Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Talvez
interesse aos colegas de todo o Brasil saber do que ocorreu com os donativos da
Campanha da Solidariedade, efetuada em decorrência das enchentes do mês de
julho em Santa Catarina. Sei apenas uma pequena parte, mas acho que os colegas
terão interesse em conhecê-la também.
Após
a tragédia, que foi trágica mesmo, de todo o Brasil começaram a chegar
donativos para a nossa Agência, muito mais do que seria necessário para
atender a todos os economiários. Então
os excedentes começaram a ser distribuídos para pessoas mais carentes.
Há
uma pequena comunidade no Vale do Itajaí, chamada Espinheiros, que até as
enchentes era próspera, independente, sem carências. À beira da rodovia ela
vivia pacificamente, formada por pequenos agricultores, que tinham suas
plantações de cana de açúcar, suas hortas, suas galinhas, porcos, a vaca
leiteira muito mansa, a família reunida e feliz. No verão, os nossos amigos
armam tendas à beira da rodovia e vendem centenas de melancias para o pessoal
que acorre às praias próximas.
Seu
Júlio, um dia, abriu uma vendinha na beira da estrada, onde vendia caldo de
cana e melancias. A vendinha prosperou, ele passou a vender balas, rosquinhas,
bananas, abacates, até a boa cachaça que se produz na região. Seu Júlio e a
vizinhança estavam acostumados a enfrentar pequenas enchentes, mas nada que se
comparasse ao que ocorreu em julho.
Durante
anos, ao ir para a praia, parávamos na venda do seu Júlio para tomar caldo de
cana e comprar frutas. O tempo transformou-o em amigo, bem como à sua família.
Um mês depois da enchente minha irmã passou lá pela região, que está desolada,
sem gado; da agricultura só sobrou a cana de açúcar nos passos aterrados por
espessas camadas de lodo. O gado que sobreviveu à enchente teve que ser vendido
por falta de comida. Minha irmã parou para saber notícias.
-
Como é que foi por aqui? – quis saber.
A
mulher do seu Júlio levou-a para fora e apontou a cumeeira da casa:
-
Está vendo ali em cima? Quando a água baixou, havia um boi morto lá.
E
o resto? Toda a comunidade havia perdido os móveis, as roupas, os colchões para
dormir, os cobertores, quase tudo.
-
Recebemos ajuda em comida, mas foi só. A gente está se virando como dá. Sobrou
uma mesa com três pernas, um guarda-roupas que não fecha mais. Mas o pior é a
falta de roupas. Elas ficaram quinze dias submersas, apodreceram na lama. E
agora está frio de novo. Não está sendo fácil.
Pequena
grande comunidade, ninguém havia se lembrado dela! Calculo que no total devam
ser umas cem pessoas, e cem pessoas passando frio e sem ter o que trocar. Minha
irmã contou a história quando chegou em casa. Os economiários mandavam tanto
para nós, tanto! Havia um depósito inteiro de roupas e calçados recém-chegados
na Agência, aguardando para serem doados. Pegamos grandes caixas de doações, o
tanto que cabia dentro de um fusca que ficou superlotado, e levamos para eles. Identificamos
a procedência das caixas por camisetas escolares que crianças de algum colégio
haviam doado: Minas Gerais. Eram doações de boas roupas, com blusas de lã,
ótimos ternos de economiários, roupas quentes, bem como estavam sendo
necessárias. Deixamos na venda do seu Júlio, para que ele as distribuísse.
Aquelas pessoas tem dignidade, aceitaram com um pouco de vergonha – elas jamais
pediriam alguma coisa. Mas com o frio que fez hoje, fico pensando neles e nos
colegas economiários, lá da longínqua Minas Gerais, que os ajudaram, e agradeço
a eles pela ajuda à minha gente.
Eu
só sei um pouquinho da história toda. Mas saibam, meus irmãos de todo o Brasil,
que muita gente da minha terra não está passando frio agora por conta de vocês.
Gente que tinha tudo e que ficou sem nada recebe as doações que vieram das
casas de cada um de vocês. Em nome de todas elas, muito obrigada. Vocês não
sabem como aqui está frio!
Blumenau,
11 de setembro de 1983.
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