Por Urda Alice Klueger (Blumenau, SC)
(Para Elizabete
Tamanini, Cesar Zillig e Juarez Aumond)
Um dia, lá
na aurora dos tempos, este planeta Terra se formou todo quente e explodindo em vulcões e
derrames de magma; um dia, também, ele esfriou e veio uma primeira glaciação, e
depois, uma série delas, e aí nesse entremeio foi surgindo a Vida nas suas mais
diversas formas, e ontem à tarde eu caminhei por um pedacinho privilegiado
deste planeta, e era tão visível, ali, tantas destas coisas que vêm desde lá
dos tempos mais remotos!
Era uma
estradinha no lugar que quando eu era criança a gente chamava de Russland –
hoje, aquele lugar tão lindo é conhecido como Nova Rússia. Fica em
Blumenau/Brasil, e é uma reserva ecológica, que abriga nascentes de bicas,
arroios, riachos – e todas essas águas juntas acabam formando um rio, à beira
do qual costumo acampar.
E era no
finalzinho da tarde, assim já depois que o sol se pusera por detrás dos morros
altos, e uma fina camada de névoa azulada pairava sobre tudo e dentre tudo,
principalmente dentre as árvores daquele resquício de Floresta Atlântica ali
preservada, embora aqui e ali, dentro da floresta nativa, surja um Tannenbaum,
ou um eucalipto, ou florescidos antúrios plantados sob a mata, à beira da
estradinha – e embora exista por ali algumas casas de campo (eu diria:
casas-de-mato), escondidas nos lugares mais inesperados, e umas três ou quatro
propriedades rurais onde, em pastos de grama rasteira, vacas holandesas nos
olham bondosamente com seus grandes olhos líquidos e mansos, e também alguns
campings, e algumas outras curiosidades, como uma roça de cana, alguns jardins
e cachorros, pode-se dizer que a preservação ambiental, ali, é boa, e pode-se
embarcar nela e viajar para a história do passado deste planeta.
O que sempre
me chama a atenção primeiro é a estradinha, quase pendurada na encosta dos
morros altos e quase caindo sobre o rio, lá embaixo – como venho muito a este
lugar, tenho podido observá-lo nas mais diversas situações e estações do ano, e
sei que o único lugar onde ela poderia existir é onde está, que na outra margem
do rio é tudo perau tão escarpado, rochas abruptas disfarçadas sob a camada da
floresta, que não haveria como se ter criado tal estradinha do lado de lá –
assim como vejo hoje, depois de prestar muita atenção, muito gente, nos últimos
milênios, também viu onde era a passagem possível, e aquela estradinha, um dia,
começou a ser aberta e se tornou um caminho feito a pé de índio. Generalizo a
palavra índio por não saber o nome das tantas possíveis nações que um dia por
aqui passaram – afinal, desde a última glaciação, quando o mar recuou destes
lugares onde estou, quanta gente deve ter passado por aqui?
Faz século e
meio, lá por volta de 1860, que um jovem imigrante chamado Julius Bernhard
Klüger, que foi o meu bisavô, também passou por aqui uma primeira vez, e foi
cultivar a terra da sua primeira colônia lá mais para os confins da Russland, e
o caminho já estava aberto. Mais adiante deste camping onde costumo ficar, bem
mais adiante, há um pequeno cemitério com muitos parentes meus enterrados,
comprovação inequívoca dos tantos meus antepassados que um dia aqui vieram
trilhar a estradinha aberta a pé de índio – e que pouca modificação sofreu
depois que os engenheiros e os imigrantes deram uma melhorada nela, com
tratores e enxadas.
Então, ao
pôr do sol de ontem, também eu estava a trilhar a estradinha, o rio espumante e
encachoeirado de um lado, lá embaixo, e as rochas partidas pelo resfriamento do
planeta, em outros tempos, a formar a base dos morros, do outro – e era-me
espantoso observar a quantidade de vida que se agarrava àquelas rochas, musgos,
líquenes, samambaias e outras plantas, cada uma tentando fazer o seu trabalho
de desmanche daquelas rochas que talvez estejam ali desde um antiquíssimo
primeiro derrame de lava aqui nesta região. Talvez aquelas rochas já tenham
passado por todo o calor e por tantas glaciações, e sejam testemunhas de todo o
tanto de vida que já aconteceu por aqui, desde a das plantas, quanto a dos
animais de diversos tipos, sabe-se lá quantos já extintos, e das diversas
nações de gente que por aqui desfilaram, inclusive a dos imigrantes, e sabe-se
lá em quantas delas havia pessoas do meu passado – e ali estão, portando seus
musgos e seus líquenes, e esperando que a próxima glaciação chegue, embora, por
enquanto, o mundo ainda esteja a esquentar, desde o último grande Frio... como
queria eu poder perguntar tantas coisas àquelas rochas! O quanto poderiam elas
me contar, que me escapa a este olhar limitado com que as olho!
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