terça-feira, 1 de setembro de 2020

AS OVELHAS COLUDAS

 

Por Severino Moreira (Bagé, RS)

 

     Pra quem mal me conhece, eu sou cria de Santana da Boa Vista. A minha querida Santaninha do Carrapato, como aliás é conhecida por muitos, pelo fato de ser uma região típica de pecuária. Embora muitos conterrâneos não gostem, eu particularmente simpatizo com esse apelido, afinal se tem carrapato tem gado e se tem gado tem riquezas.

      Nasci e me criei num ranchito ali na costa do arroio, próximo ao Passo do Pessegueiro, entre Saracuras e Graxains, e não há por lá quem não ouvisse falar em mim.

     Sou o sétimo, dos treze que vingaram da filharada do meu pai, já que um foi “mordido” de cobra lá no potreiro da furna ainda gurizote, outro quebrou o pescoço na rodada de um cavalo veiaco. “Não que não soubesse sair, é que o bamburral era dos brabos”. Tinha, ainda, o mais velho que “pelaram a chiba” em uma tocaia lá na costa do rio Camaquã e até desconfia-se até de parentes de uma pinguancha, que tempos depois apareceu de “bucho cheio”, sem nunca aparecer o pai do guri, mas como isso era só desconfiança, e não se derrama sangue alheio devalde, ficou tudo por isso mesmo, apesar da “parecensa” do piá.

     Isso que nem estou contando os três que nasceram mortos, não sei se por descuido da parteira ou por falta de recursos naqueles grotões, onde me criei, pois ali acho que até o "Tinhoso" tinha medo de entrar.

     Bueno, o campo do meu pai tinha mais de quadra e meia, mas por certo não chegava a duas quadras. Digo por que não entendo dessas coisas de alqueires de terra, palmos e muito menos, desses tais “equetáres” que os “cola-fina” tanto falam de modo que assim ao meu jeito vou explicando mais ou menos de modo que me entendam.

     Estende-se este campo, desde a costa do Pessegueiro até se emendar com o campo da Vó Lucídia, lindando pelo outro lado com meu primo Aristeu Moreira da Fonte, o que na verdade não tem a ver com o “causo” hora contado.

     Meu pai tinha por costume, “regalar” a cada filho que nascia com uma terneira pra modo de começar uma criaçãozinha e em razão da diferença de idade de uns para outros, alguns já tinham vaca de cria, outros vaca de cria com cria, e alguns até vaca bisavó de vaca com cria, não sei se me entenderam, mas se preciso for eu explico de novo.

    “Viuvou” de minha mãe ainda com um lote de filhos pequenos para criar, de modo que, não demorou muito a "matrimoniar-se" de novo, dessa vez com uma prima carnal como costumava a dizer, e desse casório vieram mais quatro filhos. O mais velho, pra lhe encurtar o causo, é meu compadre.

     Sentindo-se meio “atempado”, já quase nos oitenta de idade, reuniu de certa feita toda a filharada, já que alguns e entre eles me encontro, eram filhos da falecida e propôs deixar algumas "coisitas" a mais para a velha, pois além de algum leitão guacho ou alguma galinha no terreiro a coitada não tinha nada que fosse dela.

    Com a concordância dos filhos, ficou definido que lhes daria todas as borregas que nascessem no ano seguinte. E se não me falha a memória, naquele ano, vingaram umas quinze borregas bueníssimas, isso sem contar uma que os sorros comeram ainda pequena.

   Acontece que para diferenciar das demais, a velha pediu que deixassem seu rebanho de cola comprida. Coisa estranha, já que por costume, de cola só ficavam os machos destinados ao abate. Mas, afinal, eram dela, de modo que fizesse como melhor achasse.

    Passou-se o tempo, meu pai encarneirou as borregas, mas por desgraça falharam todas, o que até seria normal, pois borregas por vezes, não entram em cio, mas assucede-se que nos anos seguintes falharam de novo, de modo que, já havia ovelha, dois anos mais novas, de cria e as "arcaides", não tiravam um cordeiro que fosse.

    Parecia até praga de madrinha.

    Alguns anos depois, já ovelha velha, emprenhou a primeira delas, justamente uma cruza merino, mais enrugada que lombo de maranduvá e que em razão de um pegão da tesoura na esquila pegou uma bicheira braba, bem no tronco da cola vindo a ficar rabona.

    Só então se descobriu que o carneiro, já velho, cheio de catarata “nos zoio” e sempre com uma “ranheira” danada pendurada no focinho que nem “fenotiasina” era capaz de curar, não chegava perto das ovelhas pensando que eram machos.

 

 

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