Por Severino Moreira (Bagé, RS)
A tia Carmelina, também, conhecida pelo apelido de “Boca de Traíra”. Isso
de tão “faladeira” que era, na verdade, não era minha tia e sim aparentada
longe de meu pai e na ocasião deste fato acontecido que hora, lhes conto, já era
viúva “havia” alguns anos, pra felicidade do falecido Lucrécio. “Que Deus o
tenha na boa graça”
Tinha, a dita cuja, uma língua que, lhes afirmo, cortava mais do que faca
de charqueada e de sobra, ainda, era mais intrometida do que filhote de
marimbondo em bunda de aranha morta.
Mas, como se sabe, por instinto e por experiência, toda a china linguaruda
e metida a saber demais e, ainda, se achar pouco mais grossa do que cantiga de
frango, tem por vezes a sorte da traíra, vindo morrer pela boca, e foi assim
que se deu, o causo da tia Carmelina que hora lhes conto.
Era um casório que lhe digo, cousa nunca vista de tão grande, pois a
noiva, segundo comentários ouvidos, era aparentada de gente grande “nas
políticas” lá por Santaninha da Boa Vista, o que devia ser verdade a julgar
pela fartura da festa e o gentirío que se fez presente.
Bueno, só pra não pecar em exagero lhe digo, de carroça, carreta e até
algum auto vindo da cidade, se enfiasse o nariz d´um no recavém do outro se ia
a quase meia légua, isso fazendo o cálculo aproximado, por que precisar era impossível.
Encheram o potreiro da frente e, ainda, ficou um lote de “condução” no
corredor.
Amigos, parentes, amigos de parentes, conhecidos, vizinhos, bajulador e
até amigos de bajulador, “Que trocando em miúdos, é pra lá de puxa- saco” num
entrevero de pêlo duro e cola fina que dava gosto de se ver e um horror de
“escuitá”
Foram mais de trinta vacas, mais de vinte leitões e ainda um lote de
borregos carneados, além de galinhas e até peru, que nunca se soube a quantia.
Isso é saber eu sei, mas se for contar eu varo a noite no mesmo causo, de modo
que vou amiudar um pouco o assunto, dizendo que as mesas de tábuas pregadas, eu
até que tentei medir com os olhos, mas posso afirmar que se estendiam até onde
a vista não alcançava e já tinha mais de dúzia de cavalos encilhados só para
indiada encarregada de servir a bóia.
A sombra, também, era até onde a vista não alcançava, porém em razão do
comprimento das mesas, ficava mais da metade delas no sol e lhe falo de sol bem
cuiudo, desses que mutuca voa em bando, pra mode de refrescar umas nas asas das
outras.
Lembro, ainda, que um burro “choro”, que se aventurou ao pasto espichou
palmo e meio de língua para fora da boca. Para quem conhece posso dizer que
ficou igual a cachorro campereando no ponto do meio-dia, e digo mais, o calor
era tanto, que dava para tomar mate com a água do açudezinho ao lado do rancho.
Até a “sapaiada tava” morta, e de barriga pra “riba”.
O pai da moça, com aquela torreira infernal e com tantos convidados
ilustres para atender, estava vendo a coisa “enferruscada”, pois também os
menos “remediados” precisavam ser bem tratados, pois o vivente tinha ambições
políticas, de maneira que quem não era partidário era pelo menos um possível
eleitor.
Aquele gentirío todo não caberia na metade da sombra existente, e no sol,
certamente, ficariam igual a "pesco" seco.
Tinha que pensar em uma maneira de todos serem bem atendidos...
Foi quando a tia Carmelina, que na hora depenava umas galinhas lá na
cozinha, apareceu esfregando as mãos em um avental velho, encardido de causar
dó e, subindo num toco de guajuvira cortado mais ou menos na altura de um
metro, bateu palmas p´ra chamar a atenção e prendeu-lhe o grito.
“Bueno seus burros, o negócio é ir se “quarteando” p´ra comê, de modos
que premero come os noivos e as criança, depois come as muié e atráis come os
home”.
“E tá resorvida a pendenga”.
Chô égua... Cambada de burros!
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