Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
‘’Em algum lugar, em algum momento
vai aparecer alguém
Que tenha orgulho de estar ao seu
lado,
Em todos os momentos de sua vida vai
querer estar ao seu lado,
Do jeitinho que tu és...’’
Fabiane Braga Lima
O que se convencionou chamar de Beco do Brooklyn, na
verdade era um breve trecho, de uma pequena cidade praiana e turística, com
vícios das grandes metrópoles.
São duas ruas pequenas paralelas, que vão se encontrar em outra pequena rua. Os
muros altos sem janelas das casas, prédios e galpões dão um ar de
impessoalidade carcerária ao lugar, as calçadas precárias e camadas asfálticas
esburacadas das ruas completam a decadência do conjunto da obra. A Iluminação
precária das vielas favorece a malta perdida que por ali passa, fica pouco
tempo e vai embora, coisas bem comuns nas grandes e médias cidades
apopléticas.
Ao final do Beco do Brooklyn, existem três prédios, um
estacionamento privativo e uma galeria subjacente no primeiro piso de um dos
prédios. A galeria ligava o conjunto de vielas a outra viela emparedada pelos
outros dois prédios. Esta viela liga as outras vielas a uma movimentada e
aprazível avenida movimentada à beira mar. Segundo as páginas dos jornais
locais dão conta que o prédio, que abrigava a galeria, existia ali vendas
de serviços para diversão adulta.
Na galeria do Beco do Brooklyn existiam três
comércios apenas, uma loja de produtos esportivos, especializada em esqueite e
seus derivados, uma lanchonete frequentada por jovens e um pianos bar.
O pianos bar elegantemente decorado, de propriedade de um senhor de meia idade
era uma ponte entre mundos, a priori turistas acidentais e poucos
frequentadores locais.
Para o desgosto do senhor oriental de meia idade. O refinado bar logo depois de
inaugurado, recebeu uma enxurrada de gente praiana, os locais, a maioria
ligados ao mundo das belas-artes e belas-letras. Eram poetisas e poetas
malditos, atrizes, atores, pintoras e pintores, radialistas, escritoras e
escritores obscuros, jornalistas e articulistas de jornais locais, editores de
livros, de jornais e de revistas culturais, músicos variados, livreiros
independentes, ilustradores freelancers, reconhecidos e renomados professoras e
professores universitários e pensadores rebeldes. E toda a malta de pequenos
funcionários públicos, pequenos burocratas e tecnocratas, pequenos corretores
de imóveis e toda a sorte da raia miúda e imperceptível pela grande burguesia.
A revelia do dono do pianos bar, uma série de lançamentos de livros, de discos,
revistas literárias alternativas, saraus, declamações, leitura de textos
variados e exposições de fotografias. E fervorosos debates, palestras e
contendas de ideias e correntes estéticas de toda ordem e permeados de
discussões acaloradas pelos vapores e sabores do etílicos.
Pintores e pintoras de variadas matizes, escolas e tendências estéticas,
eles e elas simplesmente trouxeram as suas paletas de madeira de tintas e seus
pincéis e começaram a trabalhar. O senhor oriental atônito e paciente esperou simplesmente
a horda ir embora, mas simplesmente não foram embora.
Uma noite, uma misteriosa e bela jovem oriental aparece no
pianos bar. Quieta, bebericava saque e sempre com trajes orientais com seu
leque vermelho, que iam e vinham pelo ar e às vezes cobria o belo rosto e
encobria seu sorriso tímido.
Um tempo depois e uma nevoenta fria noite de outono, ela simplesmente
sentou no assento do pianista e começou a dedilhar com maestria. Depois começou
a atender pedidos aleatórios vindos da plateia, que estava alta pelos sabores e
vapores de gins tônicas, coquetéis, vodcas geladas, uísques, vinhos e cervejas
afins.
Na noite seguinte a misteriosa oriental usava um ocidental vestida preto e
reluzente de melindrosa, com direito a uma pena na cabeça. Ela toda feliz,
retomou o seu posto no piano de cauda, ocupou de forma triunfal. Maria
Madalena, Madalena e Madá, se misturam os nomes entre silvos, brados e gritos
vindo da plateia a plenos pulmões.
Nessa vez a moça ignorou completamente a plateia e começou a tocar e cantar
músicas românticas obscuras. Os aplausos vindo de todos os lugares inundaram o
ambiente. E ecoaram pela galeria, chegaram à beira mar e às escuras ruas do
Beco do Brooklyn.
Quando a noite terminava e o pianos bar baixava as suas portas, invariavelmente
vinha a efusão completa, uns tomavam o rumo das camadas obscuras e mal
iluminadas do Beco do Brooklyn. Como sátiros e bacantes iam buscar efêmeros
prazeres carnais no Tártaro, outros iam rumavam aos alturas do prédio com seu
comércio luxuriante, para sagra Afrodite, Eros e Vênus.
Madalena começou a brilhar naquele recanto obscuro e de liberdades e prazeres.
Entre uma noite e outra, ela era a musa, a atriz, a cantora, a musicista
clássica e popular, a declamadora, a oradora, a poetisa e a pintora. Ela era o
centro de todas as atenções de uma audiência voraz.
Juras de amor etéreo e carnal para ela eram contadas e cantados em versos e
prosas. Os perfeitos misteriosos e angelicais contornos orientais de Madalena
eram retratados e expostos em quadros vívidos.
Contudo Madalena era uma completa desconhecida, dela nada se sabia de fato,
para além de rumores sussurrados entredentes em veladas vozes baixas. Nem onde
e aonde vivia, com quem vivia, ou como vivia a dama misteriosa, a flor oriente.
Eram segredos velados, revelados e sussurrados aqui e ali ao pé do ouvido.
Ela era a exilada filha bastarda, de um rico empresário português de Macau, ela
era uma protegida amante secreta, de um político muito poderoso da região, ela
era uma prostituta cara, a ex-mulher que caiu em desgraça de um rígido militar
de alta patente de um país perdido, no sudeste asiático e que era uma rica dona
de um bordel frequentado por poucos escolhidos.
A musa oriental, por vez ou outra beija um pretendente apaixonado, também
beijava mulheres aleatórias aqui e ali. Mas não passava disso, além de nunca
aceitava convites, presentes ou que lhe pagassem as contas do que consumia no
pianos bar.
As únicas pessoas conhecidas, que experimentaram, ou davam a entender, que
conheciam a intimidade da musa Madalena eram as conhecidas exclusivas garotas
de programa Agnes e Cigana. As três invariavelmente chegavam juntas e
invariavelmente iam embora juntas no Pianos bar. Bebiam justas, se
beijavam e se confraternizavam como se fossem irmãs, na vida e de alma.
Samuel da
Costa é contista e funcionário público em Itajaí, Santa Catarina.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
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