Por
Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Caminho tranquilamente, passo a
passo, para os oitenta anos, e estou numa esplanada, à beira-mar, olhando o
manso ondear das águas, do imenso oceano.
Longe, vejo o mar verde – verde
glauco, – beijando suavemente as areias morenas; e mais além: barcaça, embrulhada
em alva e diáfana névoa, esfumando-se rumo ao horizonte.
Por cima de tudo, rebrilha, esplêndido
céu azul; azul intenso e fresco.
A manhã é macia, quase sem
brisa, convidativa a doce sonolência.
Lentamente…lentamente…muito
lentamente, dentro de mim, languidamente, tudo se vai esvanecendo…
Apaga-se o leve murmúrio
embalador do oceano; o sussurro alegre de vozes perdidas, e risos escangalhados
de crianças brincando.
Fecho os olhos. Abre-se, na
memória, saudoso recorte do passado. Estampado na retina, vejo: cândido rosto
de menininha:
Tem faces trigueiras, cor de
pão centeio, tostadinho; olhos fogosos e ternurosos; lábios vermelhinhos, cor
de cereja, cheios de risos festivos; epiderme, acetinada, doirada, sedosa,
fresca, cheia de Sol.
Era ela; a garotinha que abria
a porta da casa, quando era menino e moço.
Lançava os frágeis bracitos, ao
pescoço; circundava-me, a cinta, com as perninhas roliças e finas; e, com
infantil gesto carinhoso, lambuzava-me, as faces, de doces beijinhos.
Beijinhos húmidos, salivados.
Beijinhos acariciadores, imbuídos de palavrinhas ternas, de sincera e ingénua
amizade.
Depois…depois, pelo sombrio
corredor, corria, balanceando a farta cabeleira, apanhada em rabo-de-cavalo,
avisando, alegremente, a minha inesperada visita.
A saudosa cena familiar, que
aflorou, arrancada à gaveta da memória, nesta serena manhã de Verão, encheu-me,
o coração de terna saudade; saudade do passado, que passou, de passado, para
sempre, perdido…; mas, intensamente, ainda vive, dentro de mim.
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Numa tépida manhã de Maio,
banhada de morna luz rosácea, parti…As lágrimas escorriam-me pelo rosto, mal
escanhoado, e a voz, embargada de saudade, tremia, soluçando.
Acreditava que o amor
platónico, não teria fim…Enganei-me. Até a conversa epistolar, extinguiu-se,
como nuvem passageira…
Meio século, passou… Passou a
juventude e as ilusões…e passou, também, a amizade…
Eu sei… eu sei (mas, queria não
saber,) que a amizade, depende, quase sempre, da idade, e da posição social,
que se ocupa, no tabuleiro do xadrez da vida…
Muitas vezes – para meu mal, –
mergulho em melancólicos devaneios, recordando amorosos episódios do passado.
Transformo-os, então, em letra de forma. Servem-me para refletir: nos enganos e
desenganos, que tive ao longo da vida.
Sei, ao passa-los ao papel, que
são motivo de riso e galhofa, para insensíveis, e para muitos e muitas, que
conheci no meu triste peregrinar.
Revelar o que nos vai na alma,
é puro desconchavo. É que quem não pensa com a maioria; de acordo com o
desvario, que é moda, é: anátema ou bobo….
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