domingo, 1 de setembro de 2019

DEVANEIO EM MANHÃ DE VERÃO


Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
  

Caminho tranquilamente, passo a passo, para os oitenta anos, e estou numa esplanada, à beira-mar, olhando o manso ondear das águas, do imenso oceano.
Longe, vejo o mar verde – verde glauco, – beijando suavemente as areias morenas; e mais além: barcaça, embrulhada em alva e diáfana névoa, esfumando-se rumo ao horizonte.
Por cima de tudo, rebrilha, esplêndido céu azul; azul intenso e fresco.
A manhã é macia, quase sem brisa, convidativa a doce sonolência.
Lentamente…lentamente…muito lentamente, dentro de mim, languidamente, tudo se vai esvanecendo…
Apaga-se o leve murmúrio embalador do oceano; o sussurro alegre de vozes perdidas, e risos escangalhados de crianças brincando.
Fecho os olhos. Abre-se, na memória, saudoso recorte do passado. Estampado na retina, vejo: cândido rosto de menininha:
Tem faces trigueiras, cor de pão centeio, tostadinho; olhos fogosos e ternurosos; lábios vermelhinhos, cor de cereja, cheios de risos festivos; epiderme, acetinada, doirada, sedosa, fresca, cheia de Sol.
Era ela; a garotinha que abria a porta da casa, quando era menino e moço.
Lançava os frágeis bracitos, ao pescoço; circundava-me, a cinta, com as perninhas roliças e finas; e, com infantil gesto carinhoso, lambuzava-me, as faces, de doces beijinhos.
Beijinhos húmidos, salivados. Beijinhos acariciadores, imbuídos de palavrinhas ternas, de sincera e ingénua amizade.
Depois…depois, pelo sombrio corredor, corria, balanceando a farta cabeleira, apanhada em rabo-de-cavalo, avisando, alegremente, a minha inesperada visita.
A saudosa cena familiar, que aflorou, arrancada à gaveta da memória, nesta serena manhã de Verão, encheu-me, o coração de terna saudade; saudade do passado, que passou, de passado, para sempre, perdido…; mas, intensamente, ainda vive, dentro de mim.

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Numa tépida manhã de Maio, banhada de morna luz rosácea, parti…As lágrimas escorriam-me pelo rosto, mal escanhoado, e a voz, embargada de saudade, tremia, soluçando.
Acreditava que o amor platónico, não teria fim…Enganei-me. Até a conversa epistolar, extinguiu-se, como nuvem passageira…
Meio século, passou… Passou a juventude e as ilusões…e passou, também, a amizade…
Eu sei… eu sei (mas, queria não saber,) que a amizade, depende, quase sempre, da idade, e da posição social, que se ocupa, no tabuleiro do xadrez da vida…
Muitas vezes – para meu mal, – mergulho em melancólicos devaneios, recordando amorosos episódios do passado. Transformo-os, então, em letra de forma. Servem-me para refletir: nos enganos e desenganos, que tive ao longo da vida.
Sei, ao passa-los ao papel, que são motivo de riso e galhofa, para insensíveis, e para muitos e muitas, que conheci no meu triste peregrinar.
Revelar o que nos vai na alma, é puro desconchavo. É que quem não pensa com a maioria; de acordo com o desvario, que é moda, é: anátema ou bobo….

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