Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)
Genciana é a caçulinha
querida de velho e austero médico do interior. É ainda adolescente.
Adolescente, robusta e fogosa. O rosto, é trigueiro; a pele: macia e sedosa.
Mudara-se,
recentemente, para os subúrbios, para casa bem construída e bem espaçosa.
O pai, jaz no leito,
vítima de doença, que não costuma perdoar.
Estirado na cama, o velho médico, é um homem
triste, desolado. A barba escurece-lhe e azula-lhe as faces amarelecidas.
Desanimada, a mulher, olha-o angustiada. Está compungida. O doente parece
dormir, mas pressentindo gente, descerra levemente as pálpebras envelhecidas.
Circunvaga,
desalentado, a vista pelo quarto, que permanece em repousante penumbra, e, volvendo
os olhos embaciados, para a esposa, numa expressão dolorosa, profere apagado e
triste sussurro:
- “ O que será
de meus filhos! … Meu Deus! … Tão novos! … e tão desamparados! …”
A mulher consola-o.
Incute-lhe animo. No íntimo, sabe, que é caso quase perdido. Só um milagre…mas
milagres raramente acontecem…
Está desolada. Receia
ficar só, com um ranchinho de filhos…Ela, que sempre se apoiou no marido,
encontra-se na iminência de ficar com escassa pensão, e rendimentos de poucos
bens herdados.
Genciana pressente o
drama, mas pensa, confia – confia em quê?!Nem ela sabe em quê, - que o pai seja
imortal.
Está feliz: tem casa
nova e tem quarto novo, que reparte com a irmã.
Genciana tem um primo.
O primo Alberto. É um jovem tímido, de olhar vago e triste. Seus olhos
castanhos, fulgem, quando está com ela…
Vive longe, muito
longe, no litoral; por isso, raras vezes se encontram, raras vezes se veem.
Este Verão, estando de
férias, foi visitar o primo doente, que tanto estima, e tanto o estima.
Genciana recebeu-o, com
os belos olhos castanhos, radiantes de júbilo.
Terminada a curta
visita, ao enfermo, ela logo o segura pela mão.
E de mãos enlaçadas,
como duas crianças, ambos, galgam, dois a dois, os degraus da escada de
madeira, que dão acesso ao andar superior.
Penetram num quarto
sombrio, mergulhado em silêncio, onde há duas camas de ferro, esmaltadas a
branco, cobertas de alva colcha de fustão:
- “ Este é o meu
quarto! …” – informa a menina, emocionada, de olhos saltando de alegria.
Alberto estaca.
Cresce-lhe a emoção. Passeia calmamente a vista: ao lado de cada cama, há
mesinha de cabeceira, com porta retrato, em cada uma.
O quarto é espaçoso.
Tem poucos móveis, e recebe a luz, de ampla claraboia.
E sempre de mãos bem
enlaçadas, sentindo o agradável contacto da pele juvenil, Alberto, mira-a com
carinho; e imensa onda de ternura alaga-lhe a alma perturbada.
Seus olhos brilhantes,
ensombrassem. Em breve; quando? – só Deus o sabe, – será órfã. Órfã de pai.
Jamais receberá o carinho paterno, a protecção de quem que tanto lhe quer…
E enxurrada de
nebulosos pensamentos, fervem-lhe na mente excitada:
“ Como gostava de
ajudar! …”
“Mas, como?!”
“ Aceitariam ajuda?
… Certamente que não…”
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O
tempo passou…O tempo tudo apaga. Tudo esquece…
Até
amizade! … Até amizade! …
Hoje, Alberto e
Genciana, estão velhos: ele, vive no litoral, sofrendo os tristes achaques da
velhice; ela, no interior, numa estância, em constante labuta, cuidando dos
filhos.
O que o velho médico
tanto temia, não aconteceu:
A mulher cuidou das
crianças, buscando forças, que não conhecia. Privou-se de muito, para que nada
lhes faltasse.
Quantos vestidos
gostaria de ter comprado, que não comprou?
Quantas viagens
gostaria de ter feito, que não fez?
Quantas horas de
aflição passou, em silêncio?
Quantas lágrimas
derramou, na solidão do seu quarto de viúva?
Só ela e Deus é que
sabem. Foi Mulher e Mãe exemplar. Mãe, com poucas…até morrer…
O que descrevi, é
verídico. Passou-se no Nordeste. No árido Nordeste brasileiro; em pequenina
cidade sertaneja, perdida nesse imenso Brasil.
Que Deus se compadeça
dessa MÃE.
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