Por Urda Alice Klueger (Blumenau, SC)
(Para Márcio e Sandro, que eram meninos)
Desta vez, ao crepúsculo, eu
caminhei em direção das Minas da Prata. Nem só em Potosi houve minas de prata
na América – em Blumenau/SC, também as houve, e tomei o rumo delas, à tardinha,
lembrando dos tempos em que era muito jovem, tinha meu primeiro fusca e vinha
acampar diante das minas com minha irmã Margaret, mais os nossos vizinhozinhos
Márcio e Sandro, garotos de primário, que estavam descobrindo a vida e aos
quais eu ensinava a usar a imaginação, quando entravam de férias. É daquele
tempo que me lembro das minas, já então abandonadas de há muito – como as de
Potosi, sua prospecção se tornara antieconômica. Sobraram as bocas das
galerias, e os túneis avistados lá dentro, pois era proibido entrar, por temor
de desmoronamentos – mas havia toda uma magia ao ir-se lá – naquela altura,
embalados pelos quadrinhos de Walt Disney, ficávamos a imaginar as minas do tio
Patinhas. Éramos muito inocentes, então: não sabíamos dos 8.000.000 de índios
mortos de fome e maus-tratos em Potosi. Mas lembro como qualquer pedra que se
achasse no chão, podia ser quebrada com facilidade, e como o seu interior faiscava
todo de veios de prata. O problema é que era muita pedra para pouca prata, o
que fez os mineradores irem embora.
Tais minas estão a apenas três
quilômetros desta pousada onde venho me abrigar, e quando saí, na tardinha,
tinha a intenção de ir lá ver, e reviver, quem sabe... Fiquei conversando com um velho morador que
conhecia os Klueger, no entanto, durante tanto tempo, que quando fui vencer o
último trecho do caminho, a noite caiu. Pelo que me disse uma outra rara
moradora, eu estava chegando, mas voltei sem ir lá.
Há uns raros postes com lâmpadas
acesas ao longo da estrada escura, muito distantes um do outro, e a estrada
está mergulhada entre morros e ladeada de nascentes que se juntam num rio, e
mesmo sendo de quarto crescente esta noite fria, em algumas curvas, onde as
árvores eram muito altas, a escuridão era total, e eu acabei montando na minha
imaginação e viajando no Tempo.
Um dia também anoitecera ali,
naquele lugar, quando um antigo povo ia por ali passando, e todos, homens,
mulheres e crianças procuraram logo o lugar mais abrigado para passar a noite.
Pensei: e se estivesse chovendo torrencialmente? Conheceriam os antigos
moradores alguma gruta, alguma cova, algum abrigo onde se enfiar? Hoje a
geografia está toda alterada por conta do colonizador – como teria sido um dia?
Os abrigos estariam por ali desde tempos imemoriais, ou seriam construídos
rapidamente, como aqueles que Sílvio Coelho dos Santos nos conta em Índios e Brancos no Sul do Brasil? Água não faltaria: aquelas nascentes todas e
aquele rio estavam ali, decerto, há MUITO tempo!
Numa dessas curvas bem escuras,
fui ultrapassada por uma van que transporta estudantes, e fiquei ali olhando
como ela se escondia no breu de mais adiante, onde suas luzes traseiras
vermelhas se multiplicavam muitas vezes na escuridão.
- Como uma fogueira! – pensei.
Sim, devia ser a mesma sensação – um grupo humano andando por ali – pois aquele
caminhozinho provavelmente um dia foi uma trilha entre as nascentes e o rio – e
alguém mais atrasado chegando no escuro, quando a fogueira já estava acesa! Foi
como se visse lá, ao abrigo do fogo, os adultos e as crianças cozinhando e se
preparando para passar a noite, e a grande sensação de conforto que sentiu quem
vinha chegando atrasado, pois lá no fogo haveria abrigo, solidariedade, comida.
Talvez fosse frio como hoje e as pessoas estivessem usando suas mantas de fio
de urtiga, como há uma lá no Museu da Família Colonial , mas não chovia naquela
noite da minha imaginação.
Há coisas que devem ser atávicas
dentro da gente: eu era capaz de sentir cada sensação daquela pessoa de muito
tempo atrás avistando o conforto daquela fogueira no meio da escuridão de breu.
Há que andar muito mais por este
lugar que hoje chamam de Nova Rússia, pois aqui os vestígios da História ainda
podem ser tão visíveis, tão visíveis! Basta a gente ter olhos de querer ver e
atavismo no coração!
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