Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
‘’Retoquei a minha vida
Achei forças e
alicerces
Em lugares que eu não
conhecia
Fiz que o amor
brilhasse
Restaurando as nossas
inocências
Impulsionando o nosso
puro amor’’
Patrícia Raphael
Elas chegaram na hora marca,
muito bem trajadas, andavam sem pressa alguma, com elegâncias despretensiosas,
com pretensões de quem quer e vai, conquistar o mundo. As duas modelos sorriam,
uma era a felicidade plena e a outra um sorriso, um pouco forçado de uma pessoa
insegura. Elas, segurando as suas respectivas bolsas de grife e trajando as
suas vestes diáfanas e leves, de tons primaveris e florais, naquele começo de
uma manhã de sol outonal ameno.
Postada na janela, Lenny, a fotógrafa celebrada, confirmou as impressões que
teve, quando vi as fotografias delas. Uma era uma funcionária pública de
carreira, e talvez já tenha feito alguns audiovisuais, fotografias
publicitárias, alguma passagem em alguma propaganda de TV ou rádio, ou mesmo,
alguma peça de teatro amador. Lenny calculou, vendo os sapatos, que ela usava,
o cabelo alisado e platinado, os acessórios elegantes, a maquiagem sóbria e o
contido de sorriso em uma alegria contida. Já a outra, de um sorriso
espontâneo, um ser que brilhava, sem muitos esforços, uma cabeleireira, de um
estúdio de beleza sofisticado, talvez uma massagista de um spa, bem
frequentado, ou mesmo uma cosmetóloga formada. O reluzente cabelo negro, o leve
brilho, na sedosa pele morena, os sapatos confortáveis e os assessórios
multicores.
Indo para além do briefing,
que o pai de Lenny, Otto Von Blumenthau o tinha passado, em uma
análise fria de Lenny ao olhar as fotografias. A fotografa de profissão,
calculou que Camilla, a irmã mais nova, era uma brisa primaveril, em um dia de
sol sem nuvens. A outra, Cacilda, a irmã mais velha, sóbria e contida, emanando
a negra dor, a pura negra emoção. A imagética Lenny, que raramente errava, nas
suas análises frias, não estava errada.
As duas irmãs unidas, para
além dos laços de sangue, pelos laços da etnia, ou mesmo, por compartilhar o
mesmo tecido social. Em uma tessitura astral, elas eram, irmãs de almas, almas
velhas para ser sincero, mesmo ambas, seguindo caminhos profissionais, bem
diferentes e enfrentando as suas respectivas realidades, de formas diferentes.
Um grande desafio para Lenny, era ressaltar a irmandade das duas modelos, sem
que cada uma não perca a sua personalidade própria. Lenny, olhou para Madalena,
a assistente de produção, que estava a poucos centímetros atrás dela e com um
olhar mandou a assistente de produção, receber as duas novas
clientes.
Nem apertaram a companhia do solar dos Blumenthau, a porta abriu sozinha e
poucos segundos depois, Madalena aparece para recebê-las com um sorriso no
rosto.
— Bem-vindas senhoritas! — O sorriso forçado e servil de Madalena, constrangido
as duas jovens mulheres.
— Madalena! Chega de bobagens, entrem meninas e vamos começar a trabalhar! —
Falou Lenny, que estava atrás da assistente de produção.
—
Sim madame! — Respondeu Madalena de forma servil.
As duas mulheres trocaram
olhares e um sorriso natural brotou nos lábios das duas! Madalena, as conduz
pela ampla sala de estar sido parar em uma ampla sala de reunião!
— Então Miladys! Como
conheceram, o ordinário, do meu pai? — Disse Lenny de chofre, ela segura um
cigarro na mão esquerda e está encostada em uma coluna lateral da sala.
— Que pergunta mais
indiscreta! — Disse Cacilda, de forma seca!
— Provavelmente a filhota do
Otto, pensa que o querido papaizinho dela, se diverte as escondidas, na
senzala, na calada da noite. — Disse Camilla, sorrindo alto e Lenny a
acompanhou. Cacilda e Madalena, hirtas, se entreolham em seus respectivos
constrangimentos.
— Chega de bobagens, somos
mulheres adultas, temos hora marcada e a senhorita recebe os nossos briefings!
— Falou Cacilda impávida, demarcando seu território. Como quem crava, bem fundo
no chão, uma bandeira.
A fotógrafa deu uns poucos
passos, vai até a mesa da sala de reuniões e levanta as duas pastas com os dois
briefings.
— Esqueçam estes briefings
meninas! Isto aqui, foi escrito por burocratas, homens brancos privilegiados,
este povo não entende de nada, além de dados, números e estatísticas. — Lenny
recuou e foi até uma lata de lixo de aço inox e jogou com força os dois
documentos na lixeira e continuou — Sabem o que é pior que um publicitário e um
marqueteiro? Vários publicitários e marqueteiros juntos, que trabalham para
políticos ordinários.
— Gostei de tu mulher! — Disse
Camilla e sorriso brotou nos lábios da cosmetóloga de profissão.
— Madalena! Faça-me o favor,
de nunca mais me chamar de madame e leve as meninas, para o vestíbulo! — Disse
Lenny olhando profundamente para a assistente e voltou para as duas irmãs. —
Geralmente converso bastante, com quem pretendo fotografar e eu mesmo separo as
peças de roupas, que vou usar nas secções. Mas, vão e escolham as peças,
que querem e desejam usar para a secção fotográfica, minhas queridas amigas.
Hoje, amigas, vamos ousar, hoje é dia de ousadia. E depois um grande Evoé!
Madalena conduziu as duas
modelos, cruzaram a sala de reuniões e adentram em um vestíbulo, uma ampla
suíte, convertida em um vestíbulo e a negras luminárias Bauhaus, pendendo no
teto, dando are modernista ao cômodo. As muitas araras inox e os enormes guarda-roupas,
sem portas e as diversidades das peças de roupas, encheram os olhos das irmãs.
As duas mulheres, partiram para as escolhas do vestuário, se comportaram como
se fossem adolescentes, fazendo compras, em uma loja de departamento, em um
shopping.
Depois do vislumbre
momentâneo, as irmãs, escolhem as peças íntimas, sem pressa alguma, e em puro
êxtase, entre risos contidos e risadas bramidas, encostam as peças íntimas, por
cima das roupas. Acompanhadas por Madalena, elas foram até um expositor de calçados
e escolheram os sapatos, salto altos, sandálias e sapatilhas eróticas, ficam
descalças e experimentam os calçados.
Madalena, deixou as
irmãs experimentando os calçados e se aproximou de Lenny, as duas profissionais
da fotografia, apreciaram a cena inusitada, em uma distância segura. Viam as
duas irmãs, se divertem no vestíbulo, com uma ampla variedade de peças e
sapatos à disposição. Ambas sabiam que o dia prometia e pôr fim Lenny, olha
para Madalena de forma abissal.
— Madalena, me diga uma coisa,
tu és uma mulher trans? — Perguntou Lenny, para a assistente de produção.
— Madame? Que pergunta
indiscreta! — Respondeu Madalena olhando para o chão.
— És? — Insistiu a fotógrafa.
— Claro que não! Sou uma
mulher…
— E que eu não quero
surpresas, quando eu for tirar as tuas roupas e te jogar na minha cama! —
Enfática, disse Lenny, levando a mão, ao queixo de Madalena, forçando a
assistente a olhar para ela.
Madalena corou, não sabia o
que dizer, pois nunca pensou de fato em ter algo real com a chefe!
— E se fosse? Uma mulher
trans? Faria alguma diferença? — Perguntou Madalena de forma bem tranquila.
— Não mesmo! Na verdade, só um
pouquinho! — Respondeu a Lenny, com um brilho lascivo nos olhos negros
profundos.
E o dia rendeu, a sessão de
fotografia, durou o dia inteiro e adentrou o começo da noite. Terminando em
saudações a Baco e Dionísio.
Fragmento do livro: Em
perpétuos ciclos, por Samuel da Costa, novelista, poeta e contista em
Itajaí, Santa Catarina.
Argumento de Clarisse Cristal,
bibliotecária, contista, novelista e poetisa em Balneário Camboriú, Santa
Catarina.
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