segunda-feira, 1 de agosto de 2016

AS CANASTRINHAS

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Em final dos anos cinquenta, passei aprazível estadia, na Vilariça, na amena e tranquila: “ Quinta do Bem”.
Tive a felicidade, na ocasião, de travar conhecimento com simpática velhinha, de rosto encarquilhado pelo sol, e cabelo alvo, como a neve, amiga da mulher do feitor.
Ainda havia, nesse recuado tempo, nas nossas pitorescos aldeias transmontanas, amorosas  avozinhas, eximias narradoras de curiosas histórias, que entreviam  longas horas de serão, e educavam os sentimentos dos ouvintes.
Uma, que escutei, entre muitas, no meu tempo de menino, recheada de encantadores e saborosos termos vernáculos, paralelamente com preciosos provincianismos, é a que vos vou contar:
Havia há muitos e muitos anos, na comarca de Vila Flor  - a flor das Vilas, como o grande vilaflorense, Raul de Sá Correia, gostava de dizer, - pastorzinha, que não conhecia letras, por mais rodondinhas que fossem, nem povoado, além da humilde aldeia, onde nascera e se criara.
Numa luminosa e fresca manhã de Primavera, batida de sol doirado e resplandecente,  quando as amendoeiras se toucavam de vistosas florzinhas brancas, assentou ir à Vila.
Sobre a cabeça, colocou o sedoso lenço de seda escarlate, que a madrinha lhe dera pelo aniversário;  calçou delicadas chinelinhas de corda; ataviou-se com o melhor xaile que tinha; e abalou, alegremente, entoando loas à Senhora da Assunção - a que está no Cabeço, - em demanda de semente, para amanhar a coirela.
Pasmou-se, uma vez na Vila, com as casas branqueadas a cal - na sua aldeia, todas eram escuras, de pedra xistosas; - e com os artísticos umbrais, bem lavrados, que embelezavam portas e janelas, de igrejas e velhíssimas casas senhoriais.
Extasiada com tudo que via, deambulava, num encantamento, pelas tortuosas ruas, da antiquíssima Vila.
Porém, ao perpassar pela Matriz - cuja a riqueza dos ornatos do pórtico, a encantou, - verifica, atónita, que do interior do velho templo, saiam harmoniosos cânticos, que mais assemelhavam, hinos angélicos, do que simples coplas, entoadas  por vozes humanas.
Tocada pela curiosidade, quedou-se a escutar.
No adro, jovem aperaltado, desenhava com a ponteira da bengala de ébano, caprichosos arabescos, na terra mole, enquanto  esperava a namorada, que assistia ao culto.
Com esforço, vencendo o natural enleio, que sempre a dominava, quando falava com estranhos, perguntou-lhe: o que fazia esse mar de gente, em fato domingueiro, dentro do templo.
Para sua desdita, aconteceu ser maganão, o janota, e para se divertir da inocente pastorzinha, disse-lhe que oravam desse jeito:
-”Rezam, assim: Uma canastrinha, mais duas canastrinhas, são: três canastrinhas…”
Terminado o culto, a ovelheira, entrou sorrateiramente, no templo. Ajoelhou-se. Pôs as mãos na posição de rezar, conforme o jovem lhe ensinara, e repetiu, fervorosamente, a “oração” que lhe indicara.
Nesse preciso momento, passa o padre. Olhou. E o que viu?! Volitarem ao seu redor, três formosos e translúcidos Serafins.
Intrigado,  acercou-se, pasmado com o que vira, e interroga meigamente a pastora:
- “O que rezas, minha filha?!…”
Encolhida, a pastorita, muito enleada, respondeu, baixando os olhos:
- “ O que me ensinaram: Três canastrinhas, mais duas canastrinhas. são: três canastrinhas…”
Ao escutar a grotesca “oração”, o cura, lembrou-se do bom Frei Bartolomeu dos Mártires, ao visitar terras de Barroso, e aconselhou-a a voltar, para lhe ensinar a doutrina.
Alegre, como um cuco, a pastorzinha, no domingo seguinte, foi à Vila…; e tornou a voltar….; mas nunca mais viu, o piedoso abade: anjos, luzes, resplendores…Nada!…
Inquerida a razão de estar triste, a pegureira, de mãos erguidas, suplicou: que a deixassem rezar a sua “oração”, porque, ao dize-la, sentia que Deus estava presente.
Contristado e relutante, o padre condescendeu, compreendendo que os designos do Senhor são bem diferentes dos homens…
Estava o abade a pregar as promessas divinas, quando enxerga, estupefacto, que lá no fundo do templo, ao redor da pastorzinha, havia um imenso halo, tão brilhante como o Sol; e translúcidos Serafins, rezavam de joelhos, ao seu lado.
Volvendo os olhos lacrimosos para o Céu, o padre lembrou-se das Bem -  Aventuranças:
“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino do Céu!...”


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