sábado, 2 de março de 2019

ADEUS, MEU AMIGO!


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
                                   (Texto publicado no ano de 1999 no livro “O nosso homem do Livro – Odilon Lunardelli”, produzido pela UBE – União Brasileira de Escritores de Santa Catarina)

                                   Adeus, meu amigo! – era tudo o que eu conseguia pensar ao olhar para o rosto descansado e sereno de Odilon Lunardelli, que há poucos dias dormiu seu último sono. “Adeus, meu amigo” – pensava eu, e doía demais aquele adeus, e eu ficava a lembrar das tantas coisas que eu devia a ele, das tantas alegrias que ele me dera, dos seus conselhos, das suas ideias, da sua importância para mim e para a maioria dos escritores de Santa Catarina.
                                   Muitos dos leitores não sabem quem foi Odilon Lunardelli, e então explico: Odilon Lunardelli era o meu editor, o homem que transformou em realidade o meu sonho, que me acompanhava desde criança, de ser escritora. Foi meu editor, e foi editor de tantos outros: era ele um idealista, um homem de livros que fazia livros por um ideal, que apostava nos escritores sem visar o lucro, que se entusiasmava com os escritos da gente mais do que a gente mesmo, que sonhava em ver seus autores conquistando o Brasil todo.
                                   Eu o conheci faz dezenove anos: andava a receber recados dele, que ouvira falar de um original meu, recados que me pediam para ir até lá, até Florianópolis e naquele tempo eu era muito jovem e insegura, e não sabia como enfrentar a figura temível de um poderoso editor. Um amigo comum acabou por me levar até ele, e fui amedrontada, esperando me defrontar com um bicho-papão – e acabei foi encontrando um amigo, um dos maiores amigos da minha vida, um amigo que confiou em mim mais do que eu própria. Um amigo que sempre fez tudo para que meus livros chegassem ao público. Lembro, agora, de sacrifícios que ele fez por mim – para publicar meu livro “Cruzeiros do Sul”, naqueles tempos incertos de inflação altíssima, Odilon Lunardelli deixou de trocar seu próprio carro, para custear o livro de quase 500 páginas.
                                   Ele passava os dias da sua vida no seu escritório. Era uma salinha acanhada e escura, com muitos livros e uma televisão, e uma cadeira e um sofá antigos. Quem não soubesse, não diria que era ali que se decidiam os destinos da maioria dos escritores de Santa Catarina – protegido atrás da sua mesa cheia de pilhas de originais, Odilon Lunardelli olhou a cada um de nós nos olhos, e para a maioria foi amigo – é difícil encontrar um escritor, no nosso Estado, que não tenha passado por aquela sala, que não tenha sentado no sofá escuro esperando uma decisão, que não tenha tido ao menos um livro com a logomarca da Lunardelli. Porque nosso amigo, que viera de outras profissões e outros caminhos, e que um dia decidira embarcar no sonho de ser editor, criara uma marca que ficou famosa, e ter na capa do livro da gente as palavras “Editora Lunardelli” era um orgulho e uma honra. Ele não me disse, mas eu li na “Veja” – a editora Lunardelli era a sexta maior editora do Brasil.
                                   Se a editora cresceu assim, foi devido ao sonho, ao idealismo do seu criador que, como já disse acima, trabalhava pelo coração e não visava o lucro. Extremamente honesto, Odilon Lunardelli fazia questão de que soubéssemos cada coisa a respeito de cada livro da gente: mandava-nos as notas a cada edição nova que saía, numa preocupação constante de que não duvidássemos dele. Preocupação inútil – como duvidar de um amigo que era como um anjo? Nunca ligou para a lei de direitos autorais, que manda a editora prestar contas ao escritor a cada seis meses – mal e mal o livro novo ou a edição nova chegava na praça, e já estava ele a nos mandar um cheque que cobria a edição ou todo o livro. A preocupação com a honestidade extrema era uma das suas características mais marcantes.
                                   E, faz poucos dias, sem mais nem menos, ele nos deixou. Foi dormir no sábado e partiu dormindo. No domingo, só havia o seu corpo por aqui, e um buraco enorme que é a sua falta.
                                   Sinto-me órfã sem ele. Uma saudade imensa e dolorida me faz lembra-lo lá no seu escritório acanhado, sempre a me estimular, me aconselhar, a apostar em mim. E o meu coração machucado pulsa dizendo sempre essas palavras: “Adeus, meu amigo! Adeus, meu grande amigo!” E eu desejo que a luz perpétua o ilumine, como você iluminou a minha vida!

                                               


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