Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Oi, Katty:
A gente ainda não se conheceu formalmente, mas é como se eu
já a conhecesse a longo tempo. Sou a cachorrona da Urda, que sempre saio a
passear com coleira e guia, pois no passado, quando era uma cachorra abandonada
e um filhotinho meu foi morto por um carro, fiquei tão revoltada que saí
mordendo uma porção de gente. Daí criei a fama de cachorra mordedora, e muita
gente começou a fazer maldade comigo, como me jogar pedras e paus, me dar
veneno e estourar bombinhas para eu me assustar. Andava desesperada e então
mordi mais gente ainda – um dia, soube que iam me matar. Daí fui me esconder na
casa da Urda e agora isso já faz 18 meses e nunca mais mordi ninguém. De
qualquer forma, continuo saindo de coleira para evitar qualquer tentação, pois
sempre podemos encontrar algum dos meus antigos desafetos, não? Mas já esqueci
de quase todos, menos de um velhinho que, sempre que me vê ameaça me jogar
pedras e eu fico doida para pegá-lo, mas como ele já tem mais de 80 anos, a
Urda e a Maria Antônia sempre dizem para eu esquecer e me comportar como uma
lady. Elas ficam muito admiradas quando saímos do Canto da Enseada, porque aí
nunca quero morder ninguém, e vamos sempre à Barra do Aririu, à Palhoça, já
passei dia na praia do Sambaqui, lá na capital, junto com o Raul Longo e o
cachorrinho dele, o Chiquinho (cá entre nós, é um cachorrinho de uns 5 kg, mas
ficou apaixonado por mim, que tenho 25 kg!). Já fui, também, ao Natal Luz da
cidade de São José e me diverti muito!
Mas
o que eu queria contar era outra coisa. Ontem fomos todos à Palhoça, tomar
vermífugo, o carro lotado de cachorros e gato, e logo que saímos da nossa rua
encontramos, ferido, o cachorro chamado Tijucano, que não tem dono e é um pouco
de cada um. Quando ele apareceu por aqui, abandonado, veio com sarna, e daí que
o chamavam de Sarnento, mas a Urda mudou o nome dele para Tijucano, porque ela
sempre conta que alguém muito distante, que foi a mãe dela, era daquela cidade,
e em Tijucas tem um versinho que diz assim:
“Amarelo
da goiaba
Morreu
na segunda-feira
Se
não fosse a goiaba
Durava
a semana inteira”
Como
esse cachorro é amarelo com olhos pretos (tem um outro que é amarelo com olhos
verdes, por aqui), ele agora é o Tijucano, e ontem estava ferido na beira da
rua, assim na perna ou no pé. Paramos o carro, mas era tanto cachorro que não
dava para leva-lo junto, e ele ficou para ser atendido depois. A nossa linda
veterinária, a tia Danny, já mandou remédio para ele – sei que um é para dor,
mas há mais dois.
Só
que voltamos e... cadê o Tijucano? Tinha sumido, e por mais que a Urda e a
Maria Antônia procurassem pela pasto, pelo mato e pela praia, ele não apareceu
mais. A Urda estava muito triste e rezava para um tal de São Francisco de
Assis, mas ele só apareceu hoje de noitinha, mancando e morto de fome. Tomou
todos os remédios dentro de pedaços de salsicha, sem cuspir nenhum, como eu
faço, e está dormindo aqui em casa, na varanda, num tapete com dois
travesseiros, e vai ficar até melhorar.
É
por isto que estou escrevendo. Eu e Zorrilho estamos em vigília, para ele não
entrar em casa, pois onde já se viu um cachorro de rua querer entrar na “nossa”
casa? Estamos em vigília na sala, e então deu tempo para escrever.
Já
ouvi falar muitas coisas boas sobre você e acho que já a amo. Fico doidinha
para conhece-la. Decerto um dia vai dar, não? Deixo muito amor e não precisa
ter medo de mim: a Urda abre a minha boca e tira osso de dentro dela e eu
deixo.
Sua
amiga,
Tereza
Batista, cansada de guerra.
Cachorra
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