domingo, 1 de agosto de 2021

LUTA INGLÓRIA

 


Luta inglória.

Por Dias Campos (São Paulo, SP)

            Muitas foram as lendas que se formaram em torno da soberana Norma Culta. No tempo das monarquias absolutistas, por exemplo, corria à boca miúda que fora ela, e não o Rei Sol, quem primeiro proclamou a famosa frase L´état c’est moi; e isso quando o enxotava do seu quarto por não lhe agradar a noite de amor.

O fato, porém, é que seu poder e influência eram tão grandes que excederam os limites da Velha Terra, cruzaram o Atlântico, e desembarcaram em terras brasileiras.

E como encontrasse solo fértil, onde “em se plantando tudo dá”, pôs-se a cultivá-lo com esmero, seduzindo os intelectuais, entusiasmando os literatos, e cativando um seletíssimo público. – e viva o Parnasianismo!

Ocorre que sua ambição não tinha limites. Daí que sua vontade começou a chocar-se com a dos súditos que aqui viviam, chamados Regionalismos, posto que não aceitassem ver suas tradições profanadas.

Ora, como fosse uma déspota não esclarecida, pouco ou nenhuma importância dava às suas reivindicações. E tratou de ordenar o encarceramento dos insubmissos.

Não demorou muito, portanto, para que a insurreição eclodisse!

De primeiro, quatro foram os focos de resistência. No Sul, os orgulhosos Bah Tchê, cuja participação de sua cavalaria na quarta expedição a Canudos marcaria o início da queda do Conselheiro; no Sudeste, os insubmissos Orra Meu, que a história mostraria não ter sido vã a morte de quatro de seus estudantes (M.M.D.C.), e os come-quietos Uai, que um dia teriam o privilégio de ver no filho mais dileto de Diamantina a personificação do progresso; e no Nordeste, os sossegados Oxente, que se por um lado eram admirados pela elaboração da iguaria acarajé, por outro, seriam temidos, pois saberiam usar da peixeira quando o sangue lhes subisse à cabeça.

E se é verdade que as investidas da realeza produziam muitas vítimas, não menos exata é a afirmação de que as incursões dos insurretos acarretavam perdas consideráveis.

Só que à medida que a opressão recrudescia, e alastrava-se, outros Regionalismos começaram a interessar-se pela revolta. E ao cabo de alguns meses, todo o Brasil uniu-se em torno de uma mesma bandeira – era preciso derrubar o reinado de Norma Culta.

Depois de perder praças cruciais, e temendo por sua vida, a monarca achou prudente recuar; pelo menos até que conseguisse reagrupar suas tropas.

Em um esforço desesperado, dois de seus ministros, o barão Gongorismo e o conde Quevedismo, mandaram publicar, nos principais jornais do país, manchetes conclamando os eruditos a que defendessem Norma Culta.

Apenas Olavo Bilac respondeu ao chamado. E ofereceu às partes em contenda a Última flor do Lácio, inculta e bela, com que homenageou a língua portuguesa, considerando-a a última das filhas do latim.

Houve um verdadeiro alvoroço! menos pela sublimidade do soneto do que pela compreensão quanto aos adjetivos finais. – o que não deixava claro se o poeta tomara ou não algum partido.

Daí que Sua Majestade sentiu-se profundamente ultrajada, visto que se achava bela, sabia-se a culta.

Já os Regionalismos deliciaram-se, pois mesmo que a beleza da rainha tivesse sido enaltecida, o Príncipe dos Poetas Brasileiros atrevia-se a chamá-la de ignorante.

E como a celeuma permanecesse, alternativa não teve Olavo Bilac senão a de explicar o que pretendera.

Começou dizendo que a palavra “inculta” referia-se ao latim vulgar, ao falado pelos soldados, pelos camponeses, pelo povo em geral. Diferia, portanto, do latim clássico, o empregado pelas classes mais esclarecidas.

No entanto, fosse utilizada por estas, fosse dita por aqueles, o que importava, em verdade, era que a língua portuguesa continuava a ser bela!

E terminava perguntado quem aproveitaria uma guerra se a parte mais prejudicada seria sempre a Flor do Lácio?

Como caíssem em si, firmaram um armistício.

E desde aquela época, Regionalismos e Norma Culta convivem em harmonia, contribuindo, cada um à sua maneira, para que a nossa Flor torne-se cada dia mais viçosa.

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