Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
sexta-feira, 1 de abril de 2022
COMO ESTÁ OU COMO PASSA?
Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
É normal, ao encontrar um amigo ou um simples conhecido, perguntar: “Como estás?”; e o nosso interlocutor, por cortesia, responde em regra, deste jeito: “ Estou bem” ou “ Estou bem, graças a Deus,”, se for crente.
Será esse modo de dizer, correto? Ou será apenas formalismo, quando automaticamente, respondemos: “Tudo bem…” muitas vezes mentindo ou omitindo, achaques e problemas que nos transtornam a saúde.
Heitor Pinto, recorda-nos na sua obra: " Imagens da Vida Cristã”, o erro que se cai, quando perguntamos, num encontro: “Como estás?”
Porque, explica o nosso clássico: “(…) Tudo vai com esporas nos pés, pois tudo tão depressa passa, e nada está, segue-se que nós não estamos, mas passamos e corremos, de continuo esta posta até à morte. (…) Donde se conclui que não usam de boa linguagem os que perguntam: como estais? Nem os que respondem: estou bem ou estou mal. Tão má a resposta, como a pergunta. Os que têm mais altos os espíritos e falam mais propriamente, perguntando, dizem: como passais? E respondendo dizem: ``Passo desta maneira ou desta.”
Realmente a vida corre tão velozmente, que nem damos conta do tempo passar: a criança, sem dar por isso, já é adolescente; e adultos depressa chega a velho.
São Gregório, um dia, numa pregação, aludiu a essas mutações da vida, dizendo: que a vida não passa senão de morte prolongada. Todavia, todos nós, só consideramos morte, ao termo da vida.
Daqui se concluir: que a morte, inicia-se logo no próprio dia do nascimento. Morre-se, para nosso mal, todos os dias...
MÃOS PARA O CÉU
Por Júlio Castelo Branco (Brasília, DF)
Eu tinha dez anos quando tudo
aconteceu. Naquele dia, como não teria aula, minha mãe chegou pra mim e disse:
“hoje você vai comigo”.
Fazia
pouco menos de um ano que havíamos deixado o Nordeste para trás — junto com o
papai que sumiu três dias antes de nossa partida —, indo morar num barraco de
um cômodo em Ceilândia, Cidade Satélite a alguns quilômetros de Brasília. A
antiga pobreza de que mamãe tentara escapar, sem marido, comigo a seu lado,
pouca roupa na mala e bastante esperança, transformou-se apenas numa
dificuldade diferente, numa penosa insistência, da parte dela, de que, pelo
menos aqui, na Capital do país — longe da falta de oportunidade e da miséria
tão íntima na qual havia crescido — cedo ou tarde a grande mudança ocorreria.
Mas como a tal mudança parecia vir bem devagar, ao contrário das despesas, pois
já se aproximava o tempo de pagar isso ou aquilo, nós duas saímos de casa,
naquele dia escaldante e úmido, para mais um dia de luta.
Ao chegarmos na rodoviária, mamãe
pediu que esperássemos até o último passageiro descer, para então, só aí,
segurar firme o carrinho, do qual pendia um isopor, e o colocar com todo
cuidado no chão. De olhos vidrados na multidão que passava por nós, indiferente
— para falar a verdade eu nunca tinha visto tanta gente assim reunida num único
lugar —, assustei-me quando ela tocou o meu ombro, “ei, vamos?”, segurou a alça
do carrinho, e se pôs a gritar, “áaagua, olha a água geladinha...”, caminhando
calmamente entre a gente que parecia ignorar, com toda pressa do mundo, seus
gritos. Aquilo tudo era uma grande novidade para mim! Uma menina assustada, que
corria os olhos por todos os lados na esperança de entender de onde aquelas
pessoas saíam. Vez por outra mamãe me fazia parar, largava minha mão, falava
com a pessoa à nossa frente, entregando-lhe a garrafa ao receber o dinheiro, e
seguíamos. Esse pequeno enredo silencioso que nós duas fazíamos, em meio à
balburdia daquela multidão, quebrou-se apenas quando, algumas horas depois,
mamãe olhou pra mim e perguntou, “vamos tentar em outro lugar?”, como se me
coubesse decidir.
Cortando a fileira de ônibus, que
murmurava a impaciência do motor estacionado, pouco depois caminhávamos
naquelas imensas calçadas vazias, como se as estruturas que eu via à minha
frente, sob a quentura que nos castigava, houvessem sido erguidas, subitamente,
para me alegrar. Foi quando eu a vi, ainda distante, pela primeira vez. Tudo me
fez crer, ao me aproximar e ver aquela coroa — e claro, ao encontrar os
gigantes que a protegiam —, que estava diante da casa de um rei. Os vidros que
revestiam suas paredes brilhavam, como a clarear e intensificar a certeza, de
todos que circulavam por ela, de que ali havia paz. Então, com um leve puxão em
seu braço, perguntei à mamãe, “o que é isso, mamãe?”. Com o suor a encharcar o
seu rosto, ela me olhou desconfiada e disse, “é a Catedral, filha...”, e sem me
dar chance de perguntar algo mais, falou, puxando-me pela mão, “vamos procurar
uma sombra, não estou me sentindo bem”.
A voz de mamãe parecia cansada ao
inquirir a senhora sob uma lona velha de um carrinho de balas, “podemos ficar
aqui um pouco?”. Com um sorriso amistoso, a mulher puxou um banquinho de
madeira, que estava ao seu lado, e mamãe se sentou; depois abriu o isopor,
pegou a garrafa e mostrou à senhora gentil, mas ela, com o mesmo sorriso,
meneou a cabeça negativamente. Sem tirar os olhos da Catedral, bebi goles
pausados da garrafa que mamãe me ofereceu; foi nesse momento, ao perceber meu
interesse por aquele lugar, que a senhora olhou para mim e descobri tudo. “Você
gosta dela... da Catedral?”; sem reação, balbuciei “uhum”. “Tá vendo ali? – ela
apontou a cúpula — “ali são mãos voltadas pro céu, rogando a Deus”. Por um
instante, não compreendi o que ela queria dizer; falei então, “mas isso é uma
coroa... ou aqui não é a casa de um rei?”. Mamãe parecia melhor e, com um
semblante vazio, ouvia nossa conversa sem questionar. “Se é assim que você quer
chamar Deus ... é sim, de um rei...”. Claro que não era de Deus que eu estava
falando, mas como não tivesse coragem e tempo de formular o que minha cabeça
infantil havia imaginado, a senhora, um tanto sorridente, explica, “mas o homem
que desenhou esse lugar não acreditava em Deus”; como eu achei impossível o que
ela me disse, encarei novamente a Catedral, depois a mamãe que exclamou, com
certa aversão, “cruz credo!”. Então nos calamos, e continuei a olhar,
maravilhada, a bela morada de um rei, de um deus, e de uma esperança, com as
mãos para o alto, criada pelas mãos de um ateu. Depois de muitos anos, graças à
minha mãe, me tornei arquiteta, e pude criar nossa própria esperança.
UM BRINDE À MULHER
Por Marcelo de Oliveira Souza (Salvador, BA)
Na confusão do dia a dia
Muita coisa se perde
Muita coisa se cria,
A mulher
aparece...
Toma o seu lugar
E muito se esquece...
Num corpo ela faz tudo,
Pondo-se a amar.
Sonha, trabalha, procria
Uma perfeita sinfonia,
Diante dessa postura
O homem esquece...
A mulher é mulher!
Tem que ser amada e cuidada,
Apanha, chora e ninguém faz nada!
Pois os covardes à espreita
Estrangulam a independência da mulher
De uma forma desvairada.
Brindemos ao sexo dito frágil
Que nos abençoa e nos ama
Desde o nascimento até o final
É a alegria e continuidade...
Mãe, esposa, filha ou amante
Nada nos separa...
Só nos une de uma forma visceral
Brindemos à mulher,
Brindemos à vida universal.
A POMBA QUE GIRA
Por Marcelo de Oliveira Souza (Salvador, BA)
Num mundo atribulado, as
pessoas muitas vezes esquecem de olhar para o seu lado espiritual, o principal
que devíamos lembrar é que a religiosidade é muito importante não apenas para
moldar o caráter do indivíduo, mas como uma forma de nos recolhermos à nossa própria
essência.
Nossa amiga Gilma é uma garota
muito alegre que reside em uma dessas cidades do interior brasileiro, muito
castigada pela seca, filha de agricultores, nessa época de estiagem eles não
têm muita coisa a fazer, os serviços sociais quase não chegam, serviços médicos
então, é só uma vez por semana. Quanto sofrimento diante de toda essa falta de
oportunidades que o sertanejo vive, onde a sua família muito religiosa
sobrevive da aposentadoria do pai como agricultor e da mãe que ainda insiste no
batente de querer plantar algum feijão ou milho, o que vier está bem-vindo,
desde que as bênçãos do nosso Pai caiam em forma de chuva.
Como em toda cidade, sempre no
dia de domingo as pessoas se reúnem na igreja para comemorar, pedir, sonhar e
tudo que o nosso senhor Jesus Cristo possa prover.
Natal, Ano Novo, Semana Santa
então, todos dão inúmeras voltas na pracinha, ao “melodioso” som das matracas
para lembrar dessa data de sofrimento, morte e ressurreição de Cristo.
Mas nossa personagem, não
tinha lá essa religiosidade toda, ela fingia acompanhar as missas na igreja e
ia acompanhar os amigos nos botecos que povoam essas inúmeras cidades de
interior, principalmente as pequenas, que não possuem nenhuma diversão, e a
“diversão” que esse povo encontra é bem gelada e loiríssima.
As noitadas eram
intermináveis, carros paravam no fundo do quintal do casebre onde tinha uma
imensa mangueira, e quando os pais dormiam, ela sumia no mundo, somente
voltando lá pelas tantas da madrugada.
Os pais já haviam notado há
muito tempo, mas eles não tinham mais controle, Seu Rivaldo já era sexagenário
e nunca foi de zelar pela educação da sua filha, a mãe Dona Deraldina era quem
mais ficava no “pé”, mas como a filha já completara os seus dezoito anos de
idade, ficou praticamente incontrolável, pois quando a mãe a proibia de ir a
determinados lugares, ela vinha justamente com aquele lengalenga de que já era
maior de idade, era uma pessoa “formada” pois tinha tirado o seu segundo grau,
mesmo em uma escola caicai, no turno da noite.
Sua irmã mais nova Gisele,
apesar de sua pouca idade era muito mais ajuizada, e sempre comentava sobre o
seu mau comportamento, suas mentiras, orgias e escapadas, mas era sempre
hostilizada e ironizada, o que a repelia e para não ter tanta discussão ela recolhia-se
ao seu canto e calava.
De um tempo em diante, Gilma
começou a ter sonhos esquisitos, com muito sangue, cerveja, bacanais, violência
e tudo do mesmo naipe, tendo como cicerone uma mulher vestida de vermelho.
Ela não contava a ninguém, mas
os outros começavam a perceber, diante da mudança do seu comportamento
sorumbático, ela somente mudava quando tinha uma farra, aí esquecia dos
problemas ao vislumbrar uma cervejinha, ela mudava e caía na gandaia.
Todos os conselhos dos
familiares caíam por terra, e por falar em terra, tinha um local chamado
“Tanque da Nação” - um imenso terreno abandonado que a prefeitura cercou para
armazenar água da chuva, as cercas caíram e ficou somente esse local ermo que
todos temiam passar - onde o de pior sempre acontecia, foi o lugar que ela
incorporou uma entidade e saiu agredindo todo mundo, a sua voz chegou até
mudar, dizendo que tinha dominado aquele corpo e que ia aprontar bastante.
A confusão chegou aos ouvidos
de sua genitora, pois o que é ruim chega rápido, igual a rastro de pólvora...
Deraldina chamou alguns
vizinhos de confiança e a arrastou até em casa, para ver o que ia dar, começou
a rezar e jogar água benta, mas quanto mais fazia isso a tal “Pombagira” - é o
nome que deram – começou a vociferar, a rosnar, dizendo que tudo isso aconteceu
por causa da falta de fé da sua hospedeira, e ela ia destruir toda aquela
família, começando por esse corpo.
E todos rezavam, pedindo para
sair daquele instrumento de possessão, e a confusão aumentava, a “pomba”
rosnava, e o tumulto se instalava, o pai foi acarinhar a “filha” e foi jogado a
dois metros de distância, mas as pessoas insistiam na luta contra a “entidade”,
que ao ouvir as orações se revoltava ainda mais, esmurrando aquele corpo,
rasgando as suas vestes, dizendo não adiantar tanta reza, que ela estava ali
para destruir a fé de Deraldina, e só não apareceu antes por esse motivo, pois
a filha dela era uma fraca, não rezava antes de dormir, mentia dizendo que ia à
igreja, indo farrear nos bares, um ótimo lugar para os espíritos desencarnados
aparecerem e os espíritos enfraquecidos sucumbirem a todo esse apelo.
A luta continuava
incessantemente, até amarrada ela foi, sua irmã jogava água benta, descia em
todo seu corpo, até que diante de muita água, reza, fé, a “coisa” foi embora
aparecendo a garota, toda arranhada, sentindo dores em seu corpo todo,
perguntando por que todos estavam olhando assustados para ela, sendo logo
envolta em um cobertor, pois estava seminua.
A rua toda estava a maior
confusão, todos queriam ver a garota que incorporou a “pomba que gira” , mas
aos poucos os curiosos foram para suas residências.
Nos outros dias, começaram uma
novena para o padroeiro da cidade, a fim de que isso não aconteça novamente,
mesmo com todo esse esforço a “coisa” ficava à espreita onde Gilma mais se
divertia com seus amantes, justamente atrás da frondosa mangueira, ninguém via
a entidade, somente a pobre garota, que assustada fingia não perceber, até que
com o decorrer do tempo, ao finalizar a novena, as coisas foram melhorando, mas
não adiantava a novena, se a própria pessoa também não quisesse melhorar o seu
espírito.
Depois de todo aquele
acontecido, ela começou a fazer uma avaliação de toda a sua trajetória de vida
e resolveu mudar, deixando de mentir, de fazer tanta farra, sendo um ótimo
começo.
A maioria das pessoas esquece
de fazer suas orações, de praticar algum ato de bondade; como estamos em tempos
difíceis, o egoísmo se instalou, a falta de amor ao próximo campeia, tudo é
motivo para uma confusão generalizada, inda mais se o assunto é dinheiro.
O dinheiro é muito importante,
mas como percebemos, casos desse tipo pode acontecer em qualquer família, muitas
vezes nem é por causa da “pomba que gira”, mas da cabeça tortuosa que gira
diante de todas essas fraquezas terrenas, que sem querer podemos sucumbir de
uma hora para outra, por isso a meditação e a oração são muito importantes,
porque nós não somos perfeitos, ainda mais num mundo como esse porém o poder da
oração é mais forte do que imaginamos.
Sem fé em nosso criador,
seremos semelhantes às mais baixas criaturas e tudo que essa “revoada de
pombos” deseja é isso, o enfraquecimento espiritual.
(Do livro de Coletâneas FESTA SURPRESA ,Via Literária Editora, 2009, p. 213)
PARALELOGRAMO
Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
Na mesa de trabalho
Deixei um recado para ele
A minha paixão
Fluída ilusão e supraromântica
***
Deixei um bilhete
Sucinto e inexato
A bem da verdade compus
Em caligrafia rápida e enigmática
Antes
da pausa para o café
E depois atravessei a rua
E adentrei em um café colonial
Pedi um café expresso no balcão
Para
um estranho mal humorado
E mal pago
***
Ousei deixar um bilhete
Uma breve e inusitada carta convite
Para a minha idílica paixão liquefeita
Nele dizia assim:
Meu
querido, perdi o relógio de papai
Então venha me amar ao fim do turno.
Bem antes que o mundo acabe.
Clarisse Cristal é poetisa e
bibliotecária em Balneário Camboriú, SC.
ELA SE RECONSTRUIU
Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)
Todos os dias ela sonhava com ele. Ela tímida,
nunca disse os seus verdadeiros sentimentos. Nem precisava ser perceptível o
quanto ela queria. E a saudade era grande, mas fez com que ela caminhasse e
pudesse se enxergar, aliás viver de fantasia era exaustivo e inexato.
O tempo passou rápido, e a saudade foi
aumentando, também ela nunca se abriu com ele, seria tempo perdido. Certo dia,
ela se olhou no espelho, olhou para dentro do seu interior e por fora, estava
pálida. E por dentro indecifrável, não havia palavras para definir. Tudo que
viveu, era um verdadeiro delírio.
Bom! Acho que ela nunca quis a suposta paixão,
queria mostrar somente a sua arte. Viver de arte. Mas com tanta mentira em sua
volta, não havia outra esperança. Então, ela acordou para vida, com objetivos
novos, e o mais resoluto de todos foi enxergar a mentira, na qual vivia.
Ninguém que seja lúcido engana- se por tanto
tempo! E, o próprio tempo nos mostra. Não a conheci, mas admiro sua coragem de
enfrentar seus demônios....! Enfim, viva a arte. A ARTE!
Fabiane Braga Lima é poetisa e cronista em
Rio Claro, SP.
Contato: bragalimafabiane@gmail.com
A VIDA É UMA PASSAGEM
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Numa conversa entre malucos, o que para mim
eram dois sábios, um deles dizia: — Nem eu entendo. E dá para entender esse
caos humano? O mundo parece pequeno diante da arrogância de muitos.
A verdade é que algumas pessoas são uma farsa e
definem outras pessoas por um sorriso, por uma lágrima, por uma atitude, mas
não há quem conheça a fundo uma pessoa, o começo das histórias e o final de
cada uma delas.
Por vezes muitos falam de amor com tanta
exatidão, como se ele tivesse uma cartilha a ser decorada. E no fundo o amor
não precisa disso, nem as pessoas. Basta querer entender as coisas e ter um
pingo de amor, mas para saber amar você tem que amar em espírito não pela
carne.
E não se culpe por não ter dado certo, a vida é
para a gente quebrar a cara mesmo, nem sempre tudo será flores ou um belo
romance como o de Hazel Grace e Augustus. Ah tá, esqueci, ele morre no final!
Só que você precisa entender que o amor não morre, nem o tempo.
O tempo é eterno. Você pode até dizer que não
acredita nisso, mas no fundo você deseja que todas as coisas boas nessa vida
sejam eternas. Porém a vida é um ciclo entre o que vive, morre, nasce e
reconstrói.
Você pode dizer que estou falando essas coisas
porque eu sou escritora, mas lhe digo, estou falando isso porque eu acredito.
Afinal de contas eu tenho que acreditar em alguma coisa. Acho que todo ser humano
deve acreditar em alguma coisa até mesmo na sua própria pessoa, porque se não
acreditar que sentido terá a vida. Se a gente parar para pensar, alguns de nós
são movidos por nossas crenças.
Hazel Grace acreditava que o esquecimento era
inevitável. Ela quis dizer que uma hora a gente será esquecido, muitos outros
virão depois, depois de nós. E tem um pingo de verdade nisso, alguns de nós já
são esquecidos na velhice, ser esquecido após a morte é inevitável. A vida é
uma passagem.
Pegue um livro, ouça uma boa música, beije na
boca, faça tudo que tiver que fazer se quiser ser lembrado, que seja fazendo
algo. Porque não dá para viver uma vida inteira se protegendo dos sofrimentos,
das perdas, dos fracassos, dos erros, dos desamores e dos enganos. O melhor a
se fazer é viver, se colocar em primeiro lugar.
Clarisse
da Costa é cronista, poetisa e designer gráfico em Biguaçu, SC.
Contato:
clarissedacosta81@gmail.com
CONCLAVE NO PÁRAMO TRANQUILO
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Para Renan Fillipi da Costa
‘’Faz
tempo
Que o
autor dos poemas
Foi
embora
E eu
fiquei perdida no tempo’’
Fabiane Braga Lima
Cansaço! Foi pensar nas palavras do velho pai, há muito
tempo falecido: — Para alcançar os céus a jornada árdua é inevitável! — O velho
pai vivia repetindo, de formas variadas, esta frase como se fosse seu princípio
de vida. Cansaço, a cada passo que dava, o corpo avisava que as forças estavam
indo embora. E cada passo dado era como se não saísse do lugar, não como um
Sísifo, mas como se caminhasse por um deserto árido, sem vida e sem fim.
Subia as escadas, em caracol, com o
sentimento de um condenado que iria enfrentar o derradeiro martírio. Pois é
somente no martírio que se reconhece a vida e que se respeita a morte.
E uma vez alcançado o fim da escada, no pequeno platô alguém o esperava,
era uma jovem de ascendência indiana. O jovem, recém saído da adolescência, com
seis olhos negros vibrantes, cabelos negros reluzentes e o delineador egípcio
ressaltado a sua orientalidade. Estava com o braço direito na e o esquerdo nas
costas em sinal de reveria. Ele usava uma modesta e linda bata de algodão
marrom que ia até os joelhos e nos pés uma simples sandália de couro cru. O
jovem oriental usava um perfume, o olor de bálsamo exalava daquele homem era
marcante.
— Seja bem-vindo vossa graça conde! Tenho uma boa estada enquanto
conosco estiver! — Falou o homem enquanto se curvava, não era um tom de
subserviência pura e simples, parecia alguém pagando uma penitência de bom
agrado, calculou o europeu que passou pelo oriental sem dar conta da existência
dele — Saiba a vossa graça que, antes de alcançar o céu, bem antes de
adentrarmos ao paraíso, temos uma longa, árdua e inevitável jornada!
Fortes dores de cabeça vieram, a cabeça latejava, eram dores leves que
iam e viam, nasciam e logo morriam. Passou pela porta com certo cuidado, estava
em alerta total.
Uma explosão multicolorida, cores fortes e vívidas em toda a parte. No
salão trinta pessoas dividiam os espaços, eram harmonias caóticas de aromas,
sensações, idiomas, sabores e cores. De variadas, etnias e nacionalidades,
senhores e senhoras de idades avançadas, senhores e senhoras de meia idade e
jovens adultos todos bem vestidos e misturados.
Degustam pequenos quitutes e tomavam chás,
licores, café em variados aparelhos sofisticados de cristal e porcelana.
Serviam-se de pequenas porções, e de forma bem discreta, enquanto apontavam e
olhavam profundamente para fotografias expostas. Eram sorrisos leves, olhares
sérios e abissais, sinais de aprovações e desaprovações eram a tônica de todos
ali. O conde notou que na verdade se comunicavam em um idioma desconhecido, na
verdade era um misto de falares do mar mediterrâneo com acentos de outros
lugares remotos provavelmente. Todos e todas ali se comportavam como se fossem
conhecidos de longa data.
Os expositores, que davam sustentação aos retratos eram de um metro por
um metro, eram de cristal líquido e estavam suspenso no ar a um metro do chão,
eram três simetricamente separados por três centímetros de distância formando
assim triângulos assimétricos. Estavam dispersos pelo salão de exposição, a
distância exata de três metros um do outro.
Se aproximou de um e vi uma mulher mestiça,
de cabelos negros volumosos, era uma mulher adulta, com fortes traços
africanos, estava de joelhos em um sofá, vestia uma delicada lingerie bege, nos
pés sandálias pretas salto alto fino bico e com tiras finas. De frente a uma
janela, os raios do sol realçavam os seios fartos e as coxas grossas, de olhos
fechados segurava as com as duas mãos as alças da calcinha delicada. A mesma
peça, se repetia nos outros dois expositores opostos, formando uma
equidistância perfeita. As luzes naturais vindas das janelas e as luzes frias e
quentes artificiais que brotavam, de lâmpadas no chão e no teto, davam
contornos e contrastes diferenciados às peças e revelavam e escondiam detalhes
em cada canto da densa fotografia. Revelavam os brilhos labiais na boca
carnuda, assim como escureciam o blush e também revelavam e escondiam micros
detalhes espalhados em cada canto da fotografia. Um olor, quase imperceptível,
de frescas rosas matinais exalavam do quadro.
Um pouco mais à frente a mesma modelo, deita em uma cama de casal entre
um lençol de egípcio e travesseiro de pena de ganso, o poder pessoal de sedução
explodiu da modelo no olhar sedutor, com a mão direita segurava o cabelo
volumoso, as longas unhas esmaltes em tom amarelo claro em contraste com a
lingerie branca. Amor, paixão e liberdade foram as palavras encontradas pelo
expectador, para descrever o que via e sentia.
Extasiado e mais uns passos à frente e o embrulho no estômago fez
presente e mais uma peça, uma outra modelo, outra mulher branca com fortes
traços africanos. Está sentada em uma cadeira, virada usado a costa da cadeira
como suporte, com o cabelo cobre cacheado. Os brincos em corrente incrustada de
semi-joias, a boca fina realçada pelo batom vermelho predador e a lingerie
preta. Um misto de sedução e de amor trágico emanava da cena.
Fez a digressão pelo salão de exposição, constatou que duas mulheres eram
irmãs, em todas as fotografias suscitaram: beleza, liberdade, jovialidade,
sedução, dor, desespero, leveza, amor, sexualidade das duas belas modelos não
convencionais. Uma tinha o brilho jovial e alegre como um dia de sol primaveril
em todas as fotografias e a outra era pura sedução, dor e sensualidade em uma
rara beleza trágica.
— O seu café, senhor, foi passado agora! — Um secretário falou com um
português leve e servil com sotaque indiano de Goa! — Tinha um sofisticado e
pequeno aparelho branco de porcelana de café em uma bandeja de madeira, saltava
os olhos os detalhes orientais pintados a mão. O secretário repassou a pequena
e delicada xícara e serviu com leveza e paciência oriental.
— De fato eu estava precisando mesmo de uma xícara de café — Levou a
xícara a boa e antes de provar, sentiu o aroma do café da infância, pois a mãe
leitora voraz de romances russos colocava gotas de limão nas xícaras de café.
Até a voz do serviçal lembrou o irmão mais velho a muito tempo muito falecido,
era um exímio barista.
— Mas como assim? Que lugar é este?
— É uma exposição de fotografias de arte, que se chama Dark saga: almas
gêmeas. São duas modelos, são duas irmãs na vida terrena e também irmãs de
alma. Se é isto que a vossa graça queria saber? Mas posso chamar o curador da
exposição, para lhe dar mais detalhes precisos. — Disse isso em tom suave e
apontando para o final do salão de exposição.
— Aldo! — Falou espantado e com horror no tom de voz.
— Sim senhor, o camarada mestre Aldo é
o nosso curador, da nossa magnificente exposição! Tenho um bom dia! — Respondeu
com uma voz metálica, na verdade uma voz inumana, e o jovem indiano bateu os
cascos à moda militar, se pôs em uma formação militar, encarou e se
retirou.
A voz do secretário zuniu no âmago mais
profundo. Um passado há muito distante, onde gritos de horror, sangue jorrando
em rios, o som da eletricidade que percorre corpos, risos sádicos, choros
compulsivos e o alívio da morte eram a lei. Aldo estava de terno e gravata,
eram roupas sóbrias de um homem culto e poderoso do leste europeu, terno azul
escuro, gravata tom sobre tom e sapatos lustrados.
O camarada curador Aldo, conversava com um
homem alto, corpulento de olhos verdes expressivos, estava uniformizado, com um
elegante traje de gala. Era um almirante, as condecorações se espalhavam pelo
peito, um ar latino, no militar dos mares, saltava aos olhos, o militar era
jovem demais para estar no posto que estava e ter as condecorações que tinha.
Aldo, que segurava um copo de vodca gelada,
parou de conversar com o jovem almirante condecorado e olhou para o lado oposto
de onde estava. O sorriso no rosto, do austero camarada curador, desapareceu
por completo e rapidamente brotou um abissal sorriso glacial.
Samuel da Costa é contista, poeta e
funcionário público em Itajaí, SC.
Contato: samueldeitajaí@yahoo.com.br
A FLOR DA AMIZADE
Por Marcelo de Oliveira Souza (Salvador, BA)
Nessa vida de dificuldade
Todos viemos nos superar
Tem hora que bate a saudade,
Na internet, vamos navegar.
Usando a versatilidade
Para nos aproximar
Tem hora que bate a saudade
O jeito é nos comunicar.
A vida tem dessas coisas
Faz a gente se separar
Tem hora que bate a saudade
Vidas passadas vamos lembrar.
O sentimento de lealdade
Amiga em todo lugar
Tem hora que bate a saudade
Para sempre amigos ficar.
A flor da amizade
Ela fica no mesmo lugar
Tem hora que bate a saudade
Te acho em qualquer lugar.
No mundo de iniquidade
Amiga de sempre vai continuar
Tem hora que bate a saudade
Mas a flor da amizade, vou
entregar!
O TRISTE FIM DO PARQUE SOLAR BOA VISTA
Por Marcelo de Oliveira Souza (Salvador, BA)
Aqui em Salvador, a política de preservação ambiental é colocada de lado, a cultura é de depredação do meio ambiente, quanto aos espaços culturais a política não é diferente.
Imaginem um lugar centralizado, bucólico, aprazível que abrigue um teatro e ainda seja um lugar histórico onde um escritor famoso como Castro Alves, tenha residido, como seria?
Certamente quem está lendo esse texto, vai pensar maravilhas desse local, que no mínimo, teria uma grande visitação, ou preservação no que tange à cultura.
É justamente o contrário, o Parque Solar Boa Vista que fica no Engenho Velho de Brotas, Salvador BA, é um dos lugares mais desprezados pelos nossos gestores, que ficam no jogo de empurra entre prefeitura e estado, deixando o local ser destruído, por desocupados, lavadores de lava-jato, caminhoneiros e caçambeiros e tudo que você possa imaginar. Segmentos da imprensa já vieram diversas vezes, mas nada tem resolvido, ninguém socorre esse falecido parque, que agora está sendo invadido por pessoas que estão construindo barracas dentro do local.
A gente não tem mais a quem recorrer, pois esse problema vem se arrastando por diversas gestões municipais e estaduais.
Não sei por que tamanho desprezo pela cultura e natureza, no entanto o desprezo ainda é pior aos moradores que indignados protestam, denunciam, mas não têm nenhum resultado.
EU FALO ENTRE ESTÁTUAS!
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Para a poetisa Clarisse da
Costa
‘’Deleito-me em terras férteis
Que me levam para longe do
caos.
Escuto o ruído,
Tira-me o sossego.
Tendo o mar como inspiração
vejo
No meu inconsciente, águas
negras,
E um céu estrelado.’’
Fabiane Braga Lima
A limusine negra, como a
noite, parou defronte um prédio de aparência decrépita, lá dentro do automóvel
luxuoso um austero homem idoso, com as duas mãos postada em uma bengala,
impaciente o senhor aguarda o chofer abrir a porta do veículo. No assento do
motorista que aguarda, aguarda ele mesmo não sabe bem o que. O passageiro do
luxuoso veículo blindado esbraveja: — A porta seu imbecil, abra a porta! —
Constrangido o motorista aperta o botão que estava no volante. A porta traseira
se abriu, o homem idoso de aparência austera se levantou com dificuldade.
Ao lado da limusine estavam em prontidão dois homens, irmãos gêmeos, eram
negros enormes de ascendência africana, estavam bem alinhados com seus de
ternos negros bem ajustados, estavam armados com facas militar Zakharov
Quitaúna, submetralhadoras Blowback semiautomáticas, vestiam óculos escuros
personalizados e estavam municiados com coletes a prova de balas. Um estava em
alerta, olhava para todos as direções como quem aguarda uma agressão, o outro
dava atenção ao senhor de idade avançada.
— Voltem para o hotel e substituam este imbecil ao volante! Não quero vê-lo
novamente! — O homem idoso não escondeu o mau humor.
— Mas senhor...
— Sumam das minhas vistas agora! Eu quero ficar sozinho!
Os dois homens experientes se entreolharam, assentiram com a cabeça. Ambos
levaram o punho à boca e simultaneamente repassaram as ordens, um se comunicou
com o motorista e o outro com outro veículo de apoio. Falam no idioma italiano
com forte sotaque de Roma. Um dos seguranças se encaminhou para substituir o
motorista da limusine e o outro se dirigiu para o carro blindado que ficara a
poucos metros à frente da limusine. O carro de apoio que estava atrás da
limusine deu ré e entrou em uma revisão paralela. A limusine se dirigiu para um
hotel cinco estrelas e os outros veículos se dispersaram, partiram para pontos
diferentes.
O homem idoso se moveu, com
certa dificuldade, e se dirigiu para a entrada do prédio semidecadente. O
senhor de idade avançada abrupto levou a mão esquerda aos olhos e conferiu as
horas e notou que estava no horário. Dali para frente estava sozinho, sem
comunicação, sem apoio e em terreno desconhecido, se fosse cristão ou mesmo, se
acreditasse em quimeras vagas que homens e mulheres oram, rezam e ficam de
joelhos pelo menos. Mas nem isso ele tinha àquela hora.
O homem caminhou poucos metros e se deparou com uma pequena escada, eram
somente três degraus e avançou trôpego no peso de mármore negra. A frente um
portal de madeira ornado à moda medieval, em pedestais duas peças
renascentistas de bronze em tamanho natural. Duas estátuas de mulheres nuas
choravam em desespero e o artista colocou uma enorme carga dramática e sensual
nas obras gêmeas. Cada uma em uma lateral da entrada e entreolhando-se no mais
completo desespero na equidistância.
As portas se abriram assim que o homem idoso se aproximou, ele notou a falta de
câmeras de segurança ou interfone na entrada, assim como caixa de correios.
Assim que passou pelo portal de entrada ele se deparou com uma versão
modernista da entrada com duas estátuas de mármore branca, um tapete artesanal
e colunas jônicas. E depois uma grande espaço no que seria um salão de festas,
saltava os olhos o negro piso de madeira artesanal, o espaço sem cadeiras,
mesas e exaustores de ar. Sem janelas, e um sofisticado e moderno sistema de
climatização, um atualizado jogo de iluminação de festas imperavam no céu do
lugar como se fosse uma constelação. O espaço era negro como noite mais escura
e no final o salão um pequeno palco para apresentações.
Um conjunto de luzes verdes na lateral esquerda formava uma trilha e o homem
idoso seguia a trilha que levava ao lado do palco. As luzes eram frias e a cada
um que o homem passava o ambiente ficava mais e mais frias, contratando com o
calor tropical de fora do prédio. O senhor de idade avistou uma escada em
caracol, ao lado do palco, o homem reconheceu logo um trabalho artesanal,
planejado e executado por um paciente, artesão do oriente médio ou do
mediterrâneo.
Até aquele momento as estranhas misturas arquitetônicas e estéticas, mistura
entre as novas tecnologias e os velhos métodos do velho mundo não chocaram o
homem de idade avançada. A curiosidade precedia as estranhezas, era e é assim
que a comunicação entre o novo mundo em formação e velho mundo decadente. Ali
tudo fora moldado a muitas mãos e, provavelmente, permeado de muitas brigas e
fortes discussões estéticas. E recursos financeiros, ali também não seria um
problema imediato. Um espaço sombrio, multiuso e adaptável para audiências
variadas era o que passou na cabeça do homem que se atreveu a aceitar o convite
de adentrar naquele ambiente ignoto.
Desolado, o senhor idoso olhou para o alto da escada e percebeu que tinha um
longo caminho para onde queria chegar. Os joelhos doíam, as palmas dos pés
latejavam, os calçados apertavam e ele pensou na ideia de estar armado não
seria ruim. E então ele se recompôs e recomeçou a caminhada, a subida até o
céu.
Samuel da Costa é contista,
cronista e funcionário público em Itajaí, SC.
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
BONECA DE PANO
Por Carla de C. Muniz (Rio de Janeiro, RJ)
Assim começa a história de uma
linda boneca de pano. No início era tão linda com seus olhos em botões
castanhos. Era amada por todos na família. Mas como tudo tem seu tempo. O dela
também chegou.
Sozinha jogada em um canto
pelo quarto já não via a luz do sol e não era mais querida. Apenas recordações,
vivia a boneca de pano. Esquecida até por aqueles que diziam que a amavam.
O tempo passou seu vestido
rasgado e a falta de um dos olhos foi o motivo para ser descartada. Mesmo no
lixo ainda amava as pessoas que a deixaram. E antes de ser levada pelo caminhão
de lixo, apareceu uma menina que a resgatou.
Costurou seus olhos e fez um
lindo vestido. Recebeu outro nome e foi acalentada. E o mais importante é que
ela voltou a ser amada...
MUNDO PARTICULAR
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Cada detalhe daquele homem
Me fascina intensamente,
Ele tem um jeito selvagem
E doce ao mesmo tempo.
Eu me perco às vezes nos seus
olhos.
Cada palavra dita
São como toques fortes
Deslizando no meu corpo.
Eu nem percebo as horas passarem.
O tempo não existe para nós.
A vida ousa nos desafiar.
Parece que criamos um novo
mundo
Interessante nosso,
Sem medo de errar.
Sem culpa.
Pele a pele, como deve ser.
As estações mudam e nós
Continuamos nesse mundo
particular.
Clarisse da Costa é cronista e
poetisa em Biguaçu, SC.
Contato:
clarissedacosta81@gmail.com
EM PERPÉTUOS CICLOS
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Em memória de João Carlos
Pereira
‘’Eu prefiro as certezas do
sim!
Do que a incertezas do talvez.’’
Clarisse da Costa
Uma vaga leve fragrância de flor de
laranja alternado por um forte olor almiscarado estava suspenso no ar. Uma
explosão de fortes e vívidas cores irritou muito o agente de segurança que
vagava pelo salão. O vai e vem de gente negra, de vários tons de pele escura,
pulseiras reluzentes, enormes brincos, lenços na cabeça, turbantes variados e
as roupas berrantes e chamativas.
E o som baixo e discreto de
eufônicas de variadas línguas estrangeiras que se lançavam no ar e
intercambiavam entre as pessoas que ocupavam os espaços como se fosse uma
perfeita sinfonia. O agente de segurança de idade avançada sentiu um frio na
espinha como nunca tinha sentido antes.
***
— Aquieto-me para recomeçar um novo
ciclo professor Muteia. O texto quase parece com o de uma falecida autora. Mas
a obra é minha com toda a certeza! — O rascunho estava na mesa, Adérito Muteia
relutava em pegar o manuscrito para ler. O literato africano já tinha recebido
uma cópia em mídia digital. Mas algo gritava dentro dele e de forma
desesperada.
— Minha querida Fabiana de Lima,
não creio que posso satisfazer os anseios de vossa senhoria no momento.
O palavrório afetado, com leve
sotaque luso, irritou a jovial loura, vestida sobriamente como uma aluna de
pós-graduação a apresentar uma tese, com seu tailleur Chanel azul limão. Os
olhos castanhos em chamas dela cravaram profundamente em Muteia, o africano
devolveu semicerrando os olhos negros profundos. Seria uma reunião e tanto
pensou Muteia àquela hora.
O agente de segurança passou ao
lado de onde Fabiana e Muteia foram se alojar. O homem da lei, muito idoso para
um agente de campo, parou e se voltou de forma abrupta para o casal. Mil vozes mínimas em desesperos urraram
dentre dele, o casal impassível sequer deu pela existência do homem idoso
impecavelmente vestido que andava com a ajuda de uma bengala e de óculos
escuros. Cansado o homem sai da sala onde estava, saí como quem foge para
salvar a vida cambaleando e lânguido.
— Então irá fazer mudanças no
texto? Olha o miúda, eu não tenho muito tempo para aspirantes a escritores, és
ambiciosa demais e não creio que...
— Balela professor Muteia! — Falou
em tom de desafio — Não vim de tão longe para ter a sua aprovação pessoal!
— Não me interrompa de novo miúda!
Não vou e não quero te dar aprovação alguma, não é este o meu papel!
Muteia estava falando com a
jovem adulta na frente dele como se estivesse de novo em campo de batalha. O
adido militar já tinha visto isto antes, bem falantes e corajosos jovens
combatentes recém saídos de treinamento apressados, em desespero eles choraram
e se esconderam quando os combates começavam de fato.
— Não quero ser grosseira
professor, me desculpe, eu só vim de muito longe e quero ser publicada, eu
quero ser mais útil!
Muteia sentiu um zumbido que
crescia e crescia, um drone pensou, dois drones na verdade calculou o professor
africano. E o literato ficou mais relaxado e pensou em um charuto, sentia a
necessidade de um charuto a bem da verdade.
E não demorou muito um jovem
secretário indiano bem alinhado veio com uma bandeja de madeira com as bordas
artesanalmente decoradas. Nela uma caixa de charutos pintada a mão e de copo de
cristal decorado, nela havia chá de lima-da-pérsia gelado. O jovem de cabelos
negros e olhos negros vivazes serviu o casal e desapareceu tão rápido quanto
chegou.
— Miúda não somente querer, pensar
ou mesmo desejar! Na verdade, é tudo isto junto temperado com as a casualidades
que a vida nos impõe! E temos que viver e conviver não somente com as nossas
escolhas, mas também com as escolhas alheias.
O zumbido ficou mais alto, e o
literato esperou e esperou enquanto pegou o cortador de charutos Don Emmanuel e
o isqueiro à querosene com tanque de óleo transparente. O professor, literato e
adido militar preparou e acendeu o charuto cubano que tinha levado à boca e deu
uma demorada baforada.
A jovem escritora levantou a mão
fechada em punho na frente do Muteia, abriu e fechou! O drone parado a poucos
metros dos dois se esmigalhou e caiu no meio da rua, caiu na calçada e não
atingiu ninguém. Muteia dá uma segunda baforada seguida de um discreto sorriso
de marfim e bate palmas.
— Jovem e impulsiva! E nada
discreta pelo que vejo!
O segundo drone parado a
quilômetros de distância caiu lentamente, foi para em uma mata fechada do que
seria um jardim de uma luxuosa casa abandonada. Muteia, muito cansara em dar aulas
para estes jovens impulsivos.
— Vamos ver com mais cuidado o que
temos aqui. — Muteia pegou o manuscrito em cima da mesa e leu: Eu falo entre
estátuas!
Samuel da Costa é contista,
cronista e funcionário público em Itajaí, SC.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
ALÉM DE MIM
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Já me desmontei
Em tantos sorrisos,
Nos brilhos dos olhos
Que pareciam dizer algo…
Já fui além de mim
E atravessei o muro do medo,
Me arrisquei, amei, me doei.
Eu tinha um novo mundo
Diante do meu ser
Tão sem expectativa,
Hospedeiro da realidade.
É incrível como as coisas acontecem!
A gente toma decisões
E algumas coisas no meio do caminho
Mudam.
São como flores, novas cores,
Um novo florescer…
E a vida… essa trata de seguir o seu caminho.
Clarisse da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu, SC.
Contato: clarissedacosta81@gmail.com