Por Humberto Pinho da
Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)
Em final dos anos
cinquenta, passei aprazível estadia, na Vilariça, na amena e tranquila: “
Quinta do Bem”.
Tive a felicidade, na
ocasião, de travar conhecimento com simpática velhinha, de rosto encarquilhado
pelo sol, e cabelo alvo, como a neve, amiga da mulher do feitor.
Ainda havia, nesse
recuado tempo, nas nossas pitorescos aldeias transmontanas, amorosas avozinhas, eximias narradoras de curiosas
histórias, que entreviam longas horas de
serão, e educavam os sentimentos dos ouvintes.
Uma, que escutei, entre
muitas, no meu tempo de menino, recheada de encantadores e saborosos termos
vernáculos, paralelamente com preciosos provincianismos, é a que vos vou
contar:
Havia há muitos e
muitos anos, na comarca de Vila Flor - a
flor das Vilas, como o grande vilaflorense, Raul de Sá Correia, gostava de
dizer, - pastorzinha, que não conhecia letras, por mais rodondinhas que fossem,
nem povoado, além da humilde aldeia, onde nascera e se criara.
Numa luminosa e fresca
manhã de Primavera, batida de sol doirado e resplandecente, quando as amendoeiras se toucavam de vistosas
florzinhas brancas, assentou ir à Vila.
Sobre a cabeça, colocou
o sedoso lenço de seda escarlate, que a madrinha lhe dera pelo
aniversário; calçou delicadas
chinelinhas de corda; ataviou-se com o melhor xaile que tinha; e abalou,
alegremente, entoando loas à Senhora da Assunção - a que está no Cabeço, - em
demanda de semente, para amanhar a coirela.
Pasmou-se, uma vez na
Vila, com as casas branqueadas a cal - na sua aldeia, todas eram escuras, de
pedra xistosas; - e com os artísticos umbrais, bem lavrados, que embelezavam
portas e janelas, de igrejas e velhíssimas casas senhoriais.
Extasiada com tudo que
via, deambulava, num encantamento, pelas tortuosas ruas, da antiquíssima Vila.
Porém, ao perpassar
pela Matriz - cuja a riqueza dos ornatos do pórtico, a encantou, - verifica,
atónita, que do interior do velho templo, saiam harmoniosos cânticos, que mais
assemelhavam, hinos angélicos, do que simples coplas, entoadas por vozes humanas.
Tocada pela
curiosidade, quedou-se a escutar.
No adro, jovem
aperaltado, desenhava com a ponteira da bengala de ébano, caprichosos
arabescos, na terra mole, enquanto
esperava a namorada, que assistia ao culto.
Com esforço, vencendo o
natural enleio, que sempre a dominava, quando falava com estranhos,
perguntou-lhe: o que fazia esse mar de gente, em fato domingueiro, dentro do
templo.
Para sua desdita, aconteceu
ser maganão, o janota, e para se divertir da inocente pastorzinha, disse-lhe
que oravam desse jeito:
-”Rezam, assim: Uma
canastrinha, mais duas canastrinhas, são: três canastrinhas…”
Terminado o culto, a
ovelheira, entrou sorrateiramente, no templo. Ajoelhou-se. Pôs as mãos na
posição de rezar, conforme o jovem lhe ensinara, e repetiu, fervorosamente, a
“oração” que lhe indicara.
Nesse preciso momento,
passa o padre. Olhou. E o que viu?! Volitarem ao seu redor, três formosos e
translúcidos Serafins.
Intrigado, acercou-se, pasmado com o que vira, e
interroga meigamente a pastora:
- “O que rezas, minha
filha?!…”
Encolhida, a pastorita,
muito enleada, respondeu, baixando os olhos:
- “ O que me ensinaram:
Três canastrinhas, mais duas canastrinhas. são: três canastrinhas…”
Ao escutar a grotesca
“oração”, o cura, lembrou-se do bom Frei Bartolomeu dos Mártires, ao visitar
terras de Barroso, e aconselhou-a a voltar, para lhe ensinar a doutrina.
Alegre, como um cuco, a
pastorzinha, no domingo seguinte, foi à Vila…; e tornou a voltar….; mas nunca
mais viu, o piedoso abade: anjos, luzes, resplendores…Nada!…
Inquerida a razão de
estar triste, a pegureira, de mãos erguidas, suplicou: que a deixassem rezar a
sua “oração”, porque, ao dize-la, sentia que Deus estava presente.
Contristado e
relutante, o padre condescendeu, compreendendo que os designos do Senhor são
bem diferentes dos homens…
Estava o abade a pregar
as promessas divinas, quando enxerga, estupefacto, que lá no fundo do templo,
ao redor da pastorzinha, havia um imenso halo, tão brilhante como o Sol; e
translúcidos Serafins, rezavam de joelhos, ao seu lado.
Volvendo os olhos
lacrimosos para o Céu, o padre lembrou-se das Bem - Aventuranças:
“Bem-aventurados os
pobres de espírito, porque deles é o Reino do Céu!...”
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