Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Para a poetisa Clarisse da
Costa
‘’Deleito-me em terras férteis
Que me levam para longe do
caos.
Escuto o ruído,
Tira-me o sossego.
Tendo o mar como inspiração
vejo
No meu inconsciente, águas
negras,
E um céu estrelado.’’
Fabiane Braga Lima
A limusine negra, como a
noite, parou defronte um prédio de aparência decrépita, lá dentro do automóvel
luxuoso um austero homem idoso, com as duas mãos postada em uma bengala,
impaciente o senhor aguarda o chofer abrir a porta do veículo. No assento do
motorista que aguarda, aguarda ele mesmo não sabe bem o que. O passageiro do
luxuoso veículo blindado esbraveja: — A porta seu imbecil, abra a porta! —
Constrangido o motorista aperta o botão que estava no volante. A porta traseira
se abriu, o homem idoso de aparência austera se levantou com dificuldade.
Ao lado da limusine estavam em prontidão dois homens, irmãos gêmeos, eram
negros enormes de ascendência africana, estavam bem alinhados com seus de
ternos negros bem ajustados, estavam armados com facas militar Zakharov
Quitaúna, submetralhadoras Blowback semiautomáticas, vestiam óculos escuros
personalizados e estavam municiados com coletes a prova de balas. Um estava em
alerta, olhava para todos as direções como quem aguarda uma agressão, o outro
dava atenção ao senhor de idade avançada.
— Voltem para o hotel e substituam este imbecil ao volante! Não quero vê-lo
novamente! — O homem idoso não escondeu o mau humor.
— Mas senhor...
— Sumam das minhas vistas agora! Eu quero ficar sozinho!
Os dois homens experientes se entreolharam, assentiram com a cabeça. Ambos
levaram o punho à boca e simultaneamente repassaram as ordens, um se comunicou
com o motorista e o outro com outro veículo de apoio. Falam no idioma italiano
com forte sotaque de Roma. Um dos seguranças se encaminhou para substituir o
motorista da limusine e o outro se dirigiu para o carro blindado que ficara a
poucos metros à frente da limusine. O carro de apoio que estava atrás da
limusine deu ré e entrou em uma revisão paralela. A limusine se dirigiu para um
hotel cinco estrelas e os outros veículos se dispersaram, partiram para pontos
diferentes.
O homem idoso se moveu, com
certa dificuldade, e se dirigiu para a entrada do prédio semidecadente. O
senhor de idade avançada abrupto levou a mão esquerda aos olhos e conferiu as
horas e notou que estava no horário. Dali para frente estava sozinho, sem
comunicação, sem apoio e em terreno desconhecido, se fosse cristão ou mesmo, se
acreditasse em quimeras vagas que homens e mulheres oram, rezam e ficam de
joelhos pelo menos. Mas nem isso ele tinha àquela hora.
O homem caminhou poucos metros e se deparou com uma pequena escada, eram
somente três degraus e avançou trôpego no peso de mármore negra. A frente um
portal de madeira ornado à moda medieval, em pedestais duas peças
renascentistas de bronze em tamanho natural. Duas estátuas de mulheres nuas
choravam em desespero e o artista colocou uma enorme carga dramática e sensual
nas obras gêmeas. Cada uma em uma lateral da entrada e entreolhando-se no mais
completo desespero na equidistância.
As portas se abriram assim que o homem idoso se aproximou, ele notou a falta de
câmeras de segurança ou interfone na entrada, assim como caixa de correios.
Assim que passou pelo portal de entrada ele se deparou com uma versão
modernista da entrada com duas estátuas de mármore branca, um tapete artesanal
e colunas jônicas. E depois uma grande espaço no que seria um salão de festas,
saltava os olhos o negro piso de madeira artesanal, o espaço sem cadeiras,
mesas e exaustores de ar. Sem janelas, e um sofisticado e moderno sistema de
climatização, um atualizado jogo de iluminação de festas imperavam no céu do
lugar como se fosse uma constelação. O espaço era negro como noite mais escura
e no final o salão um pequeno palco para apresentações.
Um conjunto de luzes verdes na lateral esquerda formava uma trilha e o homem
idoso seguia a trilha que levava ao lado do palco. As luzes eram frias e a cada
um que o homem passava o ambiente ficava mais e mais frias, contratando com o
calor tropical de fora do prédio. O senhor de idade avistou uma escada em
caracol, ao lado do palco, o homem reconheceu logo um trabalho artesanal,
planejado e executado por um paciente, artesão do oriente médio ou do
mediterrâneo.
Até aquele momento as estranhas misturas arquitetônicas e estéticas, mistura
entre as novas tecnologias e os velhos métodos do velho mundo não chocaram o
homem de idade avançada. A curiosidade precedia as estranhezas, era e é assim
que a comunicação entre o novo mundo em formação e velho mundo decadente. Ali
tudo fora moldado a muitas mãos e, provavelmente, permeado de muitas brigas e
fortes discussões estéticas. E recursos financeiros, ali também não seria um
problema imediato. Um espaço sombrio, multiuso e adaptável para audiências
variadas era o que passou na cabeça do homem que se atreveu a aceitar o convite
de adentrar naquele ambiente ignoto.
Desolado, o senhor idoso olhou para o alto da escada e percebeu que tinha um
longo caminho para onde queria chegar. Os joelhos doíam, as palmas dos pés
latejavam, os calçados apertavam e ele pensou na ideia de estar armado não
seria ruim. E então ele se recompôs e recomeçou a caminhada, a subida até o
céu.
Samuel da Costa é contista,
cronista e funcionário público em Itajaí, SC.
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
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