quarta-feira, 1 de setembro de 2021

GUERRA JUNQUEIRO E A "VELHICE DO PADRE ETERNO"

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

Velho amigo dos bancos colegiais, já falecido, dizia-me, com graça: " A filha de guerra Junqueiro (que ainda conheci,) é o castigo do Padre Eterno..."

Realmente a Senhora primava pela delicadeza, e pela ausência de beleza...

Guerra Junqueiro faleceu em 1923, a 7 de Julho, com 73 anos de idade, na cidade de Lisboa.

Foi dos principais responsáveis pela queda da Monarquia, e acérrimo demolidor dos Braganças.

Os violentos ataques à Igreja, eram ferozes verrinas à Religião, extremamente arrasadores.

Porém, nos derradeiros anos de vida, arrependeu-se acerbamente do que havia dito e escrito.

Em " Prosa Dispersas", amarguradamente escreveu: " Eu tenho sido, devo declará-lo, muito injusto com a Igreja. A Velhice do Padre Eterno é um livro da mocidade. Não o escreveria já aos quarenta anos. Animou-me e ditou-me o meu espírito cristão, mas cheio ainda de um racionalismo desvairado, um racionalismo de ignorância, estreito e superficial. Contendo belas coisas, é um livro mau, e muitas vezes abominável."

Sobre " A Pátria", considerou que deveriam ser expurgadas ofensas a Oliveira Martins e ao Rei D. Carlos.

Solicitou mesmo, ao amigo Conselheiro Luís Magalhães, que ao readitá-la, retirasse frases injuriosas. Ele próprio eliminou várias passagens, e deixou declaração escrita, que eram falsas as edições com a versão na integral.

Nos últimos dias, o poeta, tornou-se católico, pedindo que o funeral fosse cristão, e asseveram que se tornou monárquico...

Guerra Junqueiro, raras vezes escrevia em casa, na secretária, mas na rua passeando. Passava depois, a lápis, num retalho de papel.

Era baixinho, tinha enormes e espessas barbas, e vestia-se modestamente.

Certa vez, andava a passear e encontrou pequeno chavelho e levou-o pontapeando, na frente. Ao passar na praça da terra, camponeses, muito altos, ao vê-lo, desataram às gargalhadas, que ao poeta, afigurou-se de troça, e deu-lhes o troco:

- " Ah! Ah! Ah! Quê?! Tantos e tão grandes a rir à custa dum tão pequeno!"

Os que o ouviram levaram para as estaturas, e não para a imbecilidade (chifre) de quem se ria dele.

Foi excelente administrador. Deixou valiosa coleção de Arte e considerável fortuna.

Ao abordar o poeta e seu arrependimento tardio, lembrei-me do ilustre escritor açoriano, Vitorino Nemésio, e sua conversão.

Em 1955, ao conversar com o Bispo Emérito de Aveiro, D. Manuel Almeida Trindade, por longas três horas, o professor, em lágrimas, congraçou-se definitivamente com Deus.

Vitorino Nemésio, além de ser excelente escritor, era professor universitário, diretor do diário lisboeta: " O Dia", antigo mação, e comentador da RTP.

Segundo Agostinho de Campos, em: " Ler & Tresler", os grandes escritores portugueses do último quartel do século XX, foram vítimas do naturalismo: "Eça de Queirós, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, todos morreram arrependidos, de mal consigo próprios, desejosos de refazerem as suas vidas de outro modo, se isso lhes fosse possível."

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