quinta-feira, 2 de maio de 2019

VOCÊ É VIOLADA DE TODAS AS FORMAS


Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

            Agora entro em outra questão, na violação da mulher. O que está dentro do contexto da solidão da mulher negra e todas as mulheres no Brasil. Ontem ele me falou de amor. Jurou amor ao ponto de eu acreditar.  Já hoje ele falou do meu corpo. Tudo que ele queria sobre mim não passava de pele, de formas e desejos. Não se iluda mulher, ele chega de mansinho como o homem da vida de uma mulher, que vai tirar ela da escuridão e trazê-la a vida. Você é violada em todos os sentidos e não percebe.
            Violada no não ouvi-la. Violada na falta de atenção quando você mais precisa. Violada com o seu machismo deprimindo você. Violada no seu corpo depreciando algo que na sua idéia de mulher perfeita ele não gostou. Melhor dizendo... Que ele não aprovou. Violada ao pedir fotos. Violada em não ter o seu não respeitado. Violada em fazê-la acreditar que é amor. Violada em exigir atenção somente para ele. Violada ao sumir sem lhe dar respostas.
            A mulher não é só agredida com pancadas, tapas, sendo molestada e estuprada. A mulher é agredida, violada, quando lhe roubam a sua liberdade de ser. Quando a tratam como lixo, quando querem que ela seja submissa e cale a sua voz. Quando se trata da mulher negra o contexto vem de muitos fatores, a cor da pele, o fator mulher, o baixo salário, as condições sociais...
            Na escravidão a vida da mulher era por obrigação e sem escolha alguma servir o seu dono, o senhor de escravos. Para ele, a mulher negra não passava de mais uma propriedade sua. O que de fato era. A mulher era exposta e vendida, aquele que a comprava podia fazer o que quisesse com ela. Cada escrava tinha uma função, as mais bonitas eram escolhidas pelos seus senhores para serem concubinas e domésticas. Ou seja, objeto sexual dos homens!
            A violação da mulher negra já vem desde esse período e por conseqüência a mulher atual carrega consigo o estigma de objeto sexual e serviçal daquele que a deseja. Do período escravocrata a mulher negra herdou os trabalhos dantes escravos, o doméstico e tantos outros. Considerada inferior tem o menor salário no Brasil, abaixo do homem branco e o homem negro e a mulher branca. Ela cresce violada nos seus direitos e na sua identidade. Violada tendo que seguir os padrões de beleza regidos pela sociedade brasileira.
            Mas essa mulher atual abraça a sua luta e não se permite perder suas raízes e identidade. Mesmo com toda essa violação ela procura se encaixar na sociedade. A busca pela aceitação vai além de ser aceita pela sociedade e sim da aceitação de si mesma. Até mesmo porque mulher alguma nesse mundo é igual à outra, cada mulher tem a sua particularidade. E qual delas não passou pelo processo de aceitação? Eu mesma demorei a me aceitar. De certa forma eu não estava feliz. Tinha que me posicionar como mulher e negra. Eu não era mais aquela menina e não podia ficar a vida inteira achando que sou ‘’o patinho feio’’.
            Sou poetisa e com a escrita dei voz a muitas coisas que estavam em silêncio. E essa arte de escrever me trouxe a chance de eu conhecer a minha própria pessoa. Então decidi fazer disso uma arma de empoderamento na minha vida. Crescer e ter vida através do que eu mais gosto de fazer. Com essa determinação passei a entender muitas fragilidades minha.
            Eu não sou o rostinho bonito, ou o corpo bonito que muitos homens me falam. Eu sou uma mulher com todos seus defeitos e sentimentos. Para uns apenas o corpo, para outros apenas uma menina deficiente. Mas aí eu olho para trás e vejo o quanto eu andei. Eu não tenho o corpo perfeito, tenho minhas limitações físicas, não sigo as regras da sociedade e seus padrões, nem por isso vou ficar me escondendo. Com as fotografias quero mostrar o quão capaz é uma mulher e a sua infinita forma feminina. Através das fotografias podemos ver as diversidades e belezas da mulher brasileira.
            No Brasil como já dito por mim a mulher fica sempre em segundo plano, os piores salários e trabalho, o corpo sempre usado como apelo sexual nas mídias, a exigência lhe dada do corpo perfeito, levando em conta que para muitos da sociedade só existe um tipo de mulher. Nesse contexto de um tipo só de mulher, a mulher negra fica de fora, excluída sofre os piores preconceitos tanto por ser mulher como pela cor de sua pele.
            Dizem que sou feminista por lutar pelas mulheres. Mas será? Eu luto por aquilo que acho merecedor para todas as mulheres. Lutar pela igualdade e respeito de todas é ser feminista? Acredito que os meus ideais não cabem em sistema algum.
            Eu sou negra da pele clara, não admito que me digam o contrário por causa desse detalhe. Temos que admitir que ser mulher no Brasil não é nada fácil. O modo em que a mulher é tratada torna tudo mais difícil.
Então quando a mulher se descobre começa a buscar forças para ser bem mais do que sempre foi. Vejamos o meu caso, quando o meu lado mulher começou aflorar eu quis ser mais mulher e buscar todas as mulheres em mim através das fotografias. Com um belo sorriso e um olhar sedutor vi bem mais de mim, uma entrega. De repente com o simples gesto de olhar contemplando a mim mesma percebi a sedução nascendo de dentro para fora. Nem precisei me despir ou usar decotes extravagantes. Fui apenas eu na minha simplicidade.
            É assim que acontece. Mesmo com a baixa auto-estima relutando em nós buscamos sempre encontrar a nossa essência e com objetividade seguimos em frente. Cedo ou tarde nos reconhecemos.
O espelho em certas horas é o amigo que nos diz o quanto somos mulheres lindas. Depois cada parte do nosso corpo liberta nossos extintos.
O olhar é malicioso e despretensioso. Não temos motivos para a sedução. Só apenas sentimos.
            É a nossa liberdade quando olhamos para nós. Às vezes aparece alguém para romper esse elo celestial. Mas a gente segue na luta. Claro que muitas de nós fraquejam no meio do caminho. É natural que isso aconteça. Não somos de ferro. O ser humano tem mais fragilidade que ele mesmo próprio nem imagina.
A baixa auto-estima nasce de julgamentos, preconceitos e fatores familiares e sociais.
            O indivíduo muitas vezes se julga incapaz sendo criado com esse estigma de que é impossível e vai tentando lhe convencer que você não vai conseguir. Em alguns casos isso se procede no núcleo familiar e depois pela ausência de respeito no meio em que vive. Por isso nós mulheres temos que ser fortes e mostrar para a sociedade que somos mais que corpos. Que a nossa capacidade não acaba na cozinha. Até mesmo porque somos o coração do mundo, aquela que gera a vida.


Nenhum comentário:

Postar um comentário