Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
No
final de 1966 eu vi televisão a primeira vez – durante 15 minutos, um pedacinho
de novela – e fiquei encantada com aquela novidade. Mas voltei a ver televisão
de novo lá por 1968 ou 69, e muita a partir de 1970, com a Copa do Mundo no
México. Portanto, não vi o III Festival da MPB 1967 -
A Grande Final (TV Record), que aconteceu em outubro de 1967. Só ontem à noite,
40 anos depois, deparei-me com ele no www.youtube.com, e aproveitei para passar roupa a ferro enquanto o via. Claro que
desliguei o ferro uma dúzia de vezes para ficar ligada aqui na telinha vendo
aquele verdadeiro ESPETÁCULO que ele foi!
A fina flor
da moçada de então competindo entre si num palco modesto de um teatro, tendo
como maior glamour os seus talentos
tão imensos que até hoje não foram desbancados. Eu não vi aquele final de
festival, mas sabia de cor, uma por uma, as músicas que então concorreram, e
recordo vagamente de ouvir, no colégio Pedro II, meninas como Joyce Leitão ou
Berenice Silva, que já tinham televisão em casa, falar algumas coisas, que me
pareciam magníficas sobre o que tinham visto. Nesse tempo eu morava no Colégio
São José (Garcia/Blumenau), das queridas Irmãs da Providência de Gap, e lá nem
se imaginava, ainda, ver televisão. Penso que aprendi as músicas foi nos
radinhos à pilha da Dolores ou da Carmen, colegas que usavam a mesma sala de
estudos no Colégio São José, e que já tinham esses aparelhos quase primitivos,
com suas capinhas de couro marrom, última novidade da época. Eu ganharia o meu
próprio rádio só no ano seguinte, e o meu era uma coisa incomparável: designer avançado, capa de couro negro e
longa antena flexível, um desbunde!
Mas o que
quero contar foi o que vi ontem. Aconselho você a entrar no youtube e ver com
seus próprios olhos e seu coração – deixo até o endereço aqui: https://www.youtube.com/watch?v=kB5XJR6w2C4 .
Nem sei o
que contar primeiro. Talvez daquele palco tão pesado de tantos talentos que
valeria seu peso em diamantes; ou de um garoto sendo entrevistado e dizendo,
surpreso: “Televisão? Mas isto aqui está passando na televisão?”. Naquela
altura, ainda o chamavam de Veloso, com muita intimidade, como se fosse um
garoto qualquer, e Roberto Carlos, um menino, cantando “Maria, carnaval e
cinzas”, que cantei junto palavra por palavra, e Chico arriscando nos tempos
difíceis e cantando “Roda viva”, com os censores quase a bater-lhe à porta –
pois é, era tempo de ditadura, e para os que não sabem como é, fazer alguma
menção política era perigosíssimo, por mais velada que fosse, e inclusive vaiar
era muito perigoso também. Para os que estão pedindo ditadura de novo, seria
bom darem uma espiada no que aconteceu, pois o povo se sentia livre dentro
daquele teatro e vaiava com todas as forças, porque era o jeito que havia,
então, de resistir.
Voltando às
coisas veladas que uma ditadura exige, Gilberto Gil apresentou uma música que
parecia uma historinha de amor e ciúme, mas onde a mocinha tinha na mão um
sorvete e uma rosa. Vejam as dificuldades de não se poder falar: só a
genialidade do Gil para fazer rimar as coisas de tal modo que pudesse dizer que
o sorvete de morango era vermelho, e que a rosa era vermelha... cor
proibidíssima pela censura da época. Era a forma de engajamento que havia
então, e muita gente das artes foi punido, logo adiante das mais diversas
formas: Caetano foi expulso do Brasil e amargou o exílio em Londres; Chico teve
que ir embora para Itália, coisas assim. Acho que é bom contar estas coisas –
muita gente não sabe.
E então fico
pensando naqueles talentosos jovens todos que estavam lá – vou citar mais
alguns, como Nara Leão, Elis Regina, etc. etc, e que marcaram a vida das
pessoas e do país com suas músicas que são cantadas e ouvidas até hoje, e de
alguns que já partiram... choro agora, enquanto escrevo, de tanta saudade,
assim como chorei tanto ontem à noite, enquanto a roupa esperava o ferro de passar.
Tire um tempinho e veja também.
Sertão da
Enseada de Brito, 15 de novembro de 1917.
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