Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
Para
Fabiane Braga Lima
‘’São meio século de uma existência inexistente.
Com o cabelo nevado, que o tempo me deu...
E eu ainda lutando para saber o que é uma chave
E para que ela serve! ’’
Samuel da Costa
Foi uma cena inusitada, eu tarde da noite chegando em casa depois de
extenuantes aulas na faculdade e o meu pai, complacentemente me esperando na
sala de estar. Ele com aquela cara amarrada, de poucos amigos, denotando que eu
estava muito encrencada. O economista de profissão, estava me esperando com uma
revista nas mãos, para a minha infelicidade era um exemplar da malfadada
revista Astro-domo. Acontece que eu tinha esquecido a revista de literatura,
arte e cultura, na nossa mesa de centro. Deixei a revista ali, pela manhã,
depois de conferir as correspondências da família, eu separava as
correspondências da casa, em montículos. Como eu meu velho, tinha o hábito de
ler as correspondências dele e da casa pela manhã. O meu pai acordava bem cedo,
para ler as correspondências antes que as novas chegassem, vai entender a
agenda do economista. E o meu intento, era lê-la, assim que voltaria das minhas
noturnas lides acadêmicas. E aquela quebra de rotina, que aliás não era uma
rotina, pois eu tinha essa função desde que me conheço por gente, uma lição do
economista, me dando responsabilidades. O meu bom pai conferia o meu trabalho
matutino quando eu não estava olhando.
— Eu nem sabia que tínhamos assinado esta preciosidade, menos ainda que a
senhorita assina textos neste pasquim alvissareiro! — Incisivo disse o meu
progenitor, para depois um álgido sorriso lhe brotar na cara.
— E não assinamos, eu recebo de graça e é uma publicação restrita! — Disse eu,
ainda de pé, a minha alma saiu do meu corpo nessa hora.
— Terá sequência? Ou vai parar por aqui? Fiquei curioso, meu anjo bom! — Disse
isso e me convidou para sentar e eu querendo terminar o meu dia em paz.
Sentei-me e a curiosidade me bateu forte, como a coisa terminaria e como eu
iria responder a uma pergunta, que eu não tinha respostas alguma. Então decidi
improvisar.
— O conclave das entidades sobrenaturais, se deu em uma gruta, não muito longe
do lago. As iniciadas, prestaram reverências a rainha e o resto o senhor já
sabe o que aconteceu...
— Eu sei? — Disparou o meu progenitor, não disfarçando o mau humor.
— Eu disse que o senhor já sabe, mas no mundo das belas-letras temos os finais
em aberto, são finais onde as respostas quem dá é o leitor. Mas hoje como tenho
a melhor das audiências e posso sussurrar o final, somente para melhor das
audiências. O financista teuto, Julius Karl Gross, se
reuniu na capital, para tratar dos efeitos e possibilidades da grande guerra,
que se iniciava no velho mundo. Foi de veleiro, porque não queria se expor
olhos curiosos, reunião terminada, na volta para casa, o austero homem de
negócios é avisado do falecimento misterioso, da esposa Margarida Buerger
Gross, conhecida e reconhecida pintora, fotógrafa, poetisa e aventureira. Entre
idas e vindas depois do infortúnio, ele conhece a jornalista Frederica Blank, a
rainha renascida-mor nas águas de Dagon, se casa com ela e tem filhos e filhas.
Agora as irmãs cultistas da jornalista, renascidas nas águas de Dagon, elas com
identidades novas, não demoraram para ter filhos e filhas e resto...
— Não
hesite, filha querida! — O humor do economista e meu progenitor estava curioso,
eu estava cansada e com sono.
— O culto se infiltrou ao longo das décadas seguintes infiltrando nas elites da
sociedade! — Terminei assim aquela marafunda, levantei, sem resistências tirei
a minha revista das mãos do meu progenitor. Iria para o meu quarto, quando a
voz do economista me obrigou a me virar.
— Gostei do texto publicado e mais ainda do Gran finale particular e mais ainda
que tenha ficado de fora desta marafunda e eu gostaria que da próxima vez de
ter a possibilidade de ler os textos antes de serem publicados da grande
escritora que tenho aqui em casa! Boa noite minha filha e durma bem!
— Durma bem papaizinho querido! — Disse isto e fui dormir.
Fragmento
do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista,
novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
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