Por Humberto Pinho da
Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)
Quando me via,
atirava-me um olhar pleno de admiração; e, enlaçando com frágeis bracitos, o
meu pescoço, enchia-me de doces beijinhos.
Era pequenina, de tez
cor de centeio, daquele centeio moreno, que só se encontra em morenas terras de
Trás -os -Montes.
Tinha olhos
castanhos-escuros; lábios rubros, como cerejas, sempre húmidos; narizinho
curto, levemente achatado; e sedosos cabelos, claros, com belos reflexos de
oiro velho.
Trazia - quase sempre,
- vaporoso vestidinho branco, imaculadamente branco, de meia-manga, com leve
renda, igualmente branca, nos bordos.
Parecia uma
princepezinha moura; princepezinha encantada, que encantava todos, com o olhar
terneroso e feiticeiro.
A seu pensar, eu era
uma figura misteriosa. Aparecera do nada. Viera de longe, de longe paragem; de
cidade banhada pelo imenso oceano; oceano que ela mal conhecia…
Mas alguém, que logo
compreendera, que podia confiar. Abrir o pequenino coração, ansioso de ser
amado, e quiçá, de amar.
E, no entanto, a
diferença de idade, sendo colossal… não nos apartava; ao invés: aproximava-nos,
ainda mais; permitindo afectos, sem malícia humana; sem reprovações hipócritas,
de línguas linguareiras.
Sempre que nos
encontrávamos – e eram tantas vezes! … – sempre havia novidade para narrar e
mostrar.
Tudo nos servia de
conversa…; até simples infantilidades! …. E se a boca se fechava, nossos olhos
indiscretos, falavam em silencio, e cruzavam-se e recruzavam-se: em felizes e
festivos, sorrisos amorosos.
Na minha já longa
existência, nunca possui tamanha amizade. Amizade de menininha que despertava
para a vida. Vida, que ainda podia contar pela mãozinha rechonchuda….
Deus ofereceu-me essa
amizade infantil, muito antes de possuir a minha própria criança: carne da
minha carne; sangue de meu sangue…
Quando a velhice chega,
e a tarde adormece, na luz ensanguentada do crepúsculo, que antecede a morte, a
memória, acorda para o passado; para passado que passou, e nos persegue sempre,
como sonho, que entristece e alegra.
Vejo, agora – com
nitidez que me confunde –: cenas, diálogos, companheiros de brinquedo de
outrora, como se fossem crianças; como se tivessem: as mesmas linhas juvenis, a
mesma graciosidade, os mesmos gestos imprecisos, as mesmas expressões
interrogativas…
Por sortilégio, que
desconheço, todo o passado nasce e renasce dentro de mim, como se nada houvesse
mudado; então, no meu rosto envelhecido, nos meus lábios descorados, aflora a
sombra de um sorriso: sorriso do passado, sorriso de saudade…
Hoje, lembrei-me dessa
garotinha, que se sumiu no mundo, como se sumiram, um a um, todos os meus lindos
sonhos de meninice; mas que, para sempre, ficaram retidos, na retina, como
lembrança saudosa, ainda que esfumada, de velhos tempos, que, inseguro e
hesitante, buscava um novo rumo, ainda incerto, para a minha vida; então:
triste e solitária; plena de ilusões e fantásticas fantasias…
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