Por
Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Não sei se alguma vez vos falei
do meu Menino Jesus.
É uma bonita imagem de madeira,
com pouco mais de quarenta e cinco centímetros de altura, sobre peanha lavrada
e doirejada; perfeitíssimo, como se fosse de carne e osso. Tem muito que contar
esse Menino. História, que passou e passa, quase como lenda, se geração a
geração.
Os ancestrais asseveravam que
havia há muito e muitos anos, no remoto século XIX, em Viseu ou Gonçalo,
menina, filha de agricultores abastados, que certo dia morreu de amores por
moço da quinta dos pais.
O namoro foi tão adiante, que
resolveram casar. Mas como? Se os pais da menina nem sequer queriam sonhar de
tal enlace?
Numa noite fria e escura, pela
calada, acordaram fugir. Rapto? Não: porque a menina, perdida de amores, levada
pela paixão, (dizem) tudo planeara.
Para não serem descobertos,
assentaram vir para o Porto, cidade grande e a muitas léguas da Beira-Alta.
Ficaram em Vila Nova de Gaia.
Onde? Ainda a tradição, indica: a Rua dos Ferradores.
Mas, a menina, caiu em grande
tristeza, numa aflitiva angustia. Não por se ter arrependido, mas porque lhe
faltava o seu Menino Jesus, que tanto amava.
Como a melancolia fosse tão
adiante a ponto de a menina adoecer, o marido, (dizem que se matrimoniaram, em
segredo, na igreja de Santa Marinha,) foi em demanda do Menino.
Já na Beira açodou-se falar com
amigo de confiança e traçou cuidadosamente o estratagema:
Os senhores da quinta,
costumavam ceder a imagem para velório de criancinhas.
Mandou-lhes mulher, já entrada
em anos, traja de luto cerrado, bater ao portão da quinta, solicitando, o
obséquio de emprestarem o Menino, para enterro de anjinho, que falecera numa
aldeia da cercania.
Obtido o almejado Menino, foi
pressuroso levá-Lo ao santeiro de Viseu, com ordem de fazer imagem, em madeira,
igualzinha, o mais rapidamente possível.
Ficou tão semelhante, que mal
se conseguia distinguir do original.
De regresso a casa,
apresentou-o à mulher, que o reaprendeu asperamente:
- "Não quero!...Não
quero!... Por que o roubaste? Leva-o... e entrega-o aos meus pais..."
Mas logo o marido, todo
risonho, explicou-lhe carinhosamente:
- "Não é o mesmo. É cópia,
feita pelo santeiro de Viseu!..."
E o Menino foi passando, ao
longo dos anos, de geração a geração, até chegar a mim.
Se a história, for verdadeira,
como acredito, é provável que algures, no distrito de Viseu, exista um Menino,
igualzinho ao meu...
Quem
sabe?
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