terça-feira, 1 de setembro de 2020

CASÓRIO DE RICO

 Por Severino Moreira (Bagé, RS)

 

A tia Carmelina, também, conhecida pelo apelido de “Boca de Traíra”. Isso de tão “faladeira” que era, na verdade, não era minha tia e sim aparentada longe de meu pai e na ocasião deste fato acontecido que hora, lhes conto, já era viúva “havia” alguns anos, pra felicidade do falecido Lucrécio. “Que Deus o tenha na boa graça”

Tinha, a dita cuja, uma língua que, lhes afirmo, cortava mais do que faca de charqueada e de sobra, ainda, era mais intrometida do que filhote de marimbondo em bunda de aranha morta.

Mas, como se sabe, por instinto e por experiência, toda a china linguaruda e metida a saber demais e, ainda, se achar pouco mais grossa do que cantiga de frango, tem por vezes a sorte da traíra, vindo morrer pela boca, e foi assim que se deu, o causo da tia Carmelina que hora lhes conto.

Era um casório que lhe digo, cousa nunca vista de tão grande, pois a noiva, segundo comentários ouvidos, era aparentada de gente grande “nas políticas” lá por Santaninha da Boa Vista, o que devia ser verdade a julgar pela fartura da festa e o gentirío que se fez presente.

Bueno, só pra não pecar em exagero lhe digo, de carroça, carreta e até algum auto vindo da cidade, se enfiasse o nariz d´um no recavém do outro se ia a quase meia légua, isso fazendo o cálculo aproximado, por que precisar era impossível.

Encheram o potreiro da frente e, ainda, ficou um lote de “condução” no corredor.

Amigos, parentes, amigos de parentes, conhecidos, vizinhos, bajulador e até amigos de bajulador, “Que trocando em miúdos, é pra lá de puxa- saco” num entrevero de pêlo duro e cola fina que dava gosto de se ver e um horror de “escuitá”

Foram mais de trinta vacas, mais de vinte leitões e ainda um lote de borregos carneados, além de galinhas e até peru, que nunca se soube a quantia. Isso é saber eu sei, mas se for contar eu varo a noite no mesmo causo, de modo que vou amiudar um pouco o assunto, dizendo que as mesas de tábuas pregadas, eu até que tentei medir com os olhos, mas posso afirmar que se estendiam até onde a vista não alcançava e já tinha mais de dúzia de cavalos encilhados só para indiada encarregada de servir a bóia.

A sombra, também, era até onde a vista não alcançava, porém em razão do comprimento das mesas, ficava mais da metade delas no sol e lhe falo de sol bem cuiudo, desses que mutuca voa em bando, pra mode de refrescar umas nas asas das outras.

Lembro, ainda, que um burro “choro”, que se aventurou ao pasto espichou palmo e meio de língua para fora da boca. Para quem conhece posso dizer que ficou igual a cachorro campereando no ponto do meio-dia, e digo mais, o calor era tanto, que dava para tomar mate com a água do açudezinho ao lado do rancho. Até a “sapaiada tava” morta, e de barriga pra “riba”.

O pai da moça, com aquela torreira infernal e com tantos convidados ilustres para atender, estava vendo a coisa “enferruscada”, pois também os menos “remediados” precisavam ser bem tratados, pois o vivente tinha ambições políticas, de maneira que quem não era partidário era pelo menos um possível eleitor.

Aquele gentirío todo não caberia na metade da sombra existente, e no sol, certamente, ficariam igual a "pesco" seco.

Tinha que pensar em uma maneira de todos serem bem atendidos...

Foi quando a tia Carmelina, que na hora depenava umas galinhas lá na cozinha, apareceu esfregando as mãos em um avental velho, encardido de causar dó e, subindo num toco de guajuvira cortado mais ou menos na altura de um metro, bateu palmas p´ra chamar a atenção e prendeu-lhe o grito.

“Bueno seus burros, o negócio é ir se “quarteando” p´ra comê, de modos que premero come os noivos e as criança, depois come as muié e atráis come os home”.

“E tá resorvida a pendenga”.

Chô égua... Cambada de burros!

 

 

 

 

 

 

 

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