Por Leandro Bertoldo Silva (Padre
Paraíso, MG)
Levantou-se cedo. Enquanto a
água fervia para o café, se arrumou e verificou se estava tudo certo com o
material da escola. Era o seu primeiro dia de aula e não tinha a menor ideia do
que encontraria, principalmente após a recomendação da diretora dias antes:
“Não vá puxar muito dos alunos, professor. Eles não estão acostumados. Além dos
mais, estamos no interior…”.
O fato de ter vindo da capital
nunca fora para Isidoro preceito de ser diferente. E daí estar no interior?
Muito estranho. Mas lá foi Isidoro com uma diferença, sim, ao menos estrutural.
Ele não tinha uma pasta ou bolsa, como os outros professores; ao contrário, ele
tinha uma mala repleta de livros e carregava às costas um violão. E foi assim
que adentrou pela primeira vez aquele portão escuro como o novo professor de
Português.
Embora e escola estivesse toda
pintada e com panos esticados em formato de grandes triângulos em tons
diferentes, a falta de cor era evidente, não uma cor física, mas uma cor de
alma, de falta de sorrisos reforçada pelo cinza do piso o qual gritava aos seus
olhos. Sempre pensou: “As escolas nunca deveriam ser cinza, nem mesmo onde
pisamos.” No entanto, estava ele ali em meio a uma a esperar pacientemente o
seu momento de conhecer os alunos.
Feitas as apresentações, os
alunos foram para as suas salas desanimados e desbotados, enquanto os
professores, em desmaio de cores a reclamarem do fim das férias, foram pegar os
seus pincéis. Isidoro não precisava deles, a não ser para pintar o chão, onde
um rolo seria mais adequado.
Nem pinceis e nem rolo.
Adivinhou-se na entrada de cada turma o que Isidoro trazia de novidade. No
lugar do “bom-dia, vamos sentar nos seus lugares”, o novato professor
sentava-se em cima das carteiras junto aos alunos, ou no chão os convidando a
fazerem o mesmo, sacando o violão e contando-lhes histórias.
Os dias foram passando e o
professor seguiu a sua tentativa de colorir a escola. Entendia agora o porquê
em tempos meninos, ainda no jardim da infância, quando seus pais perguntavam o
que ele havia feito, ele respondia: “Eu só coloro”. Essa sempre foi a sua
missão, ainda mais do que ensinar as próprias letras.
Porém, o empreendimento era
árduo. Não contava com os outros professores e muitos alunos não compreendiam
nem o vermelho, nem o azul ou qualquer outra cor de suas palavras. Sentia-se na
superfície, não havia profundidades. Lembrou-se da sentença da diretora ao
recomendá-lo cautelas. Estaria ela com a razão?
Isidoro foi para casa.
Pensativo. Queria tanto colorir se não a escola, ao menos o coração daquelas
crianças e jovens! Em sua biblioteca buscava nos livros a cor perfeita a salvar
do desbotamento contagiante aqueles que se acinzentavam. De repente seus olhos pousaram em um pequeno
livro de capa preta, sem atrativos e muito sem graça em meio a tantos outros
volumosos. No título lia-se: “O coração escuta pela boca”, de Silvana de
Menezes. Tratava-se da biografia romanceada de Freud. Será?… Nunca acreditou em
julgar um livro pela capa. Pegou-o e o guardou em sua mala. No dia seguinte o
apresentaria para os alunos na berma de um pensamento: “as pessoas são como os
livros; algumas serão tocadas, lidas e descobertas enquanto outras permanecerão
fechadas”.
Tal pensamento se refletiu na
realidade quando, em meio a vários alunos e alunas, Isidoro viu brilhar um
amarelo diferente, um ponto de luz nos olhos de uma menina. Nenhum livro havia
conseguido tal feito. E fora justamente aquele de capa preta a ganhar
variedades de belezas como um caleidoscópio a fazer nascer alguns anos mais
tarde uma profissão.
A menina, miúda ainda de
idade, cresceu com o passar dos anos, os mesmos anos que fizeram Isidoro não
estar mais naquela escola, pois o tempo não havia colorido os seus
despropósitos.
Sentado junto à janela a olhar
uma flor prestes a abrir em seu jardim, ouve um toque de mensagem em seu
telefone:
“Oi, professor, tudo bem? Hoje
é o lançamento do meu trabalho, do meu projeto como psicóloga e eu postei um
vídeo explicando o motivo de ter escolhido a psicologia. Obviamente você fez
parte disso, fez parte lá das raízes até as folhas e as flores dessa árvore
linda que eu construí. E não tem como falar desse projeto sem me lembrar de
você. Foi por causa do livro que você passou, “O coração escuta pela boca”, que
esse amor nasceu em meu coração. Estou te mandando essa mensagem para te
agradecer. Essa vitória não é só minha, essa vitória é nossa. Muito obrigada
mesmo por ter feito parte disso”.
Ao escutar a mensagem e com os
olhos marejados, viu que a flor, em um colorido intenso e cintilante, acabara
de se abrir.
*A mensagem descrita acima é
real e dedico essa história à Fabiene Lemos, antes uma aluna, hoje uma amiga.
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