Por Severino Moreira (Bagé, RS)
Na ocasião deste causo, eu já era um gurizito taludo, de “doze p´ra
treze” anos, e como sempre fui meio entonado, “balaqueava” o meu bocado, e uma
das coisas que sempre dizia, era que de assombro eu não corria, embora na
verdade me “cagaceasse” de medo de um dia me topar com alguma alma do outro
mundo.
Por “balaqueiro” que eu era, é que se deu o causo que conto, pois tanto
me gloriei da minha suposta coragem, que tive que agüentar a “pataquada” e
passar uma noite solito na “tapera da véia Zeca”. Segundo diziam, uma tapera
assombrada, lá na beira do Cerro da Ronda. Uma toca de morcegos, ratos e,
cruzeiras.
Pois saibam que, realmente, existiu a “Véia Zeca”, a alguns anos atrás lá
naqueles “cafundós” onde me criei, e eu próprio a conheci quando já era viúva,
a uma dúzia de anos e devia andar por “noventa e pico” de idade Seu nome Maria
José, mas conhecida, apenas por “Véia Zeca”. A bruxa da costa do cerro. “A Véia
benzedeira”.
Era magra como uma taquara, alta como um “jerivá”, meia corcunda e nariz
de cocóta, e como, naquele tempo, viúvas usavam “luto fechado”, andava de
preto, desde o chinelinho de pano até o lenço na cabeça, e por isso, para a
gurizada, era vista mesmo, como uma bruxa pois, além disso tudo, vivia solita,
com um gato preto, até o dia que o “Patrão Velho” a chamou para a querência
grande, tendo ficado a beira do cerro, apenas a tapera, com os “cacarecos” da
pobre velha.
Era na verdade, uma boa pessoa, serviçal e habilidosa no “aparo” do
piazedo, mas a aparência e todos aqueles rituais de benzedura que usava,
provocava um certo medo na gurizada, pois não faltava quem assustasse a gente
afirmando que a velha era mesmo uma bruxa, e que em noites de lua cheia voava
“de a cavalo”, em uma vassoura de chirca e, que roubava as crianças, de uma mãe
para entregar a outra, quando fazia parto.
Com a morte da velha, nasceu a crença de que sua alma não abandonara o
ranchinho de torrão e santa-fé, e até aumentavam dizendo que lá do ranchinho
sua alma benzia quebranto, cobreiro, mau olhado, bicheira, e até tormentas, e
não eram poucas as pessoas que afirmavam terem visto a imagem de uma velha toda
de preto, rondando o rancho.
Na verdade, ninguém se arriscava a anoitecer perto da tapera, pois diziam
que se apagava o fogo, a cavalhada se soltava da soga, e aconteciam muitas
outras coisas que ninguém até hoje encontrou explicação, e tampouco, provou ser
verdade.
Pois, como lhes disse, foi na tapera da “Véia Zeca”, que aconteceu esse
causo que agora eu conto, e tudo começou, porque de tanto eu “balaquear”, o
Emerenciano Saraiva e o Deodato Rosa, que na época eram guris quase da minha
idade, me fizeram provar que não tinha medo de assombro, passando uma noite
solito dentro da tapera.
Foram os piores momentos da minha vida, nem queiram imaginar o pavor que
senti, a cada vez que gritava uma coruja, ou corria um rato.
A noite era escura, embora a lua cheia, pois de quando em vez as nuvens
pesadas encobriam a rainha da noite, o vento assobiava puxando chuva e alguns
“pares” de raio pareciam rasgar o céu.
Os caibros estalavam, e as poucas janelas que restavam rangiam nas
dobradiças. Até as árvores na volta pareciam gemer.
Eu escutava os sorros, os guarás, os guinchos de ratos, e todo aquele
gritedo me parecia entrar nos miolos. Me faziam pensar que os bichos gritavam
de medo.
Me parecia escutar pisadas e
sentia até a respiração de quem eu não conseguia enxergar. Ás vezes até me
parecia vislumbrar, algum vulto, entre um “mandado” e outro.
O frio subia pela espinha até
arrepiar os cabelos, e os dentes batiam de tal jeito que me doíam as
“carretilhas”, mas enfim eu precisava honrar a pataquada, e embora tremendo
como vara verde, fiquei na tapera disposto pelo menos a tentar agüentar aquela
noite de pavor.
Tentando me proteger do vento e da
chuva que ameaçava cair, arrastei os “cacarecos” da casa e encostei onde um dia
tinham sido portas e janelas e, sem querer, tampei a porta do rancho com um
guarda-roupas velho, que com o vento ficou batendo a porta, e balançando o
espelho pregado nela.
O Emerenciano e o Deodato, que na verdade não ficaram cuidando para o
caso de eu tentar fugir, conforme prometido, mas voltaram ao rancho e se
cobriram com lençóis brancos, e ainda, fizeram máscaras de porongo e colocaram
dentro, vidros cheios de vaga-lumes.
Queriam garantir o meu susto e me fazer admitir, que estava “cagado” de
medo.
Quando chegaram à tapera, uma coruja, “rasgou mortalha” e o céu “véio” se
riscou n´um raio, refletindo os dois no espelho da porta do guarda-roupa
embalado pelo vento. Aqueles dois vultos brancos, com uma caveira luminosa em
cima dos ombros, fazendo um “lusco fusco”, pelos buracos, de olhos, boca e
nariz.
Não me borrei, por que não vi
nada, na verdade, nem olhava pra fora de medo, mas o Deodato e o Emerenciano,
que viram, esses vultos, sem saber que era o espelho, levaram tamanho “cagaço”,
que fez darem os costados no rancho em questão de minutos, sem fôlego, e
brancos como “Morim quarado”.
Nunca mais me desafiaram, o que foi uma prova, de reconhecimento a minha
“coragem”, mas eu com a “noite de cachorro” que passei, também deixei de ser “balaqueiro”,
pois não agüentaria outro desafio igual. Además, aja sabão p´ra lavar as
ceroulas depois.
*Todos os personagens deste causo, são fictícios.
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