Por Urda
Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Fico
entristecida quando vejo o que a sociedade de consumo fez com a Páscoa: para a
maioria das pessoas, hoje, Páscoa significa ir aos supermercados disputar ovos
de chocolate anunciados como os mais baratos do Brasil, muitas vezes levando
junto as crianças para que elas próprias escolham sua marca preferida. A magia
e o encanto da Páscoa se dissiparam paulatinamente com o avanço do progresso, e
eu tenho uma saudade imensa daquelas maravilhosas Páscoas da minha infância,
tanta saudade que vou contar como eram.
Na
verdade, a Páscoa começava muitos meses antes, quanto, em cada casa, as mães
quebravam cuidadosamente só a pontinha de cada ovo usado, para guardar as
casquinhas vazias. Elas eram lavadas, secas e armazenadas, e só de olhá-las já
se criava uma expectativa a respeito da Páscoa.
Ainda
antes da Semana Santa já se começava a preparar a Páscoa. Cada casquinha era
decorada, e as formas eram muitas. Podia-se pintá-las com tinta a óleo ou
outras tintas apropriadas que existiam, que lhes davam lindas cores vivas, ou
podia-se decorá-las com tiras e tiras de papel de seda ou crepom picotados, que
as deixavam com uma cara de gostosas! Essas eram as formas mais fáceis de
decorar casquinhas – havia outras, é claro, mais sofisticadas, e resquícios
delas ainda aparecem nas lojas especializadas nesta época do ano. Paralelamente
à confecção das casquinhas, se faziam as cestas, usando papelão e muito papel
colorido picotado e encrespado, serviço para noites e noites à volta do rádio.
Algumas crianças tinham a felicidade de possuir cestinhas de vime, que eram
reaproveitadas a cada ano.
Era
necessário, também, preparar o amendoim, que a gente comprava com casca,
descascava, torrava, tirava as pelezinhas, para depois a mãe da gente
confeitá-lo com calda de açúcar, ato que por si só já gerava uma grande magia,
com a criançada toda em torno do fogão prendendo a respiração para ver se a
calda “dava ponto”. Depois era hora de encher as casquinhas, e fechá-las com
estrelinhas de papel coladas com cola de trigo. De noite, misteriosamente, tudo
sumia: o Coelho levava as guloseimas e as cestinhas embora para sua toca.
Faziam-se,
também, os ovos cozidos pascoais. Colava-se folhinhas de avenca, de rosa, etc
(com clara de ovo) em ovos frescos, os quais eram amarrados dentro de
trouxinhas de pano e depois cozidos em águas com plantas que lhes davam cor.
Marcela, casca seca de cebola e capim melado produziam ovos de três tons de
amarelo; a batata de cebolinha vermelha produzia ovos vermelhos. Depois do
cozimento, tirava-se a trouxinha e as folhas, e se obtinha belos ovos decorados
para serem comidos no café da manhã de Páscoa.
Ah! A
manhã de Páscoa! Na véspera, as crianças tinham feito seus ninhos, com palha ou
capim, ninhos enfeitados com pétalas de flores e papel colorido picado,
escondido no jardim. O despertar na manhã de Páscoa era uma loucura: corria-se
para fora de casa ainda de camisola, a procurar o que o Coelho deixara. No
ninho sempre havia alguma coisa, mas havia coisas também, escondidas em todos
os cantos possíveis. Acontecia de a cesta da gente estar escondida dentro do
galinheiro (todos tinham galinheiros nessa época), e aí havia outra surpresa:
as galinhas brancas estavam azuis, ou verdes, resultado de paciente trabalho
dos pais, durante a noite, que lhes pintara as penas com anilina. Nós não
tínhamos vacas, mas nas casas onde as havia, as partes brancas do pêlo delas
também eram coloridas com anilina, e tudo aquilo criava um encanto muito grande
nas nossas mentes infantis. Era um ser maravilhoso, esse Coelho!
Nas manhãs
já frias de Abril, voltávamos para casa com as cestas cheias de casquinhas e
alguns espetaculares chocolates (chocolate, na época em que eu cresci, só era
comido no Natal e na Páscoa), que eram contados e divididos igualmente entre
todas as crianças. Ia-se à Igreja, a seguir, à missa das nove, e o ar fino e já
frio de Abril estava totalmente impregnado de uma profunda magia, e a gente não
via a hora de voltar para casa para começar a comer as guloseimas! Primos
vinham brincar, nestas tardes de um tempo em que a Páscoa era tão maravilhosa,
e a gente criava cenários fantásticos nos gramados verdes, onde os coelhinhos
de chocolates e os ovos eram personagens.
Ah! Que
pena que o espaço está acabando! Quanto, quanto ainda queira falar sobre as
antigas Páscoas! Mas acho que já deu para dar uma idéia de que elas eram muito
diferentes da Páscoa que a sociedade de consumo criou: qual é a graça de levar
as crianças aos supermercados para escolher seu tipo de ovo preferido? Onde
ficou a magia da espera e do Coelho?
Blumenau,
24 de março de 1996.
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