segunda-feira, 1 de setembro de 2025

OPERA MUNDI: A REUNIÃO NA RUA L E A REALIDADE SIMULADA

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

           

            Pegar o trem monotrilho foi uma opção imposta pela conveniência do momento, um transporte rápido, barato e superlotado, mais que perfeito, para se tornar invisível, se perder em meio à multidão dissoluta. Então Aurora, preferiu embarcar em uma subestação, não muito longe do apartamento onde ela mora. Subir a pequena escadaria, não pegar o elevador, foi uma opção pessoal, a programadora de computadores, estava adorando experimentar a quebra de rotina. Acostumada a trabalhar em casa, fazia tempo que ela não experimentava a liberdade, de andar sozinha e em plena luz do dia em meio as massas em um dia de outono.

          Pôr a mão esquerda no leitor biométrico e experimentar as luvas de tecido digital e verificar que elas funcionavam de fato, ela mesmo tinha escrito as linhas de programação da peça bélica. E Aurora, entrou sem problemas no sistema integrado de transporte público individual e coletivo, ela poderia usufruir de uma gama variada de veículos de massa e individual. A pequena subestação de trem estava vazia, não havia ninguém naquele início de manhã outonal. Aurora, passa por um policial uniformizado, o agente do aparato de segurança, olha para a programadora, bate continência. Silencioso o trem monotrilho, para na estação de subestação e Aurora adentra no veículo, que estava vazio, a programadora de computadores prefere não ocupar o assento privativo que tinha direito e ficar de pé. E não demoraria muito aquela pequena digressão, rumo ao desconhecido se iniciar.

            E o trem monotrilho, dei partida e ganhou velocidade, rumou para a cidade vizinha, em uma pequena viagem de linha direta, então uma música passa a ser executada, inundando o vagão do trem, era uma antiga, conhecida e popular sonata escandinava, gélida e monótona. E Aurora, se perdeu em si, ao olhar pela janela e ver a paisagem que passavam em alta velocidade e o ela sente o estomago se embrulhar. A programadora de computadores, então, leva o dedo indicador à orelha esquerda.

            — Gaya meu bem, ligue o módulo de vigilância e alerta total! — Disse Aurora para a Inteligência artificial.   

            — A senhora quer mesmo quebrar o protocolo? — Perguntou Gaya, a voz álgica e robótica, ecoa na mente da programadora de computadores, por alguns segundos apenas.   

            — Só se vive uma vez, meu anjo bom! — Surrou Aurora, parecia confidenciar um segredo constrangedor para uma pessoa amiga.   

            Aurora escutou um leve zunido, uma estática e um mapa com o itinerário e horários se projeta na lente de contato da programadora de computadores, alertas e protocolos de segurança e a patente que ela estava usando naquele dia. A patente de investigadora de primeira classe, agente de campo em atividade secreta de rastreio. Detalhes atômicos de onde do destino, informes sobre os agentes de segurança ativos, agentes infiltrados e as células criminosas ativas, informantes e agentes infiltrados. Modelo rastreio informa os detalhes do elemento a ser encontrado. As luvas de tecido digital, nas mãos de Aurora apertaram e esquentaram, os informes das ferramentas das luvas surgiram na janela projetada nas lentes de contato. As botas de cano alto nos pés de Aurora, se auto ajustaram, apertaram e esquentaram, o informe deu conta dos limites do que os calçados poderiam fazer. As manoplas nos antebraços foram ativadas e as especificações e recomendações também foram informadas. Aurora, tinha escrito as linhas de códigos das peças e ajudado nas especiações na fabricação de cada uma daqueles artefatos.    

            — Algo mais agente investigadora de primeira classe? — Perguntou Gaya e um tom ameno!

            — Por hora não! E durma bem, minha querida! — Disse Aurora, desligando a Inteligência artificial. Mais uma recomendação que ela mesma tinha feito, quando entregou os projetos. Aurora estava orgulhosa do que tinha acabado de ver.

            A programadora de computadores, sente o trem monotrilho acelerar e pensar que a curta viagem, estava para acabar, olha para a janela e vê manchas amorfas devido à alta velocidade. Aurora, então perde a noção do tempo e do espaço, olha para o vagão vazio e deseja, brevemente, a possibilidade de ter alguém naquele ambiente. Quis ativar a inteligência artificial e mudar de ideia, somente espero que a coisa todo se estabilize. E o trem monotrilho acelera, mais e mais e Aurora olha para a janela e vê borrões e manchas de cores variadas, alguma coisa está errada logo ela pensou. A viagem do entre cidades, era para ser bem curta, pois aquela linha direta, sem paradas, a programadora de computadores, reluta em usar a manopla, para ver o que estava acontecendo. 

               O trem monotrilho desacelera e para, uma voz de mulher anuncia o ponta de chegada, a porta se abre e Aurora se prepara para sair do vagão, quando uma multidão adentra pela porta. A programadora de computadores se aperta em meio a massa amorfa e sai do vagão. A subestação de trem estava lotada de pessoas de todas as classes, gêneros, etnias e raças. As lentes de contato nos olhos, da programadora de computadores, fazem as leituras faciais dos indivíduos. O escaneamento, deu conta das informações pessoais dos indivíduos a frente da programadora.  Aurora, sente dores de cabeça e os olhos ardem, a Aurora pensa em desativar o módulo de rastreio, mas não o fez. E ao andar pela subestação de trem, uma vendedora ambulante chama atenção da programadora de computadores, uma pequena mulher de aparência andina de idade indefinida, ela carrega um fina varra cabideiro, com chapéus e óculos escuros. O escaneamento facial, deu conta que era uma indígena Aymara, sem passagens registradas nos serviços de segurança e na agência de imigração. Aurora decide comprar um chapéu para a mulher andina e então escolhe um feminino chapéu australiano, da mesma cor do seu sobretudo que usava. A vendedora ambulante ergueu um pequeno espelho e Aurora viu o seu rosto alvo e pensa que ainda falta algo e a vendedora oferece um par de óculos de sol preto com finos aros redondos. A vendedora ambulante, ergue um cartão de visitas, com um código de pagamento, as lentes nos olhos da programadora de computadores, lê o código de pagamento e um apito soou alto na máquina de pagamentos no bolso da Aymara. As duas trocaram sorrisos e se despediram com os olhares.   

            Ao descer as escadarias da subestação de trem monotrilho, Aurora se depara com uma avenida apinhada de gente, eram vendedores ambulantes, artistas de rua, monges, pastores religiosos, trabalhadoras e trabalhadoras do sexo, pequenos traficantes, vendedores ambulantes e moradores de rua e músicos com os seus instrumentos executando as suas obras. Lojas com artigos populares ladeadas com lojas de departamentos, serviços variados. Aurora olha para cima e vê as passarelas envoltas em tubos, interligando grandes prédios. Obra do arquiteto e urbanista Grege Sanders, prédios inteligentes, residências e comerciais interligados, uma solução apresentada e executada pelo ousado arquiteto e urbanista. Solução apresenta e implantada, depois de sucessivas ondas de criminalidades, intempéries climáticas, migração e emigração e as avalanches tecnológicas. Então as pessoas passaram a trabalhar e estudar em casa, a enclausurarem, uma classe média e uma classe média alta. As ruas, se transformaram em subsolos da sociedade, não que as classes abastadas deixaram de circular nas ruas, pois por motivos variados, por não se adaptarem àquele modo de vida, ou mesmo por questões profissionais. O que Aurora passa a pensar, àquela hora, que na prática, era que a vida de fato ocorria no primeiro piso da sociedade, enquanto cordeiros assustados viviam as suas vidas em uma falsa sensação de segurança.

            E a programadora de computadores, não queria percorrer aqueles poucos metros a pé, até a rua Alcebíades Vanolli, a tal fadada rua L, para a reunião que estava marcada com o obscuro engenheiro mecânico, o mago da robótica, o doutor Henton. Mas a realidade se impõe e Aurora, tentar a sorte, se voluntariou para uma missão e a missão teria o seu término. Ao percorrer uns poucos metros o alarme soou alto no ponto eletrônico no ouvido de Aurora. Então uma sirene dá um alerta em um estrondo, a avenida superlotada, o mar de gente em frenesi, procura abrigo nas calçadas e a avenida ficou deserta. Aurora, olha para cima e vê um guarda pretoriano, no alto de uma das passarelas, se equilibrando em cima do tubo. As lentes de contato, nos olhos da programadora de computadores, se autoajustaram e foca no agente de segurança, a base de dados informa, que é um agente de alta patente em um uniforme de combate. A programadora de computadores, olha para o piso e vê um carro antigo, sem placas, o carro era um Mary Shelley, um carro montado a partir de vários outros carros. As lentes de contato, escanam o interior do carro hibrido ilegal e percebeu quatro elementos lá dentro. A leitura facial, informa que são perigosos elementos facionados, membros de uma rede criminosa extensa.  

            O oficial de alta patente quedou do alto do tubo da passarela, Aurora percebe o ato em câmera lenta, um campo de força se forma abaixo dos pés do homem da lei. Que se expande conforme ele se aproxima do chão. O oficial ganha velocidade enquanto o veículo se aproxima, para de repente e quando os dois corpos se alinham. O homem da lei, ganha velocidade e queda em cima do capô do veículo em fuga. Uma avassaladora onda magnética, se expande e atinge os transeuntes nas calçadas e eles vão ao chão. O oficial, que se afunda no capô do veículo, membros da guarda convencional, fortemente armados, cercaram o veículo e renderam os ocupantes do veículo de fuga. O perímetro da ocorrência é isolado pelas forças de segurança, os ocupantes das calçadas se recompõem e voltam a rotina como se nada estivesse acontecendo. Aurora, processa a cena, os dados são enviados para a inteligência artificial.

            Um riquixá motorizado, que passa ao lado de Aurora, a programadora de computadores levantou a mão, o pequeno veículo elétrico para, a porta se abre e Aurora adentra no veículo. A programadora de computadores lembrou da manobra ousada do oficial de alta patente, uma manobra que ela mesmo criou e recriou várias vezes na realidade simulada.

            — Para onde vamos madame? — Perguntou o motorista do riquixá, um homem alto de pele morena e muito bem vestido.

            — Vamos para rua Alcebides Vanolli! — Respondeu Aurora secamente e aponta para frente.

            O motorista nervoso, acelerou o veículo e passou ao lado da área interditada pelas forças de segurança, Aurora vê os quatro ocupantes do veículo de fuga, que estavam atordoados, com as mãos na cabeça. As lentes de contato nos olhos registraram a cena.

 

Fragmento do livro: Sono paradoxal, texto de Samuel da Costa, poeta, novelista e contista em Itajaí, Santa Catarina.

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