Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
quinta-feira, 1 de junho de 2023
O CAFÉ DEFINITIVO
Por Dias Campos (São Paulo, SP)
Seja porque quisesse deixar um
legado universal, seja porque desejasse multiplicar sua fortuna para além do imaginável,
seja, enfim, porque nunca fora admirador da livre concorrência, o fato é que o Barão
de Barra Mansa, cafeicultor por profissão e químico e botânico por
diletantismo, há um bom tempo se debruçava sobre uma ideia no mínimo audaciosa
– criar o Café Definitivo.
Por esse termo, explicava em sua caderneta,
o Barão cobiçava produzir grãos que teriam o poder de transmitir a uma pessoa a
sensação de que sorvia o melhor dos cafés. Em outras palavras, agiria
diretamente nos receptores ligados ao paladar e ao olfato, “convencendo-os”, no
exato momento em que captassem os respectivos estímulos químicos, de que se
tratava da sua bebida ideal.
Sendo assim, pouco importaria se fulano já tivesse experimentado várias marcas
e afirmasse, sem a menor sombra de dúvida, que jamais abriria mão da que
escolhera como a de sua preferência. Da mesma forma, seria irrelevante se sicrano,
connaisseur que fosse, argumentasse
que a predileção por este ou por aquele produto dependeria da espécie cultivada,
do momento do plantio, do clima da região, da quantidade de irrigação, do tipo
de solo, e de outras tantas variáveis que interferem no sabor, no aroma e na
qualidade do café. Pois o comprador do Café Definitivo sempre se sentiria absolutamente
satisfeito.
O projeto, em si, não era dispendioso. Até porque, dinheiro não era
problema ao todo-poderoso, haja vista que, a partir de 1850, as exportações das
sacas para a Europa e para os Estados Unidos cresciam exponencialmente, fazendo
com que as fazendas do Vale do Paraíba fluminense chegassem a ser equiparadas a
verdadeiros palácios da opulência nas províncias. E a Fazenda Santo Elesbão, de
propriedade do Barão de Barra Mansa, era, sem dúvida, a que mais sobressaía.
O problema, pois, resumia-se em modificar as plantas que cultivava para
que gerassem sementes sui generis, as
únicas capazes de produzir uma “bebida arquetípica”. E para isto, ele usaria e
abusaria do conhecimento científico que adquirira.
De outra parte, tudo o que dissesse respeito a este ambicioso projeto
deveria ser encoberto pelo manto do sigilo absoluto, uma vez que, alcançado o
sucesso, o seu idealizador seria alçado ao patamar de o homem mais rico do
Brasil, quiçá do mundo!
Sendo assim, o Barão faria questão de preservá-lo até de sua esposa e
filha, que, como bem sabia, não eram propriamente exemplos de discrição.
No entanto, ambas se comportariam como verdadeiras cobaias, visto que,
como tinham o hábito de tomar café, mais cedo ou mais tarde suas feições e
comentários seriam os primeiros a revelarem o que o Barão tanto ansiava, os
deslumbres espontâneos, e essas reações o alertariam de que o sucesso enfim chegava.
– Desde que concebeu este sonho, o fazendeiro preferiu deixar da bebida, não só
para se manter isento quanto aos resultados, mas, também, porque, àquela época,
a azia já o queimava em seguida ao primeiro gole.
No entanto, mesmo com tantas precauções, o Barão achou interessante
ampliar o rol de “voluntários”, pois quanto maior o leque dos que sorveriam do
produto final, maiores as chances de serem notados aqueles deslumbramentos. Daí
que já pensava em enviar moleques para as fazendas próximas com a missão de
entregar cartas aos seus senhores, convidando-os para que viessem prosear,
saborear alguns quitutes, e tomar boas xícaras de café. De igual forma, também
achou interessante aumentar a frequência com que os saraus alegravam o casarão,
não apenas porque sua filha encontrava-se em idade casadoura, mas, também,
porque mais pessoas experimentariam o milagroso café.
Só que entre uma e outra experiências – tais como a adubação das mudas
com elementos químicos recém-descobertos ou os enxertos com ramos de plantas
alucinógenas – e a colheita dos grãos, a secagem, a torrefação, a moagem e, por
fim, os tão esperados primeiros goles, muito tempo decorreria, o que acarretava
ao fazendeiro uma angústia lancinante.
Ansiedade dribla-se com dedicação ao trabalho e muita disciplina, dizia
para si. E lá se ia para a estufa, adubar, enxertar, catalogar, meditar.
Passado algum tempo, e uma boa fração das tentativas começou a germinar.
O Barão não cabia em si de tanta felicidade. Seus olhos faiscavam diante
daquelas folhinhas que se mostravam verdadeiros diamantes. E já imaginava
comprar mais terras e escravos a fim de dobrar, que digo, de quadruplicar a produção!
A Baronesa e a Sinhazinha logo perceberam uma melhora radical no
comportamento do chefe da família. Esta, vendo o menor dos seus caprichos sendo
prontamente atendido; aquela, reacendendo os seus mais secretos desejos e sem nenhum
pudor.
O tempo passava conforme impõe a natureza. E dia a dia o Barão ia à
estufa examinar o seu tesouro. Se houvesse um único inseto a rondar algum
rebento, era perseguido sem tréguas e rapidamente eliminado; se verificasse o
que pareciam ser fungos, a planta era isolada e submetida a procedimento
adequado; e se suspeitasse que alguma gema precisava de estímulo ao
crescimento, pegava o violino e arriscava melodias do padre José Maurício.
Mesmo com todas essas cautelas, apenas quinze por cento dos brotos
acabaram vingando.
Era pouco, sem dúvida. Mas se ao final as plantas crescessem e,
frutificando, produzissem o almejado néctar, todo o tempo decorrido e toda a
dedicação dispensada teriam valido a pena.
Algumas plantas, porém, secaram depois de poucos meses; outras nada produziram;
outras, ainda, geraram sementes disformes e que foram logo desprezadas. E
apenas um único pé cresceu vigoroso, superou a altura esperada, floriu espetacularmente,
e gerou uma quantidade enorme de frutos.
Tamanhas e tão visíveis eram as discrepâncias daquele espécime que não
havia o que temer, o que desconfiar. Era claro que os céus premiavam a ciência
e o seu dedicado representante por meio daquele exemplar diferenciado. Agora
era aguardar só mais um pouco para que os grãos amadurecessem, fossem colhidos,
processados, e o precioso líquido, revelado ao mundo.
Tão entusiasmado e confiante ficou
o Barão que, negligenciando todos os rigores científicos que preconizam paciência,
achou por bem que seria mais do que justo comemorar, e em grande estilo. E
compartilhou com sua esposa a ideia de um grandioso sarau.
A Baronesa ficou maravilhada, não só porque adorava dançar, e fofocar,
mas, sobretudo, porque algum rapagão poderia cativar os olhos e o coração de
Sinhazinha. E com o aval do marido, pôs-se aos preparativos.
Por seu turno, o fazendeiro já se imaginava por entre os convivas. E a
cada brinde levantado, a cada charuto aceso, a cada valsa iniciada, a cada
poema declamado, tudo, enfim, aconteceria para louvá-lo em secreto e à sua
descoberta! E quando o voltarete começasse, tanto faria se perdesse ou ganhasse,
pois a melhor das cartas, a do sucesso meteórico, sabia-a muito bem escondida na
manga do seu destino.
A uma semana do sarau, e recebidas todas as confirmações dos convidados, o
próprio Barão já tinha colhido os últimos grãos que seu pé produzira. E para
espanto da Baronesa e de sua filha, do feitor e de alguns escravos que por ali
circulavam, ele mesmo os esparramara sobre um terreiro recém-construído; ele
pessoalmente os revolvera a fim de que secassem; e ele, em pessoa, recolheu,
ensacou, torrou e providenciou a moagem de suas pepitas.
Terminado todo esse trabalho – ele nunca soube o que eram calos nas mãos
– o fazendeiro teve algumas ideias que muito o agradaram, se bem que causariam certo
rebuliço, visto que quebrariam a etiqueta. Que tal se ele próprio fizesse as
honras e oferecesse o café recém-passado aos convivas? e que tal se as xícaras
não fossem servidas ao final, mas, sim, aos poucos, durante todo o evento? Desta
forma, poderia melhor observar as reações de um grande número de pessoas! Não
por isso que sua ansiedade só aumentava.
A Baronesa, que pelo comportamento anterior do marido chegou a suspeitar de
sua sanidade mental, achou essas inovações para lá de excêntricas. No entanto,
como seriam os detalhes que fariam do seu
sarau uma reunião ímpar, acabou concordando e de muito bom grado.
No dia do sarau, e logo pela manhã, o Barão chamou uma das cozinheiras e
lhe entregou um saco recheado do seu valiosíssimo pó. Disse que dele não se
desgrudasse sob pena de ir parar no tronco. Determinou, ainda, que deixasse preparadas
a bandeja de prata, as xícaras e o açúcar; e que a água se mantivesse bem aquecida,
pois, ao seu sinal, o café deveria ser prontamente coado. Em seguida, que o trouxesse
a fim de oferecerem aos convidados que ele indicaria.
Na hora aprazada, a elite assomava. E como ninguém quisesse ficar por
baixo, não havia carruagens sem palafreneiros, os castões das bengalas eram de
prata, e os patacões, de ouro, e as joias das damas reluziam mesmo na
escuridão. Podia-se mesmo afirmar que o sarau da Fazenda Santo Elesbão nada deveria
aos suntuosos bailes da corte, pois os músicos contratados mais de uma vez
tocaram para o imperador, não havia vinhos que não fossem franceses, e as
iguarias que seriam servidas eram idênticas às do último ágape celebrado no
Palácio Imperial.
A Baronesa desempenhava com esmero a sua nobre função de anfitriã, fosse
indicando às mucamas quem desejasse mais champanhe, fosse solicitando ao
maestro uma nova contradança, fosse, enfim, apimentando a expressão de quem quisesse
ouvir uma boa pilhéria.
Quanto ao Barão, vestia-se como toda a estirpe fluminense, que só faziam
importar o que de mais caro produzisse a alfaiataria da cidade luz.
Mas todos os olhos se voltavam para Sinhazinha, que, além de possuir uma
beleza estonteante, desfilava a última moda parisiense e ostentava um magnífico
conjunto de colar e brincos de brilhantes, o que refletiam o futuro dote e, por
conseguinte, faziam cintilar muitos olhares pretendentes.
A certa altura, quando o apetite dos mais idosos começava a ser saciado,
quando os jovens já se fartavam de tanto dançar, e quando as senhoras fofocavam
e riam à solta nos canapés, o Barão achou que o momento chegara. Dirigiu-se,
então, à cozinha e ordenou que o café fosse passado. E uma vez coado, a
responsável foi ao seu encontro.
Por uma questão de deferência, os primeiros agraciados seriam os
padrinhos de batismo da Sinhazinha, e que conversavam animadamente com o pároco
do vilarejo sobre a possível queda de um ministério.
É claro que a reação do trio foi idêntica – todos franziram as
sobrancelhas ante a inesperada quebra de etiqueta. Mas o Barão, matreiro que
fosse, já se tinha forrado, e foi logo dizendo tratar-se da última moda no Rio
de Janeiro. E como ninguém jamais ousaria desprezar tal novidade, a comadre recolheu
o leque e os cavalheiros puseram as taças de lado.
O fazendeiro teve ímpeto de rasgar elogios à sua descoberta, mas
conseguiu refrear a língua em nome da imparcialidade. Afinal, quanto menos
induzidos fossem, quanto maior fosse a espontaneidade das reações, mais certo se
sentiria quanto ao resultado positivo do seu projeto. – Lembrou, apenas, que
não os acompanharia por força da gastrite.
Após saudarem o dono da casa, e depois de adoçarem as respectivas bebidas,
os três se entregaram ao primeiro gole.
O Barão, se bem que se mantivesse
quieto, não conseguia camuflar o brilho nos olhos e o leve sorriso, enquanto
observava os velhos amigos, que retinham o líquido nas bocas.
Após engolirem, as reações ficaram mais evidentes. A comadre, cujas
sobrancelhas se tinham frisado, não conseguia dizer palavra, e apenas sorria; o
compadre, que meneara a cabeça para a direita e para a esquerda, entreabriu os
lábios, e olhava para o éter; e o pároco, depois de um delongado suspiro,
permitiu-se uma introspecção, enquanto fixava o anfitrião.
Como o Barão os intimasse com o semblante, os gaguejos começaram a
pipocar. E depois de se entreolharem, o trio acabou concordando que tomaram um
café no mínimo... exótico. E o felicitaram pela excelente safra.
O fazendeiro ficou sem saber o que
dizer, pois o que via e ouvia estava muito aquém do que imaginara. Chegou mesmo
a oferecer outras doses, no intuito de que melhor opinassem. Mas os três
recusaram polidamente, alegando, a comadre, que a bebida era por demais encorpada;
o compadre, que nunca tomara mais de uma xícara à noite; e o pároco, que se
abusasse, teria que se ver com a insônia.
O Barão agradeceu, insistiu para que aproveitassem a noite, pediu licença,
e puxou a escrava para um canto.
Questionada sobre se fizera algo de diferente ao passar o café, a pobre
moça garantiu que sempre fizera do mesmo jeito. E que nunca se queixaram do seu
café.
Encafifado, mandou chamar a Baronesa e a Sinhazinha.
E passados poucos minutos, ambas adentraram a cozinha, um tanto afoitas.
Indagado sobre o que acontecia, o Barão explicou que serviu o café que
cultivara para o compadre, sua esposa e o pároco. E que as reações não foram as
que ele esperava. Sendo assim, pediu que o provassem, e que fossem
absolutamente sinceras, pois o futuro da família estava em jogo.
Ressabiadas, e um tanto intimidadas, mãe e filha não tiveram alternativa.
E depois de adocicarem as bebidas, levaram o café às bocas.
A Baronesa não se aguentou e cuspiu ao longe o pouco que retivera!
Sinhazinha, por seu turno, também não se conteve, e vomitou o que ingerira no
almoço!
O fazendeiro esbugalhou os olhos! E mais estarrecido ficou quando ambas
começaram a despejar a realidade que ele jamais pensara ouvir. A bebida era
simplesmente horrível, intragável, abominável! um misto de água de lavadeira,
ferrugem e meias encardidas! E quando perguntado sobre se tudo não passava de
uma brincadeira de muito mau gosto, foi advertido de que nenhum de seus
convidados o aplaudiria.
O “cientista” ficou desconcertado. Não havia motivo para que sua família
estivesse mentindo. Daí que sentiu um frio na espinha ao imaginar o que experimentaram
(contidos) o compadre, sua esposa e o pároco. E começou a se questionar: Como
encararia os amigos de longa data? o que estariam pensando dele? sua amizade
ficaria abalada? teriam prevenido os demais convidados? deveria pôr a culpa na escrava
ou o melhor seria admitir que tudo não passara de um simples gracejo? estariam
passando mal, ou já teriam partido, afrontados e desfiando impropérios?
E como a Baronesa e a Sinhazinha dessem um tempo às reclamações, o Barão tentou
se justificar, alegando que algo teria dado errado no processo de produção, e
que, por isso, voltaria a servir o café tradicional, mas só ao término do sarau.
Pediu que não comentassem nada com ninguém; que se recompusessem e retornassem
para os convidados como se nada tivesse acontecido; e que evitassem topar com o
compadre, sua esposa e o pároco, pois é provável que estivessem “um tanto”
descontentes. Mas que ele os procuraria em seguida e explicaria esse tremendo
mal-entendido.
Depois de alguns minutos, tempo suficiente para que concatenasse as
ideais, o Barão retornou para o salão e foi ao encontro das infelizes cobaias.
Encontrou-as já recompostas, mas sem a alegria que lhes era peculiar. Explicou
que sua intenção fora a melhor possível, mas que, por infelicidade, o café que
separara tinha sido mal preparado, e que a escrava culpada seria duramente castigada.
O casal aceitou as explicações e aprovou a corrigenda. O pároco, contudo,
conclamou misericórdia. Ele, então, fazendo-se de cristão, acabou prometendo
que não a puniria.
O sarau varou a noite e foi um tremendo sucesso. A Baronesa estava
orgulhosa de si, sentindo-se invejada e satisfeita. Sinhazinha teve mais de um candidato
aos seus pés, sendo que não deixou de distribuir esperanças para todos. E o
Barão...
Mas o que teria dado de errado?! perguntava-se em pensamento, esparramado
na poltrona, no silêncio do gabinete. Será que algum vizinho mal intencionado descobriu
o seu projeto, cooptou o capataz e sabotou alguma fase bem debaixo das suas suíças?
Seria possível.
Não... Fora meticuloso ao extremo,
prevenindo-se sob todos os ângulos e não deixando uma só aresta que precisasse
ser aparada.
E depois de meditar por alguns minutos, a única resposta plausível a que
chegou foi a de que tudo não passara de uma provação a fim de testar a sua fé e
perseverança, justamente para que a vitória fosse ainda mais meritória.
O melhor que deveria fazer, portanto, seria ir dormir, refazer-se no sono,
e deixar para o dia seguinte o rever de todas as suas anotações. E foi o que
fez.
Na manhã seguinte, tomado logo o desjejum, o Barão se debruçou sobre sua
caderneta. Leu, releu e treleu tudo o que anotara. E nada pareceu equivocado,
temerário ou forçado.
Sendo assim, chegou a admitir que lhe faltassem conhecimentos para melhor
compreender e manipular os receptores ligados ao olfato e ao paladar. Mas se
recusou a aceitar que carecesse dos relativos à obtenção do sabor, do aroma e
da qualidade do seu café.
E quando já se dirigia para a
estufa decidido a fazer talhos no caule daquele pé experimental, visando a que
aumentasse a produção de frutos, foi surpreendido pela Baronesa que trazia um
grande envelope enviado por seu representante comercial nos Estados Unidos, e
que chegara no último paquete.
O fazendeiro retornou ao gabinete, trancou a porta, e abriu o envelope.
Havia uma carta e uma roseta com fita azul em que fora gravado o número 1.
Lendo a mensagem, o destinatário soube que seu café mereceu o primeiro lugar na
última Feira Mundial realizada em Nova Iorque, o que rendeu algumas notas nos
principais jornais daquela cidade e fez com que os importadores locais
disputassem à tapa a próxima safra. Terminava a missiva parabenizando-o pela
vitória, agradecendo a confiança nele depositada, e, como de praxe, aguardava
instruções.
É claro que o Barão ficou exultante. Em seguida, porém, viu-se em um
dilema. Se seu café tinha sido escolhido o melhor do mundo, e se o primeiro
resultado do seu projeto tinha sido um verdadeiro fiasco, não seria por demais
arriscado prosseguir com suas pretensões? Ora, se os futuros grãos fossem tão
ruins quanto os da primeira colheita, e se, por alguma infelicidade, este novo fracasso
vazasse, seria possível que os boatos voassem até os mercados ianque e europeu,
o que poria em dúvida a qualidade do seu produto e prejudicaria as exportações,
levando-o à bancarrota.
Não! Era preciso pôr um fim a esse risco! E o fazendeiro saiu do gabinete
determinado a destruir aquela aberração vegetal.
Mas quando entrou na estufa, portando um machado bem afiado, foi
surpreendido com um perfume indescritível, cujo aroma era totalmente diferente
de tudo o que já sentira! E ao olhar para o seu experimento, viu que estava
recamado de flores, e que estas eram bem maiores e muito mais vistosas e chamativas
que as da florada anterior.
Aproximou-se do pé de café, tomou de um das flores, sorveu todo aquele
bálsamo, e, como que embriagado, largou o machado e voou até Paris, cidade que
sabia ser o berço dos melhores, dos mais cobiçados e dos mais caros perfumes do
mundo.
E depois de reflexionar por alguns instantes, tempo esse em que reviu o
seu anseio por um legado universal, o seu desejo de multiplicar a fortuna, e o
seu desprezo pela livre concorrência, o Barão de Barra Mansa sentou-se, retirou
a caderneta da casaca, e rabiscou estas poucas palavras: O sonho do café ideal chega
ao fim. Mas o projeto do Perfume Definitivo apenas começa.
MATERNIDADE
Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)
Maternidade
era uma das palavras esquecidas no seu dicionário. Era fácil demais para
algumas pessoas pensarem nisso, não para ela, de corpo perfeito e vida em
liberdade. Por isso, seu ventre crescido estava na contramão de todos e
recordava sua rejeição. Daquele invólucro perfeito, ficariam cicatrizes, marcas
que sobreporiam ao efemeramente físico e atingiriam sonhos interrompidos.
Dejanira
era mulher do mundo. Esse era o resguardo que nunca pensou em abandonar, nem
sequer substituí-lo por um momento que fosse. Sentia-se sem vida, apesar da
vida que crescia dentro de si. E, agora, mesmo sendo duas, teimava em sua
solidão. O tempo passava, mas não levava a angústia que aumentava a cada dia
que a circunscrição de seu estado apontava. Já dividia seu alimento, mesmo sem
sua permissão, como seria dividir o resto? Era o que pensava desolada e
inquieta. Só havia um jeito: acabar logo com aquilo. Porém, o feto crescido já
era uma criança e, antes mesmo de pensar em qualquer outra coisa, de seu corpo
redondo começou a emergir um líquido que, ao rebentar da bolsa, jorrou junto
com uma sensação indefinível que a urgência do momento não permitiu reflexões.
Elas só vieram quando, já com a criança liberta deitada em seu peito em meio
aos médicos, começou a cantarolar uma cantiga de ninar no mesmo momento em que
seus seios saciavam o filho que calava a ouvir.
Seus
olhos recém-maternos se iluminaram, e o coração, que antes rejeitava, agora
acalentava e se punha a descobrir uma desconhecida impressão felina e
protetora.
A
mulher do mundo sem fronteiras não sabia se o choro convulso que irrompia
naquele instante era amor ou remorso, talvez fossem os dois. Aquele momento
eternizado na música que embalava sua criança fazia pensar: afinal, é a mãe
quem dá à luz um filho ou é o filho que faz nascer a mãe?
SONHOS
Por Izemar Fernandes Batista (Brasília, DF)
Deus sonha.
Sonha e cria estrelas,
galáxias,
e nebulosas.
E na Terra faz nascer
todas as rosas.
Sou filha.
Sonho.
Sonho e crio poemas,
que são minhas estrelas,
minhas galáxias
e minhas nebulosas.
Porque só sei fazer
versos,
não sei fazer rosas.
TENTATIVAS
Por Izemar Fernandes Batista (Brasília, DF)
Tentei fazer um verso,
mas uma flor se abriu
diante de mim,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas um passarinho me
envolveu numa canção,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas uma árvore me
ofereceu sombra,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas veio a chuva e
inundou meus pensamentos,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas o arco-íris coloriu o
meu olhar,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas o vento esfriou minha
ilusão,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas o mar me olhou com
seu olhar azul,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas um regato sussurrou
uma melodia triste,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas uma montanha me falou
de silêncio e solidão,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas as estrelas me
ofuscaram,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas a Lua me banhou de
luz,
e eu me esqueci da
palavra.
Tentei fazer um verso,
mas o Sol nasceu
e a natureza se
descortinou em temas.
E eu pude perceber,
que Deus já tinha escrito todos os poemas.
A ARTE DE CRIAR TORNADOS
Por Paulo Cezar S. Ventura (Nova Lima, MG)
Que Vô Ventura
é um artista não tenho dúvidas. Artista incompreendido, talvez, de arte
desconhecida, é possível, um artista a meu ver, no entanto. Busquei no
dicionário várias explicações para o verbete “arte”, para explicar um pouco das
artes de Vô Ventura, e justificar minha atribuição e para a descrição de uma de
suas artes: a de criar tornados. Vejamos, então:
Aptidão inata
para aplicar conhecimentos, usando talento ou habilidade, na demonstração de
uma ideia, um pensamento; pode se referir também ao resultado dessa
demonstração: no caso em questão, o tornado. Aí vem outra necessária
explicação: o que é um tornado? De volta ao dicionário encontramos várias
definições. A que nos interessa aqui é o redemoinho intenso e violento em forma
de cone invertido que, girando de modo muito veloz, destrói quase tudo por onde
passa.
Arte pode ser
também a aptidão natural para realizar algo, perícia, talento ou habilidade
para fazer algo. Aqui iremos nos referir ao talento para criar tornados.
Arte pode
também se referir à criatividade humana que, sem intenções práticas, representa
as experiências individuais ou coletivas, por meio de uma interpretação ou
impressão sensorial, emocional, afetiva, estética etc. Criar tornados é uma
arte que se enquadra nessa definição, não há intensões práticas no ato e
pode-se chegar a interpretações emocionais.
Essas notas são
suficientes para referenciar a arte de criar tornados, então vamos logo a
algumas ações que podem ser realizadas, segundo o manual proposto pelo Vô
Ventura. Vamos às ações sugeridas:
Para se iniciar
nesta arte é preciso abrir espaços em sua mente para pensamentos incertos e
ações inesperadas: quanto mais inesperados e imprevisíveis melhor. A
imprevisibilidade é a alma do negócio, ou melhor, da arte.
É preciso parar
o tempo: tornados só aparecem depois de calmarias, naqueles momentos em que se
esquece o instante anterior aos acontecimentos. Dominar o tempo é um dos
requisitos dessa arte milenar. Os povos antigos eram mestres nela.
Não veja
televisão se deseja criar tornados, esses não acontecem quando você está
paralisado assistindo aqueles programas tediosos da TV. Os canais de televisão
são os principais manipuladores da mente dos candidatos à arte de criar
tornados.
Estimule o frio
na barriga, esse é um ótimo indicador de possibilidades de surgimento de novos
tornados.
Cante no
chuveiro, ou em qualquer outro lugar, sempre que tiver vontade. Se você canta
bem ou canta mal, não tem importância. A música cantada com reais sentimentos
irão criar tornados em algum lugar.
Se for do sexo
feminino sempre saia de casa bonita: de salto bem alto e roupas que lhe vestem
bem, sentindo-se a rainha da bala chita. Pode ser que escute assobios. Mas assobios
e bater de asas de borboletas provocam tornados em algum lugar do planeta,
segundo a teoria do caos.
Se for do sexo
masculino, assobie quando vir uma mulher com ar de felicidade caminhando na rua.
Mas não a incomode, assédio não produz tornados. O assédio produz ondas
gigantes capazes de naufragar navios.
Seja
incondicionalmente feliz: a felicidade provoca alterações orgânicas em algumas
pessoas de nossa vizinhança, alterações essas que aumentam a probabilidade de
surgimento de tornados exatamente por serem imprevisíveis (seja feliz por
querer). Pessoas felizes são completamente imprevisíveis, fundamental para a
arte de criar tornados.
Ponha um gosto
de amor na tua boca, nas tuas mãos, em teus gestos. O amor é essencial para a
criação de tornados, pois ele faz surgir aquela tempestade boa dentro da
gente.
Se caminha com
fé em si mesmo, bons tornados serão criados.
Você pode até
pensar que tornados são destruidores. Sim, mas sempre acabam e sempre é
possível reconstruir. Mas aí já é outra arte, a arte do recomeço, da
reconstrução. Depois do tornado, sempre seremos outra pessoa, em geral bem
melhor que a anterior. Portanto, segundo Vô Ventura, é melhor se esmerar na
arte de criar tornados.
Contato: pcventura@gmail.com
A FAMÍLIA DE EZEQUIEL
Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)
— Tenho uma surpresa, irá gostar. —
Anunciou Ezequiel com sadismo para a namorada.
Lina nada disse, se calou, pois se
lembrou das cicatrizes na face, em particular, hoje no âmago as marcas ardiam
de forma cruel. A estudante de medicina se arrumou, e foi estudar, como
bolsista que era, queria que os pais se orgulhassem dela.
Ezequiel, se
mostrou irado por não ter uma resposta da namorada. E foi encontrá-la na porta
do quarto que dividiam. Pegou-a com força pelos braços e a sacudiu.
— Tenho uma surpresa, irá gostar! —
Disse novamente Ezequiel.
— Desculpe-me, não prestei atenção. —
Disse Lina, com falácia e o abraçou.
Ezequiel, franziu a testa, agarrou
Lina, a arrastou para o quarto e jogou-a com força na cama.
— Hoje, não saíra do quarto! — Esbravejou
Ezequiel.
Amedrontada, Lina ficou deitada, por um
longo tempo, esperando a tal surpresa do namorado.
— Arrume-se, quero que conheça meus pais!
— Rosnou Ezequiel.
— Não posso, tenho um trabalho para
entregar…
— Cale-se e me obedeça! De hoje em diante,
será minha propriedade! — Esbravejou Ezequiel.
Lina mais uma vez, se lembrou das
cicatrizes, pois não as esquecia. Mas, obedeceu! Saiu da cama e aprontou a mala
com lentidão. Lina lamentava para si a cada peça que separava e colocava na
mala. Sai de formas furtivas, como quem foge ou outra dor que Lina teve que
suportar, notar os olhares das poucas pessoas nos corredores a machucou muito.
Entrando no luxuoso e moderno carro de Ezequiel, Lina não escondeu o
choro.
Foram mais de três horas de viagem,
por caminhos tortuosos e lá estavam eles diante de um enorme portão. O portão
se abriu quando o carro de Ezequiel se aproximou. Não era bem uma casa, mas sim
uma suntuosa mansão, com seus toques clássico e moderno. Os pais de Ezequiel,
estavam na porta, estavam sorrindo e receberam o jovem casal com cortesia. A
mãe de Ezequiel, cumprimentou-a e logo encarou o filho com rigor, ela toda
arrumada, com roupas de grife, porém esnobe.
— Onde arrumaste está mendiga, meu
filho? — Disse a senhora olhando profundamente para o filho.
— Mamãe, e minha namorada! — Respondeu
o filho gaguejando.
— Tens um nome honrado, para trazer uma
qualquer para a nossa casa! — Falou a furiosa a mãe de Ezequiel.
— Mas mamãe! Eu a amo...
— Dormirá no cômodo dos empregados, com
esta mendiga merece, apenas me obedeça! — Decretou a mão de Ezequiel. Enquanto
o austero pai de Ezequiel estava completamente calado.
Contrariando as ordens da mãe, o
casal passou a noite na casa de hóspedes. Como era tóxica sua família muito
explicava os atos de Ezequiel, ele tinha culpa por ser aquele vândalo, que
todos comentavam aos cochichos? Logo ao amanhecer, tomaram um rápido café,
arrumaram as malas e retornaram para Universidade. Na estrada tiveram o
silêncio como fiel companhia.
Ao chegarem na
entrada da universidade, Ezequiel de abrupto parou o carro e olhou fundo nos
olhos lacrimejantes de Lina!
— Perdoe-me? —
Perguntou Ezequiel para a namorada.
— Acalme-se, está tudo bem! — Respondeu Lina com toda a calma do mundo.
Contato:
bragalimafabiane@gmail.com
SE ACHEGUE, TEMPO!
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Pode se achegar tempo,
Estou de coração aberto
Para curar a dor
Que um dia ofuscou
A beleza da flor.
É a hora da libertação do sorriso,
De sentir a brisa do vento
Em cada parte do corpo.
Ôh tempo…
Eu quero me aconchegar
Na beleza do amor verdadeiro,
Sem feridas e atropelos.
Ter boas recomendações
E escrever uma linda história.
Pensar além da maldade humana,
Encontrar caminhos para o bem.
Ter o prazer do ritmo
Daquela melodia
Conduzir-me.
Dançar feito menina,
Sem ter hora pra fazer
Qualquer coisa.
Escolher a cor da paixão
Para vestir,
Mudar a cor do batom,
Ouvir o som da cidade
E estar em paz.
Clarisse da Costa é cronista e designer
gráfico em Biguaçu, Santa Catarina.
Contato: clarissedacosta81@gmail.com
EU E ENZO
Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)
Enzo
estava insuportável, com este cinzeiro, bate o tempo todo na mesa de centro.
Parece querer me tirar do sério. Quer saber, vou acabar com sua festa.
—
Me dê este cinzeiro, mal posso assistir minha novela.
—
Oras, Maria, anda estressada!? — Respondeu Enzo com desdém.
—
Como é sarcástico. Faz isto para me provocar. — Devolvi com raiva.
Retirei-me
da sala, mas fiquei espiando o que se passava com Enzo. Infeliz, estava me
provocando. Agora, só restava saber o motivo. Arrumei a casa, e logo me sentei
no sofá, ao lado de Enzo. E novamente, batendo aquele maldito cinzeiro.
—
Por que tem um cinzeiro Enzo, nunca fumou!? — Inqueri Enzo com raiva
—
Ah! Então, não, sabe o motivo! — Respondeu ele e emendou — Lembra- se do Senhor
Lucas, dona da imobiliária, na qual trabalho!?
—
Sim, lembro-me! — Respondi intrigada.
—
Ele me deu este cinzeiro, como gratidão, por tudo que faço a ele! — Falou Enzo
um tanto vago.
Não,
Enzo só pode ter enlouquecido. O senhor Lucas não o suporta, morre de ciúmes
dele, com sua esposa, afinal Enzo sempre foi um mulherengo inveterado.
Preciso
descobrir o que está acontecendo, amanhã vou até a imobiliária tentar descobrir
algo. Enzo que se prepare, pois nesta história não há nada concreto.
—
Bom, preciso dormir, estou exausta! Boa noite Enzo! — Falei, e parti para o
quarto indiferente a Enzo. Mas, se Enzo pensa que vou ficar quieta, ele está
enganado, eu posso ser a calmaria e às vezes posso ser o mar bravio, quando
quero descobrir algo.
Acordamos
cedo como de costume, eu fui dar aulas para crianças pequenas o dia todo como
de costume, sou professora das séries iniciais. Já Enzo, o que me parece só
bater o cartão e ir para casa ao cair da noite como um bom burocrata.
No
meio da tarde, começou a chover forte e a diretora da escola resolveu soltar as
crianças mais cedo. Chegando em casa, estranhei, fazia um silêncio, não escutei
Enzo bater cinzeiro. Deitei no sofá para tirar um cochilo. E de repente, ouço
gemidos, uma mulher gritava coisas obscenas, subi as escadas e notei que o
barulho vinha do meu quarto, a porta estava semiaberta. Céus, era Enzo com uma
mulher estavam nus. Estava péssima, mas fechei a porta e fingi não ter olhado
aquela cena desprezível. Fui para rua e voltei para casa mais tarde, Enzo
estava no sofá brincando com o cinzeiro como sempre, notei que estava de banho
tomado. Não disse nem boa noite e parti para o quarto, me atirei na cama e
dormi profundamente como estava.
No
dia seguinte, acordei antes de Enzo, eu abalada, engoli o choro e fui para a
escola. Afinal de contas, os meus alunos estavam me esperando. Ao final do dia,
eu desconsolada, voltei para casa. Enzo batia o cinzeiro, querendo me irritar,
foi então que notei mordidas em seu pescoço, em sua blusa, havia marcas de
batom. Respirei, ofegante, mas não puxei assunto com ele, apesar de querer uma
explicação. Deixei para ele tomar a iniciativa de me contar, sobre a tal
amante.
Nesses
dias conturbados, avistei de longe Jhon, um velho amigo e namorado do meu tempo
de faculdade.
—
Jane, sou eu Jhon! — Gritou ao longe e chegando mais de perto! — Continua
linda.
—
Jhon, que bom te encontrar, precisamos marcar um dia para colocar a conversa em
dia. — Disse para ele sorrindo, com os olhos.
Despedimo-nos
efusivamente com promessas mútuas de nos vermos de volta e fui para casa.
Eu não escutava mais o barulho do cinzeiro, e mais uma vez gemidos e gritos
obscenos de Enzo com a amante. Como a porta do quarto estava semiaberta,
comecei a gravar, assim poderia ter provas.
Fui
trabalhar, ao longe divisei Jhon, ele estava no portão da escola. Ele se
aproximou de mim sorrindo e eu devolvi sorrindo com os olhos.
—
Estava te esperando, não consegui parar de pensar em nós dois, como éramos
felizes, e apaixonados.
As
minhas pernas ficaram trêmulas, não sei se foi carência, mas ali estava um
homem de verdade, e que homem, como é lindo e romântico. Segurou minha nas
mãos, como adolescentes nos beijamos sem se importar com que estivesse vendo.
Contato:
bragalimafabiane@gmail.com
ENTRE ALVAS LUZES, NEGRAS SOMBRAS, DIÁFANOS SONHOS EM INTENSOS PRAZERES
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
‘’Fez-me
refém de tua loucura,
O grito
contido e o desejo omitido.
Preciso possuir teu corpo. Insanidade!
És tu a
primícia, que ofereço aos deuses,
És o
mistério, que toma o meu corpo,
Que invade
os meus desejos mais libidinosos,
Transbordando me dê vasta saudade.’’
Fabiane Braga
Lima
Das muitas sensações primevas e ancestrais, que podemos e sentimos, o medo do
desconhecido, é sem dúvidas a mais antiga e mais motivadora e, ao mesmo tempo,
a mais paralisante de todas as sensações. Luna, quando despertou do seu sono
profundo, por fim, um forte clarão cegou os seus frágeis olhos, da dramaturga,
obrigando a fechá-los novamente. E Luna, tentou levar as mãos aos olhos, mas
não conseguiu, tentou erguer a cabeça e também não conseguiu. Não era um
cansaço puro e simples, muito menos um esgotamento físico qualquer. Parecia que
uma poderosa força gravitacional, a empurrava para baixo a cada tentativa
folha. E a cada movimento, ela que fazia, a força gravitacional, a obrigava
recuar com veemência. Vencida por fim, Luna tateou, com as pontas dos dedos e
descobriu que estava em uma confortável cama, pois sentiu os lençóis de linho
egípcios. Luna moveu a cabeça, com dificuldades e pode sentir um confortável
travesseiro de penas de ganso.
Os olhos da dramaturga, de repente, começaram a aceitar a claridade e o espelho
no teto lhe deu as piores e as melhores sensações. Percebeu que estava nua, ela
percebeu que estava bem fisicamente e foram os melhores e os piores sentimentos
até então. O corpo de Luna, começou a emanar sensações, informações
fragmentadas, começaram a chegar sem avisos. Eram pequenas ondas, a princípio,
que se agigantavam. Eram ondas avassaladoras, de intensos prazeres e
satisfações físicas, que inundavam a confusa mente de Luna. E as palavras
sussurradas de Camilla, ecoaram nos recantos mais distantes, da mente da
dramaturga, naquela hora: — Bem vinda a minha teia, disse a aranha para a
mosca! — O clichê barato ecoou, através da máscara pálida da verdade.
Naquela hora negra, Luna não poderia reclamar de nada, do que tinha recebido, o
que ela estava procurando e acabou encontrando, o que pediu. E a dramaturga
teve certeza, que as informações, que faltava e precisava viriam com o tempo.
Prazeres e fortes sensações, na beira do mais profundo e mais negro de todos os
álgidos abismos. Ela queria viver a vida ao máximo, para o além do possível e
longe do imaginável no limitado mundo em vigília.
Luna
procurou e encontrou forças que procurava, conseguiu erguer a cabeça e viu o
que tanto procurava. Ela viu a si mesma, a poucos metros, um pouco além do
quarto em que estava. A dramaturga, estava vestindo um confortável roupão de
banho carmesim, ela estava segurando uma estilizada caneca rosa de café e os
vapores que emanavam da caneca, hipnotizaram Luna. Ela estava diante de uma
enorme janela de vidro, olhando para a imensidão sem fim do oceano, estava nas
alturas da Torre de Marfim e estava feliz, venerando a alvorada rubra. E de
repente ele apareceu, veio por trás dela, segurava uma estilizada caneca azul
marinho de café, os vapores intensos da caneca dele, se misturaram com os
vapores, da caneca de Luna. Ele também estava vestido, com um roupão amarelo,
que fazia par com o dela, ele abraçou Luna, afastou os cabelos sedosos e lhe
deu um terno beijo na nuca. A pele alvíssima dele, contrasta com a pele
amendoada dela, os longos e platinados cabelos lisos dele se misturaram com o
trigal cabelo liso perolado de Luna. Estavam felizes depois de uma noite de
amor.
(Fragmento
do livro Sono Paradoxal, de Samuel da Costa)
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
CHAMPAGNE ROSÉ GELADO E CIGARROS MENTOLADOS NA ZONA DE EXCLUSÃO
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
O passado é o passado, e o futuro é
incerto,
Hoje tudo que nos rodeia é tão
complexo e fluido,
E não podemos esquecer que o futuro
também
É uma questão de escolhas.
Fabiane Braga Lima
Ao subir as escadas do prédio, Luna pensou se tudo o que ela reivindicou,
estaria à sua espera, a máquina de escrever continental, as duas garrafas de
champagne Krug Rosé Brut, mergulhadas em um balde de gelo e um maço de cigarros
mentolados. A dramaturga ponderou para si, se os vizinhos acidentais, se
incomodariam com os barulhos, da velha máquina de escrever ou o forte olor
mentolado dos cigarros.
Ao chegar no quinto andar, Luna
percorreu, no corredor estreito, do velho e decadente prédio residencial, ela
divisou uma pequena mulher oriental, vestida com um delicado, sofisticado e
vermelho quimono japonês. Uma peça vinda diretamente do extremo oriente. Com
uma boquilha de jade, na mão esquerda, fumava um cigarro, um leque preto ornado
com um dragão amarelo. A mulher com o rosto coberto, com uma carregada
maquiagem, a mulher sorriu tímida para Luna. A dramaturga devolveu, com um
franco aceno com a cabeça, ao passar pela oriental. Uma leve e discreta
fragrância floral de jasmim, que emanava da pequena mulher oriental, não passou
despercebido por Luna.
No lado aposto, e um apartamento
afrente, havia um corpulento homem negro, com o corpo coberto de tatuagens, ele
tinha uma caixa de sapatos na mão, ele levantou a caixa para Luna. Em uma
língua estrangeira, ele disse que o mercado estava aberto. Atônita, consigo
mesma, Luna entendeu o que homem falou, em alto e bom tom, ele falou em língua
inglesa, com um forte sotaque dos guetos empobrecidos de Nova York. E em uma
olha mais apurada, a dramaturga reconheceu as roupas, que ele estava usando,
típicas das gangues de negros da costa leste, do distante país do norte.
Ao retomar a marcha, a escritora de meia idade voltou para a realidade e pensou
no que Camilla e Cacilda a impuseram. Deixar o mundo em vigília para trás e
experimentar um vislumbro, apenas um vislumbre do onírico, o mundo dos sonhos.
Luna ao mergulhar no mundo dos sonhos, experimentar todas as sensações
inimagináveis e impossíveis no mundo em vigila e abraçar Grege Sanders na beira
do negro abismo.
Luna queria entrar para o círculo íntimo,
das etéreas condessa Rodriguez e da negra imperatriz Sibelle Lopez. Mas o preço
era alto, a dramaturga deveria deixar para trás, o limitado mundo em vigília, e
sem olhar para trás. Caso Luna sobrevivesse ao pequeno teste a impuseram, algo
perigoso, mortal a bem da verdade.
A noite seria longa e os barulhos de
navios apitando, dos contêineres sendo movimentados, o perigoso comércio de
drogas ilegais no quarto ao lado e a sedenta clientela estrangeira, que a dita
gueixa receberia a cair da noite, não seria nada pelo que estava por vir.
Ao chegar no final do corredor, e adentrar no pequeno quarto e sala, Luna
fatiou o ambiente imerso na semiescuridão, e lá estava, ao lado de uma simples
cama de casal tubular, uma velha e rústica escrivaninha, uma obsoleta máquina
escrever alemã, uma confortável e moderna cadeira de escritório. Uma resma de
papel, ao lado de um sofisticado cinzeiro e um maço de cigarros mentolados.
Luna, entrou no apartamento sem pressa alguma, colocou o sobretudo no cabideiro
madeira Kandu, que estava ao lado da porta, o frigobar retrô ao lado do
cabideiro chamou a atenção da escritora. Luna se abaixou e abriu o frigobar
retrô e lá estava o balde de gelo, duas garrafas de champagne Krug Rosé Brut,
mergulhadas em gelo e uma sofisticada taça de fino cristal austríaco. Luna
sorriu e pensou: — Nenhuma surpresa até aqui! — A escritora ficou tentada a abrir
uma garrafa, e provar os sabores da fina bebida, mas como boa profissional
resistiu à tentação.
A escritora, encaminhou
até a escrivaninha, pegou o maço de cigarro, abriu, tirou um cigarro, levou até
a boca, tirou do bolso um isqueiro de prata, foi até a sacada e acendeu o
cigarro, ela olhou para o crepúsculo perdidamente.
— A noite vai ser longa! — Sussurrou Luna, na esperança que alguém nos confins
do universo a estaria velando por ela.
Na sacada do quinto andar, Luna divisou ao longe dois
satélites artificiais, eram dois drones militares, dois artefatos de
vigilância, que circundavam um prédio decadente. Luna pensou nos fatos que a
levaram até ali, naquele efêmero exílio involuntário, naquela zona de exclusão,
no velho centro comercial, próxima a zona portuária. Não demoraria muito e uma
voz metalizada e artificial a chamaria para a realidade, mas antes Luna queria
apreciar a fauna e a flora urbana, indo e vindo pelas ruas decrépitas. Famintos
cachorros sem donos, vagavam livres pelas ruas, cinco adolescentes negros se
preparavam para uma batalha de rima. Um velho músico com trajes típicos da
América central, o senhor com seu violão antigo, se retirava antes que a noite
quedasse. E os jovens conectaram seus obsoletos microfones, em uma moderna
caixa de som e começassem a batalha.
Um pouco mais longe, Luna admirou homens e mulheres, de pele de ébano,
com seus trajes multicoloridos, eles e elas estavam recolhendo suas bancas de
produtos falsificados. Luna viu os rappers felizes ao tirarem dos bolsos
comprimidos e a dramaturga calculou dois a três minutos até um homem ou mulher
da lei aparecer com um bastão em punho. Em um minuto e meio, a polícia montada
apareceu, era um casal de policiais que ergueram seus chicotes. O sincronizado
sobe e desce dos chicotes e gritos de dores e lamúrias que viram dos jovens não
comoveram Luna. Uma pequena amostra do se tornaria aquele lugar, ao cair na
noite.
A dramaturga olhou para câmera de vigilância, que estava a poucos metros dela,
a câmera que estava focada na ação da polícia se virou e passou a focar em
Luna. A escritora olhou bem para a câmera no alto do poste, Luna ergueu a mão
esquerda, com a mão fechada. A escritora abriu a mão e a fechou com força, a
grossa redoma de vidro, a prova de balas, se esmigalhou, Luna repetiu o ato e a
câmera explodiu em chamas.
— Então! Tu vais ter coragem mesmo? Vai mesmo compor a peça, para aquelas duas
demônias? — Uma voz doce ecoou na mente de Luna, que atormentou a escritora
mais que o comum. Ela não se lembrou de ligar, ou mesmo, ajustar a inteligência
artificial, mas se lembrou da própria mãe. A mãe de Luna deveria ter ajustado a
inteligência artificial, no modo babá, antes dela sair de casa. Assim pensou a
dramaturga.
Depois da avalanche tecnológica, que inundou todos os cantos do planeta, dos
grandes centros até as partes mais remotas do globo. A Inteligência artificial,
ou I.A, era a mais nova ferramenta digital, para pessoas que vivem sozinhas, ou
passam longos períodos em completa solidão. As recentes I.As, eram o que mais
se aproximavam de um ser humano, e cada modelo era adequado aos seus parceiros
humanos. Imagens projetadas, através de câmeras e dispositivos eletrônicos diversos,
ou simplesmente vozes projetadas, em alto falantes, ou mesmo, em parafernálias
eletrônicas minúsculas. Brincos de orelhas, botões de ternos, fones de ouvidos
acoplados a dispositivos eletrônicos, câmeras de vigilâncias projetavam
avatares, robôs aspiradores de pó foram adaptados para projetar os avatares e
os velhos relógios de pulso. As I.As eram acessíveis, baratas e cabiam em
qualquer lugar.
Àquela hora Luna torceu para que nenhuma imagem projetada estivesse atrás dela.
Mas estava, a escritora sentiu a presença digital de Elisa, sua amiga digital,
imposta pela mãe de Luna, desta tenra idade. Mas a escritora lembrou de onde
estava, estava uma zona de exclusão, onde se convencionou, não usar nada que
fosse eletrônico.
Ao cair da noite, ou próximo dela, poucas pessoas, que pensavam em circular
pelos arredores escuros da zona portuária e no mercado velho, não usavam
dispositivos eletrônicos. Ali não era recomendado usarem aparelhos eletrônicos
de qualquer tipo. Poucos homens e mulheres, geralmente da força de segurança,
eram os únicos que utilizavam mecanismos eletrônicos ali. Era um pressuposto,
uma regra não escrita, quem colocasse os pés naquela zona de exclusão estava,
ao cair da noite, o bom era andar sem tralhas eletrônicas.
A escritora lembrou das sombras que a
envolviam desde a tenra idade, que a acompanharam, por boa parte da vida. A
escritora também lembrou das sombras no olhar de Grege Sanders, as mesmas
sombras que envolviam e a sufocavam, vez ou outra. Luna vasculhou os bolsos,
foi até o casaco e também procurou um aparelho eletrônico qualquer e nada.
— Engraçado escutar vozes nesta altura
da vida! — Luna falou em alto e bom tom, mas ninguém respondeu, ela se dirigiu
até a escrivaninha. E a cara pálida de Cacilda tomou a mente de Luna, a
estranha criatura da noite, foi incisiva: — Tens que fazer um serviço para nós!
(Fragmento do livro: Sono Paradoxal, de Samuel da Costa)
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
ADEUS, MINHA QUERIDA!
Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)
Olhei profundamente em seus olhos,
então ele desviou o olhar. Parecia estar envergonhado, ou fugindo de algo, ou
de alguém. E eu não sabia do que ou de quem. Foi então que percebi. E pensei: —
Enzo não me ama mais, aliás, já faz tempo, que percebi a distância entre nós
dois!
Infelizmente, percebi como a nossa
relação, tinha esfriado, já não dormíamos juntos há muito tempo, não nos
tocávamos mais e nem ao menos nos beijávamos. De repente, a campainha toca, era
uma bela mulher, deveria ter uns vinte e cinco anos de idade. Alguma colega de
trabalho dele talvez.
Enzo surgiu por detrás de mim e de
repente o meu mundo desabou. Eles se beijaram perdidamente, a poucos
centímetros de mim.
— Lena, esta é minha namorada, queria
lhe falar! — Foi a única coisa que Enzo me disse. Ele, que nunca teve tempo
para me escutar. E agia como se eu não existisse
— Mentira! — Gritei alto.
— Não querida, há tempo que durmo no sofá, pois você detesta o meu cheiro.
Lembra? — disse Enzo com desprezo.
—Mentira! — Gritei novamente,
tentando me enganar, não aceitando a realidade diante de mim.
— Adeus querida! Cuide-se.
Fabiane Braga Lima é poetisa e contista
em Rio Claro, São Paulo.
Contato: bragalimafabiane@gmail.com
DAR O MELHOR DE MIM
Por Patrícia Raphael (Itajaí, SC)
A loucura é minha...
A sinceridade é minha...
A luta é minha...
O futuro é meu...
A promessa é minha...
A conquista é minha...
A surpresa é minha...
A hora é minha...
O carinho é meu...
O outro lado é meu...
A força é minha...
A paixão é minha...
A promessa é minha...
A amizade é minha...
A coragem é minha...
A sutileza é minha...
O ficar é meu...
O sentimento é meu...
O pensamento é meu...
A provação é minha...
O desejo é meu...
O receio é meu...
O amanhã é meu...
A passagem é minha!
Patrícia Raphael é poetisa e cronista de
Itajaí, Santa Catarina.