavam sem pressa alguma, com elegâncias despretensiosas, com pretensões de quem quer e vai, conquistar o mundo. As duas modelos sorriam, uma era a felicidade plena e a outra um sorriso, um pouco forçado de uma pessoa insegura. Elas, segurando as suas respectivas bolsas de grife e trajando as suas vestes diáfanas e leves, de tons primaveris e florais, naquele começo de uma manhã de sol outonal ameno.

            Postada na janela, Lenny, a fotógrafa celebrada, confirmou as impressões que teve, quando vi as fotografias delas. Uma era uma funcionária pública de carreira, e talvez já tenha feito alguns audiovisuais, fotografias publicitárias, alguma passagem em alguma propaganda de TV ou rádio, ou mesmo, alguma peça de teatro amador. Lenny calculou, vendo os sapatos, que ela usava, o cabelo alisado e platinado, os acessórios elegantes, a maquiagem sóbria e o contido de sorriso em uma alegria contida. Já a outra, de um sorriso espontâneo, um ser que brilhava, sem muitos esforços, uma cabeleireira, de um estúdio de beleza sofisticado, talvez uma massagista de um spa, bem frequentado, ou mesmo uma cosmetóloga formada. O reluzente cabelo negro, o leve brilho, na sedosa pele morena, os sapatos confortáveis e os assessórios multicores.

Indo para além do briefing, que o pai de Lenny, Otto Von Blumenthau o tinha passado, em uma análise fria de Lenny ao olhar as fotografias. A fotografa de profissão, calculou que Camilla, a irmã mais nova, era uma brisa primaveril, em um dia de sol sem nuvens. A outra, Cacilda, a irmã mais velha, sóbria e contida, emanando a negra dor, a pura negra emoção. A imagética Lenny, que raramente errava, nas suas análises frias, não estava errada.

As duas irmãs unidas, para além dos laços de sangue, pelos laços da etnia, ou mesmo, por compartilhar o mesmo tecido social. Em uma tessitura astral, elas eram, irmãs de almas, almas velhas para ser sincero, mesmo ambas, seguindo caminhos profissionais, bem diferentes e enfrentando as suas respectivas realidades, de formas diferentes. Um grande desafio para Lenny, era ressaltar a irmandade das duas modelos, sem que cada uma não perca a sua personalidade própria. Lenny, olhou para Madalena, a assistente de produção, que estava a poucos centímetros atrás dela e com um olhar mandou a assistente de produção, receber as duas novas clientes.   

            Nem apertaram a companhia do solar dos Blumenthau, a porta abriu sozinha e poucos segundos depois, Madalena aparece para recebê-las com um sorriso no rosto.

            — Bem-vindas senhoritas! — O sorriso forçado e servil de Madalena, constrangido as duas jovens mulheres. 

            — Madalena! Chega de bobagens, entrem meninas e vamos começar a trabalhar! — Falou Lenny, que estava atrás da assistente de produção.

            — Sim madame! — Respondeu Madalena de forma servil.

As duas mulheres trocaram olhares e um sorriso natural brotou nos lábios das duas! Madalena, as conduz pela ampla sala de estar sido parar em uma ampla sala de reunião!

— Então Miladys! Como conheceram, o ordinário, do meu pai? — Disse Lenny de chofre, ela segura um cigarro na mão esquerda e está encostada em uma coluna lateral da sala. 

— Que pergunta mais indiscreta! — Disse Cacilda, de forma seca!

— Provavelmente a filhota do Otto, pensa que o querido papaizinho dela, se diverte as escondidas, na senzala, na calada da noite. — Disse Camilla, sorrindo alto e Lenny a acompanhou. Cacilda e Madalena, hirtas, se entreolham em seus respectivos constrangimentos.

— Chega de bobagens, somos mulheres adultas, temos hora marcada e a senhorita recebe os nossos briefings! — Falou Cacilda impávida, demarcando seu território. Como quem crava, bem fundo no chão, uma bandeira.

A fotógrafa deu uns poucos passos, vai até a mesa da sala de reuniões e levanta as duas pastas com os dois briefings.

— Esqueçam estes briefings meninas! Isto aqui, foi escrito por burocratas, homens brancos privilegiados, este povo não entende de nada, além de dados, números e estatísticas. — Lenny recuou e foi até uma lata de lixo de aço inox e jogou com força os dois documentos na lixeira e continuou — Sabem o que é pior que um publicitário e um marqueteiro? Vários publicitários e marqueteiros juntos, que trabalham para políticos ordinários. 

— Gostei de tu mulher! — Disse Camilla e sorriso brotou nos lábios da cosmetóloga de profissão.

— Madalena! Faça-me o favor, de nunca mais me chamar de madame e leve as meninas, para o vestíbulo! — Disse Lenny olhando profundamente para a assistente e voltou para as duas irmãs. — Geralmente converso bastante, com quem pretendo fotografar e eu mesmo separo as peças de roupas, que vou usar nas secções. Mas, vão e escolham as peças, que querem e desejam usar para a secção fotográfica, minhas queridas amigas. Hoje, amigas, vamos ousar, hoje é dia de ousadia. E depois um grande Evoé!

Madalena conduziu as duas modelos, cruzaram a sala de reuniões e adentram em um vestíbulo, uma ampla suíte, convertida em um vestíbulo e a negras luminárias Bauhaus, pendendo no teto, dando are modernista ao cômodo. As muitas araras inox e os enormes guarda-roupas, sem portas e as diversidades das peças de roupas, encheram os olhos das irmãs. As duas mulheres, partiram para as escolhas do vestuário, se comportaram como se fossem adolescentes, fazendo compras, em uma loja de departamento, em um shopping.

Depois do vislumbre momentâneo, as irmãs, escolhem as peças íntimas, sem pressa alguma, e em puro êxtase, entre risos contidos e risadas bramidas, encostam as peças íntimas, por cima das roupas. Acompanhadas por Madalena, elas foram até um expositor de calçados e escolheram os sapatos, salto altos, sandálias e sapatilhas eróticas, ficam descalças e experimentam os calçados.

            Madalena, deixou as irmãs experimentando os calçados e se aproximou de Lenny, as duas profissionais da fotografia, apreciaram a cena inusitada, em uma distância segura. Viam as duas irmãs, se divertem no vestíbulo, com uma ampla variedade de peças e sapatos à disposição. Ambas sabiam que o dia prometia e pôr fim Lenny, olha para Madalena de forma abissal.

— Madalena, me diga uma coisa, tu és uma mulher trans? — Perguntou Lenny, para a assistente de produção.

— Madame? Que pergunta indiscreta! — Respondeu Madalena olhando para o chão.

— És? — Insistiu a fotógrafa.  

— Claro que não! Sou uma mulher…

— E que eu não quero surpresas, quando eu for tirar as tuas roupas e te jogar na minha cama! — Enfática, disse Lenny, levando a mão, ao queixo de Madalena, forçando a assistente a olhar para ela.

Madalena corou, não sabia o que dizer, pois nunca pensou de fato em ter algo real com a chefe!

— E se fosse? Uma mulher trans? Faria alguma diferença? — Perguntou Madalena de forma bem tranquila.  

— Não mesmo! Na verdade, só um pouquinho! — Respondeu a Lenny, com um brilho lascivo nos olhos negros profundos.

E o dia rendeu, a sessão de fotografia, durou o dia inteiro e adentrou o começo da noite. Terminando em saudações a Baco e Dionísio.

 

Fragmento do livro: Em perpétuos ciclos, por Samuel da Costa, novelista, poeta e contista em Itajaí, Santa Catarina.

Argumento de Clarisse Cristal, bibliotecária, contista, novelista e poetisa em Balneário Camboriú, Santa Catarina. 

 

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