sexta-feira, 1 de abril de 2022

EU FALO ENTRE ESTÁTUAS!

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


Para a poetisa Clarisse da Costa


‘’Deleito-me em terras férteis

Que me levam para longe do caos.

Escuto o ruído,

Tira-me o sossego.

Tendo o mar como inspiração vejo

No meu inconsciente, águas negras,

E um céu estrelado.’’

Fabiane Braga Lima

           

A limusine negra, como a noite, parou defronte um prédio de aparência decrépita, lá dentro do automóvel luxuoso um austero homem idoso, com as duas mãos postada em uma bengala, impaciente o senhor aguarda o chofer abrir a porta do veículo. No assento do motorista que aguarda, aguarda ele mesmo não sabe bem o que. O passageiro do luxuoso veículo blindado esbraveja: — A porta seu imbecil, abra a porta! — Constrangido o motorista aperta o botão que estava no volante. A porta traseira se abriu, o homem idoso de aparência austera se levantou com dificuldade.

            Ao lado da limusine estavam em prontidão dois homens, irmãos gêmeos, eram negros enormes de ascendência africana, estavam bem alinhados com seus de ternos negros bem ajustados, estavam armados com facas militar Zakharov Quitaúna, submetralhadoras Blowback semiautomáticas, vestiam óculos escuros personalizados e estavam municiados com coletes a prova de balas. Um estava em alerta, olhava para todos as direções como quem aguarda uma agressão, o outro dava atenção ao senhor de idade avançada.

            — Voltem para o hotel e substituam este imbecil ao volante! Não quero vê-lo novamente! — O homem idoso não escondeu o mau humor.

            — Mas senhor...

            — Sumam das minhas vistas agora! Eu quero ficar sozinho!

            Os dois homens experientes se entreolharam, assentiram com a cabeça. Ambos levaram o punho à boca e simultaneamente repassaram as ordens, um se comunicou com o motorista e o outro com outro veículo de apoio. Falam no idioma italiano com forte sotaque de Roma. Um dos seguranças se encaminhou para substituir o motorista da limusine e o outro se dirigiu para o carro blindado que ficara a poucos metros à frente da limusine. O carro de apoio que estava atrás da limusine deu ré e entrou em uma revisão paralela. A limusine se dirigiu para um hotel cinco estrelas e os outros veículos se dispersaram, partiram para pontos diferentes.     

            O homem idoso se moveu, com certa dificuldade, e se dirigiu para a entrada do prédio semidecadente. O senhor de idade avançada abrupto levou a mão esquerda aos olhos e conferiu as horas e notou que estava no horário. Dali para frente estava sozinho, sem comunicação, sem apoio e em terreno desconhecido, se fosse cristão ou mesmo, se acreditasse em quimeras vagas que homens e mulheres oram, rezam e ficam de joelhos pelo menos. Mas nem isso ele tinha àquela hora.

            O homem caminhou poucos metros e se deparou com uma pequena escada, eram somente três degraus e avançou trôpego no peso de mármore negra. A frente um portal de madeira ornado à moda medieval, em pedestais duas peças renascentistas de bronze em tamanho natural. Duas estátuas de mulheres nuas choravam em desespero e o artista colocou uma enorme carga dramática e sensual nas obras gêmeas. Cada uma em uma lateral da entrada e entreolhando-se no mais completo desespero na equidistância.

            As portas se abriram assim que o homem idoso se aproximou, ele notou a falta de câmeras de segurança ou interfone na entrada, assim como caixa de correios. Assim que passou pelo portal de entrada ele se deparou com uma versão modernista da entrada com duas estátuas de mármore branca, um tapete artesanal e colunas jônicas. E depois uma grande espaço no que seria um salão de festas, saltava os olhos o negro piso de madeira artesanal, o espaço sem cadeiras, mesas e exaustores de ar. Sem janelas, e um sofisticado e moderno sistema de climatização, um atualizado jogo de iluminação de festas imperavam no céu do lugar como se fosse uma constelação. O espaço era negro como noite mais escura e no final o salão um pequeno palco para apresentações.

            Um conjunto de luzes verdes na lateral esquerda formava uma trilha e o homem idoso seguia a trilha que levava ao lado do palco. As luzes eram frias e a cada um que o homem passava o ambiente ficava mais e mais frias, contratando com o calor tropical de fora do prédio. O senhor de idade avistou uma escada em caracol, ao lado do palco, o homem reconheceu logo um trabalho artesanal, planejado e executado por um paciente, artesão do oriente médio ou do mediterrâneo.

            Até aquele momento as estranhas misturas arquitetônicas e estéticas, mistura entre as novas tecnologias e os velhos métodos do velho mundo não chocaram o homem de idade avançada. A curiosidade precedia as estranhezas, era e é assim que a comunicação entre o novo mundo em formação e velho mundo decadente. Ali tudo fora moldado a muitas mãos e, provavelmente, permeado de muitas brigas e fortes discussões estéticas. E recursos financeiros, ali também não seria um problema imediato. Um espaço sombrio, multiuso e adaptável para audiências variadas era o que passou na cabeça do homem que se atreveu a aceitar o convite de adentrar naquele ambiente ignoto. 

            Desolado, o senhor idoso olhou para o alto da escada e percebeu que tinha um longo caminho para onde queria chegar. Os joelhos doíam, as palmas dos pés latejavam, os calçados apertavam e ele pensou na ideia de estar armado não seria ruim. E então ele se recompôs e recomeçou a caminhada, a subida até o céu.      


Samuel da Costa é contista, cronista e funcionário público em Itajaí, SC.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário