sábado, 2 de março de 2019

CARTA Nº 7 - DE TEREZA BATISTA PARA KATTY


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

Oi, Katty:
A gente ainda não se conheceu formalmente, mas é como se eu já a conhecesse a longo tempo. Sou a cachorrona da Urda, que sempre saio a passear com coleira e guia, pois no passado, quando era uma cachorra abandonada e um filhotinho meu foi morto por um carro, fiquei tão revoltada que saí mordendo uma porção de gente. Daí criei a fama de cachorra mordedora, e muita gente começou a fazer maldade comigo, como me jogar pedras e paus, me dar veneno e estourar bombinhas para eu me assustar. Andava desesperada e então mordi mais gente ainda – um dia, soube que iam me matar. Daí fui me esconder na casa da Urda e agora isso já faz 18 meses e nunca mais mordi ninguém. De qualquer forma, continuo saindo de coleira para evitar qualquer tentação, pois sempre podemos encontrar algum dos meus antigos desafetos, não? Mas já esqueci de quase todos, menos de um velhinho que, sempre que me vê ameaça me jogar pedras e eu fico doida para pegá-lo, mas como ele já tem mais de 80 anos, a Urda e a Maria Antônia sempre dizem para eu esquecer e me comportar como uma lady. Elas ficam muito admiradas quando saímos do Canto da Enseada, porque aí nunca quero morder ninguém, e vamos sempre à Barra do Aririu, à Palhoça, já passei dia na praia do Sambaqui, lá na capital, junto com o Raul Longo e o cachorrinho dele, o Chiquinho (cá entre nós, é um cachorrinho de uns 5 kg, mas ficou apaixonado por mim, que tenho 25 kg!). Já fui, também, ao Natal Luz da cidade de São José e me diverti muito!
                                   Mas o que eu queria contar era outra coisa. Ontem fomos todos à Palhoça, tomar vermífugo, o carro lotado de cachorros e gato, e logo que saímos da nossa rua encontramos, ferido, o cachorro chamado Tijucano, que não tem dono e é um pouco de cada um. Quando ele apareceu por aqui, abandonado, veio com sarna, e daí que o chamavam de Sarnento, mas a Urda mudou o nome dele para Tijucano, porque ela sempre conta que alguém muito distante, que foi a mãe dela, era daquela cidade, e em Tijucas tem um versinho que diz assim:
                        “Amarelo da goiaba
                        Morreu na segunda-feira
                        Se não fosse a goiaba
                        Durava a semana inteira”
                        Como esse cachorro é amarelo com olhos pretos (tem um outro que é amarelo com olhos verdes, por aqui), ele agora é o Tijucano, e ontem estava ferido na beira da rua, assim na perna ou no pé. Paramos o carro, mas era tanto cachorro que não dava para leva-lo junto, e ele ficou para ser atendido depois. A nossa linda veterinária, a tia Danny, já mandou remédio para ele – sei que um é para dor, mas há mais dois.
                        Só que voltamos e... cadê o Tijucano? Tinha sumido, e por mais que a Urda e a Maria Antônia procurassem pela pasto, pelo mato e pela praia, ele não apareceu mais. A Urda estava muito triste e rezava para um tal de São Francisco de Assis, mas ele só apareceu hoje de noitinha, mancando e morto de fome. Tomou todos os remédios dentro de pedaços de salsicha, sem cuspir nenhum, como eu faço, e está dormindo aqui em casa, na varanda, num tapete com dois travesseiros, e vai ficar até melhorar.
                        É por isto que estou escrevendo. Eu e Zorrilho estamos em vigília, para ele não entrar em casa, pois onde já se viu um cachorro de rua querer entrar na “nossa” casa? Estamos em vigília na sala, e então deu tempo para escrever. 
                        Já ouvi falar muitas coisas boas sobre você e acho que já a amo. Fico doidinha para conhece-la. Decerto um dia vai dar, não? Deixo muito amor e não precisa ter medo de mim: a Urda abre a minha boca e tira osso de dentro dela e eu deixo.
                        Sua amiga,

                                               Tereza Batista, cansada de guerra.
                                               Cachorra


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