Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Às
vezes vive-se tanto que é melhor trocar alguns nomes nas histórias vividas para
não ferir suscetibilidades ou mesmo sofrer alguns processos. Então, os nomes
que seguem são fictícios, mas tudo aconteceu direitinho como eu vou contar.
Foi
lá no final da década de 1970, creio, que apareceu em Blumenau um verdadeiro
príncipe encantado: o Tonhão. Além do nome imponente, Tonhão era mulato, lindo,
simpaticíssimo, vinha com emprego importante em firma séria, tinha um carro
colorido com placa do Rio de Janeiro e, pasmem! – TINHA UMA CARTEIRINHA DE
SÓCIO DO FLAMENGO!!!
É
claro que ele imediatamente virou alvo da cobiça de todas as loiras casadoiras
da cidade, que eram muitas e lindas e que passaram a se vestir mais
caprichosamente do que de costume, na tentativa de abocanhar o gato.
Faziam-se
muitas festas nas casas das pessoas, nessa época, nas noites de sexta, e foi
com tremendo espanto que viu-se chegar a uma delas o Tonhão já devidamente
comprometido com a Trude, uma daquelas loiras arrasadoras, exibida como só, que
fazia questão de ficar a noite inteira com os dedos entrelaçados com os dele e
sem dar atenção para mais ninguém. Um pequeno exército de loiras deslumbrantes
ficava a noite inteira no entorno, esperando qualquer descuido da Trude para
avançar o sinal, sem nenhum sucesso. Claro que quando o casal se ia uma pequena
revolução cheia de ódio acontecia: como a Trude fora ter aquela sorte? O que é
que as outras tinham de errado?
Encurtando
a conversa, Tonhão não ficou com a Trude nem com nenhuma outra da turma: acabou
casando-se com a Lourdes, estranha para nós, que nem loira era e com quem está
casado até hoje, caso nenhum dos dois tenha morrido, pois faz tempo. Um dia,
muitos anos depois, conheci umas moças lindas e simpáticas que eram filhas dele
e da Lourdes. Bingo para a Lourdes
O
que aconteceu aí no meio foi que fui trabalhar em um banco, e lá também
trabalhava a Trude. Em algum momento, fui colocada a trabalhar na mesa
exatamente ao lado da Trude. Nós nos odiávamos profundamente, mas havia um
telefone só entre nossas duas mesas, e quando uma atendia e era para a outra
éramos obrigadas a falar uma com a outra, e tanto nos chamamos por causa do
telefone que acabamos ficando amigas e passamos a pensar coisas juntas. Esse era
um tempo antes da informática, quando a vida de uma bancária era uma tristeza,
e então olhávamos a praça lá fora e pensávamos na aposentadoria que nunca
viria, mas na qual não custava sonhar. Seríamos aposentadas chiques, tendo na
bolsa frascos de prata contendo uísque de boa qualidade. Sentaríamos na praça,
então, olharíamos para o banco e lembraríamos das coisas:
-
Lembra daquele dia em que tivemos que ficar trabalhando até às onze da noite
por causa de uma diferença de quatro centavos?
Aquilo
nos faria beber o primeiro gole dos nossos frascos chiques, e as lembranças
continuavam, enquanto nos vingávamos das agruras do banco olhando lá de fora
para ele, que já não poderia mais nos fazer mal.
Em
algum momento, uma de nós diria:
-
Lembra do Tonhão?
E
então riríamos muito e beberíamos tudo o que restava dos nossos frascos de
prata, já que ele se fora de vez, levado pela Lourdes.
Mas
a história não acabou assim. Na altura em que realmente nos aposentamos,
nenhuma de nós mais bebia álcool, o banco tinha trocado de endereço, a praça
tinha sido modificada e tínhamos esquecido completamente dos chiques frascos de
prata que levaríamos em bolsas chiques, e sequer bolsa eu usava mais: havia
aderido à mochila e Trude gastava boa parte do seu tempo fazendo longas
caminhadas com fones de ouvido que lhe davam boa música – éramos felizes de uma
nova maneira. Um dia vi passar o Tonhão e não quis crer: ele ficara velho,
estava barrigudo e careca, e é de se pensar que ao invés do Flamengo, agora era
sócio de algum Clube de Caça e Tiro. Quando encontrei Trude de novo morremos de
rir. Coisas de quando se envelhece!
Sertão da Enseada de Brito, 09 de fevereiro de 2019.
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