COMÉRCIO
Sem livros na prateleira
Drogaria que mantinha livros para a clientela usar, sem custo, é obrigada a retirar o material. Medida é questionada por escritora que trabalha com incentivo à leitura
Por Leilane Menezes
Comércio
Era pouco antes do meio-dia, na terça-feira da semana passada, quando uma fiscal da Vigilância Sanitária do Distrito Federal entrou em uma das farmácias da 302 Sul. Entre duas prateleiras de remédios, ela avistou quatro estantes cheias de livros. Depois de investigar o motivo de os exemplares estarem ali, a mulher descobriu que se tratava de uma biblioteca comunitária.
A fiscal, então, preencheu uma notificação, destinada ao dono da drogaria, estabelecendo o prazo de cinco dias para a retirada dos livros daquele ambiente. Explicou que a presença das publicações vai contra a lei federal que regulamenta a atividade das drogarias. E não abriu possibilidade de negociação (veja Nota da Vigilância Sanitária). A notícia surpreendeu a idealizadora do projeto de incentivo à leitura, a escritora Vânia Diniz, 68 anos, moradora da Asa Sul. O pequeno espaço literário tinha mais de 100 unidades expostas.
Machado de Assis, José de Alencar, Rachel de Queiroz e muitos outros escritores tiveram suas obras incluídas na coleção. Não só a literatura tinha vez: apostilas de concursos públicos também podiam ser vistas ali. Toda essa riqueza era oferecida aos clientes da farmácia, sem nenhum custo. Quem quisesse levar os livros para casa, tinha autorização. Várias pessoas também doavam novos títulos, como forma de incentivar a corrente de leitura. Com receio de ser multado, o dono do comércio, que pediu para não ser identificado, seguiu a instrução da fiscal, embora discordasse dos argumentos para retirar os livros.
A farmácia da 302 Sul, portanto, continua com sua destinação original, a de oferecer produtos que ajudem na cura de diferentes tipos de enfermidades. Palavras e pensamentos impressos — que, muitas vezes, podem trazer conforto espiritual ou emocional — não estão mais disponíveis ali. “As pessoas faziam um intercâmbio cultural enorme. Muita gente chega a uma farmácia precisando de apoio emocional. Os livros diminuíam a frieza do ambiente”, afirmou Vânia.
A escritora não concorda com as explicações da vigilância. “Tem biblioteca em açougue, em um monte de lugar. Que mal os livros podem fazer? Estragar os medicamentos, que são hermeticamente fechados e difíceis até de abrir? Seria ácaro? Seria poeira? Não aceito esses argumentos. Tenho certeza que faltou sensibilidade ao agente público. Estou de luto com essa atitude, realmente decepcionada”, protestou.
Paixão
Desde criança, a escritora alimenta o amor pelo ofício. “Meu avô, Raimundo, era escritor. Na casa dele, o Rio de Janeiro, eu conheci gente como Rachel de Queiroz. Fiquei fascinada por esse mundo e me dedico a ele desde então”, contou a carioca, que vive em Brasília desde 1969. Quando retiraram os livros da farmácia, Vânia diz ter tido a sensação de ver um filho sendo machucado. “Alguns dos exemplares ali levavam meu nome. O projeto era uma ideia minha. Fiquei muito abalada com essa rejeição.”
A biblioteca da farmácia não era a única mantida em um local inusitado e montada por Vânia, com ajuda de seu marido, o escritor de livros técnicos Paulo Diniz, 75 anos. Ela também inaugurou pontos de leitura no salão Marilene Cabeleireiros, na 414 Sul; na oficina mecânica Escapamento Melo, na 702 Norte; e na escola É DAC, na QL 6/8 do Lago Sul. Neste último local, há mais de 450 exemplares.
“Tenho a impressão de que as pessoas falam muito em leitura, mas leem muito pouco. O povo não está lendo. Isso me incomoda muito, porque a leitura é uma das maneiras mais eficazes de tirar alguém da exclusão do conhecimento”, avalia a escritora. Vânia lembra que, quando os livros chegam perto das pessoas, elas podem se interessar pelo universo da leitura. Assim ocorreu com a cabeleireira Tatiana Santos, 25 anos, moradora de Valparaíso. Quando viu os exemplares distribuídos por Vânia no local de trabalho, ela teve a curiosidade despertada e decidiu folhear um livro, como há muito tempo não fazia.
“Eu sempre gostei de ler, mas não tinha muita oportunidade para estar perto do livro. Agora, tenho esse costume. Levo para ler no ônibus. Gosto de poemas”, relatou Tatiana. Assim como ela, outras oito colegas do salão e as clientes também criaram gosto pela literatura. Mesmo diante da decepção, Vânia não desiste de espalhar conhecimento. No que depender dela, os livros estarão por todo lugar.
Pioneira dos imortais
Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza (CE), em 1910. Escreveu romances, entre eles Memorial de Maria Moura, que virou minissérie exibida pela TV Globo em 1994, protagonizado por Glória Pires; crônicas e peças teatrais. Em 1977, Rachel tornou-se a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. Morreu em 2003, enquanto dormia na rede, em casa, no Rio de Janeiro.
Perfil
Vânia Diniz
Tem 15 livros publicados. É presidente da Academia de Letras do Brasil, pertence ao Sindicato dos Escritores do DF, à União Brasileira de Escritores e à Rede de Escritoras Brasileiras. Mantém o site www.vaniadiniz.pro.br, no qual divulga as próprias obras e as de novos autores.
O outro lado
Nota da Vigilância Sanitária
“Realmente, a fiscalização da Vigilância Sanitária esteve no local, solicitando a retirada dos livros. Isso ocorreu pelo fato de o funcionamento de uma exposição de livros dentro de uma farmácia ser proibido por lei. De acordo com a norma RDC 44/2009 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Lei Federal nº 5991 de 1973, drogarias só podem expor e comercializar remédios. Qualquer outra mercadoria vai contra a lei e deve ser retirada”.
Fonte:Jornal CORREIO BRAZILIENSE, Caderno CIDADES, p. 66, edição de 24.fev.2011.
Querida Vânia, fico triste com a postura da vigilância sanitária, mas só tenho a aplaudir a sua. Pessoas como você fazem a diferença. Meu apoio e parabéns! Ao pessoal bur[r]ocrático da vigilância sanitária deixo a frase de Monteiro Lobato para que possam refletir: "Um país se faz com homens e livros".
ResponderExcluirRoberta Doelinger
Bjo grande,
Roberta
Mana, aproveitei e enviei este comentário para o Correio Braziliense:
ResponderExcluirÉ incrível a falta de atenção com aspectos da cultura. Lembrando uma frase da Bíblia, "O homem não foi feito para a lei mas a lei para o homem". E o que seria a lei para o homem neste caso? Significa que a aplicação da lei estaria prejudicando pessoas que não costumam ler, entram numa farmácia e aí encontram um incentivo para uma caminhada em busca da arte, das letras, da cultura! Lamentável.
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Cristina Arraes
Mais uma vez, Parabéns, amiga Vânia.
ResponderExcluirComentário de Meireluce Fernandes
Se todos nós brasileiros protestássemos, talvez, o País seria outro. BRAVO!
Tenha certeza de que você está fazendo a sua parte.
Beijos, da amiga, Meire
Comentário de Gustavo Dourado
ResponderExcluirQuerida Vânia:
Parabéns!
Sucesso na caminhada
Tudo de bom
Bjs
Gustavo
Amigas e amigos, devem se lembrar daquele episódio dos livros cedidos por Vânia Diniz e colocados em exibição numa Farmária de Brasília, livros que não estavam à venda e que foram retirados por uma fical da Vigilância Sanitária. Vejam a repercussão do caso num artigo, com foto, do Correio Brasiliense.
ResponderExcluirLeiam, por favor, até o final, onde verão a "justificativa" da tal Vigilância Sanitária... Lembro que o que Vânia tentou em Brasília existe em várias cidades pelo Brasil afora e é muito comum em países do primeiro mundo. Só isso.
Abraço amigo do
Francisco Simões.
NOME: ROSALIE GALLO
ResponderExcluirE-MAIL: rosgallo@terra.com.br
PARA ESCRITORA: VÂNIA
COMENTÁRIO: cara vania: assim que li seu primeiro e-mail imediatamente escrevi ao amigo Victor Alegria (Ed. Thesaurus), daí de Brasília, indignada pelo ocorrido e solicitando apoio... Fico feliz em saber que o que você fez e disse já rendeu jornal!!! Parabéns, Rosalie
Da Rebra(Rede de Escritoras Brasileiras)
Comentário do Escritor Elias Daher (Presidente do Sindicato dos Escritores do DF)
ResponderExcluirParabéns Vânia
pela iniciativa de socializar os livros em todos os ambientes
pela voz de protesto diante da arbitrariedade
Grande abraço
Elias
Comentário da Escritora Joyce Cavalccante (Presidente da Rebra)
ResponderExcluirÉ ASSIM QUE O MUNDO MELHORA, MINHA AMIGA. LINDA
ATITUDE. BEIJA DA JOYCE
Comentário da Escritora Fátima Paraguassu
ResponderExcluirGRANDE VÂNIA!
PARABÉNS
PUBLIQUEI ESSA MATÉRIA NO BLOG DA ALB/SANTACRUZDEGOIAS
FÁTIMA
Comentário do Escritor Luiz de Aquino
ResponderExcluirQuerida Vânia, isso é revoltante!
Luiz de Aquino
Mensagem da Escritora Erwelley de Andrasw
ResponderExcluirVânia Diniz, fiquei orgulhosa de você e sabia que não deixaria de maneira nenhuma essa injustiça passar em branco, pois sua determinação e luta é firme sempre.
Li e gostei muito da matéria, divulgarei onde for possível, parabéns pela atitude e saiba que pode contar comigo sempre.
Abraços, Érwelley.
Comentário da Escritora da Rebra Betty Silberstein
ResponderExcluirParabéns, Vânia.
É isso aí.
Botar a boca no trombone.
Esse pessoal de fiscalização deveria fiscalizar o próprio ego!!!
Esperoq ue voltem atrás nessa iniciativa que achei tãooooooo bacana.
Aqui em SP teve uma época que um posto de gasolina estava fazendo o seguinte: colocaram uma estantezinha com livros de quem quisesse. Você pegava um livro e deixava outro. Ou só deixava. Ou só pegava. A coisa tava indo tão bem, até que um dia... PUFffff desapareceu. Será que os ácaros atacavam TAMBÈM a gasolina???
Beijinho e admiração.
Sua coleguinha da REBRA
Betty Silberstein
Mensagem da Escritora Lílian Maial
ResponderExcluirParabéns, Vânia!
Um absurdo, em terra de tantos analfabetos, uma proibição descabida.
Beijos,
Lílian