Por Severino Moreira (Bagé, RS)
Pra quem mal me conhece, eu
sou cria de Santana da Boa Vista. A minha querida Santaninha do Carrapato, como
aliás é conhecida por muitos, pelo fato de ser uma região típica de pecuária.
Embora muitos conterrâneos não gostem, eu particularmente simpatizo com esse
apelido, afinal se tem carrapato tem gado e se tem gado tem riquezas.
Nasci e me criei num ranchito
ali na costa do arroio, próximo ao Passo do Pessegueiro, entre Saracuras e
Graxains, e não há por lá quem não ouvisse falar em mim.
Sou o sétimo, dos treze que
vingaram da filharada do meu pai, já que um foi “mordido” de cobra lá no
potreiro da furna ainda gurizote, outro quebrou o pescoço na rodada de um
cavalo veiaco. “Não que não soubesse sair, é que o bamburral era dos brabos”.
Tinha, ainda, o mais velho que “pelaram a chiba” em uma tocaia lá na costa do
rio Camaquã e até desconfia-se até de parentes de uma pinguancha, que tempos
depois apareceu de “bucho cheio”, sem nunca aparecer o pai do guri, mas como isso
era só desconfiança, e não se derrama sangue alheio devalde, ficou tudo por
isso mesmo, apesar da “parecensa” do piá.
Isso que nem estou contando os
três que nasceram mortos, não sei se por descuido da parteira ou por falta de
recursos naqueles grotões, onde me criei, pois ali acho que até o
"Tinhoso" tinha medo de entrar.
Bueno, o campo do meu pai tinha
mais de quadra e meia, mas por certo não chegava a duas quadras. Digo por que
não entendo dessas coisas de alqueires de terra, palmos e muito menos, desses tais
“equetáres” que os “cola-fina” tanto falam de modo que assim ao meu jeito vou
explicando mais ou menos de modo que me entendam.
Estende-se este campo, desde a
costa do Pessegueiro até se emendar com o campo da Vó Lucídia, lindando pelo
outro lado com meu primo Aristeu Moreira da Fonte, o que na verdade não tem a
ver com o “causo” hora contado.
Meu pai tinha por costume,
“regalar” a cada filho que nascia com uma terneira pra modo de começar uma
criaçãozinha e em razão da diferença de idade de uns para outros, alguns já
tinham vaca de cria, outros vaca de cria com cria, e alguns até vaca bisavó de
vaca com cria, não sei se me entenderam, mas se preciso for eu explico de novo.
“Viuvou” de minha mãe ainda com
um lote de filhos pequenos para criar, de modo que, não demorou muito a
"matrimoniar-se" de novo, dessa vez com uma prima carnal como costumava
a dizer, e desse casório vieram mais quatro filhos. O mais velho, pra lhe
encurtar o causo, é meu compadre.
Sentindo-se meio “atempado”,
já quase nos oitenta de idade, reuniu de certa feita toda a filharada, já que
alguns e entre eles me encontro, eram filhos da falecida e propôs deixar algumas
"coisitas" a mais para a velha, pois além de algum leitão guacho ou
alguma galinha no terreiro a coitada não tinha nada que fosse dela.
Com a concordância dos filhos,
ficou definido que lhes daria todas as borregas que nascessem no ano seguinte.
E se não me falha a memória, naquele ano, vingaram umas quinze borregas bueníssimas,
isso sem contar uma que os sorros comeram ainda pequena.
Acontece que para diferenciar
das demais, a velha pediu que deixassem seu rebanho de cola comprida. Coisa
estranha, já que por costume, de cola só ficavam os machos destinados ao abate.
Mas, afinal, eram dela, de modo que fizesse como melhor achasse.
Passou-se o tempo, meu pai
encarneirou as borregas, mas por desgraça falharam todas, o que até seria normal,
pois borregas por vezes, não entram em cio, mas assucede-se que nos anos
seguintes falharam de novo, de modo que, já havia ovelha, dois anos mais novas,
de cria e as "arcaides", não tiravam um cordeiro que fosse.
Parecia até praga de madrinha.
Alguns anos depois, já ovelha
velha, emprenhou a primeira delas, justamente uma cruza merino, mais enrugada
que lombo de maranduvá e que em razão de um pegão da tesoura na esquila pegou
uma bicheira braba, bem no tronco da cola vindo a ficar rabona.
Só então se descobriu que o
carneiro, já velho, cheio de catarata “nos zoio” e sempre com uma “ranheira”
danada pendurada no focinho que nem “fenotiasina” era capaz de curar, não
chegava perto das ovelhas pensando que eram machos.
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