Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Em memória de João Carlos
Pereira
‘’Eu prefiro as certezas do
sim!
Do que a incertezas do talvez.’’
Clarisse da Costa
Uma vaga leve fragrância de flor de
laranja alternado por um forte olor almiscarado estava suspenso no ar. Uma
explosão de fortes e vívidas cores irritou muito o agente de segurança que
vagava pelo salão. O vai e vem de gente negra, de vários tons de pele escura,
pulseiras reluzentes, enormes brincos, lenços na cabeça, turbantes variados e
as roupas berrantes e chamativas.
E o som baixo e discreto de
eufônicas de variadas línguas estrangeiras que se lançavam no ar e
intercambiavam entre as pessoas que ocupavam os espaços como se fosse uma
perfeita sinfonia. O agente de segurança de idade avançada sentiu um frio na
espinha como nunca tinha sentido antes.
***
— Aquieto-me para recomeçar um novo
ciclo professor Muteia. O texto quase parece com o de uma falecida autora. Mas
a obra é minha com toda a certeza! — O rascunho estava na mesa, Adérito Muteia
relutava em pegar o manuscrito para ler. O literato africano já tinha recebido
uma cópia em mídia digital. Mas algo gritava dentro dele e de forma
desesperada.
— Minha querida Fabiana de Lima,
não creio que posso satisfazer os anseios de vossa senhoria no momento.
O palavrório afetado, com leve
sotaque luso, irritou a jovial loura, vestida sobriamente como uma aluna de
pós-graduação a apresentar uma tese, com seu tailleur Chanel azul limão. Os
olhos castanhos em chamas dela cravaram profundamente em Muteia, o africano
devolveu semicerrando os olhos negros profundos. Seria uma reunião e tanto
pensou Muteia àquela hora.
O agente de segurança passou ao
lado de onde Fabiana e Muteia foram se alojar. O homem da lei, muito idoso para
um agente de campo, parou e se voltou de forma abrupta para o casal. Mil vozes mínimas em desesperos urraram
dentre dele, o casal impassível sequer deu pela existência do homem idoso
impecavelmente vestido que andava com a ajuda de uma bengala e de óculos
escuros. Cansado o homem sai da sala onde estava, saí como quem foge para
salvar a vida cambaleando e lânguido.
— Então irá fazer mudanças no
texto? Olha o miúda, eu não tenho muito tempo para aspirantes a escritores, és
ambiciosa demais e não creio que...
— Balela professor Muteia! — Falou
em tom de desafio — Não vim de tão longe para ter a sua aprovação pessoal!
— Não me interrompa de novo miúda!
Não vou e não quero te dar aprovação alguma, não é este o meu papel!
Muteia estava falando com a
jovem adulta na frente dele como se estivesse de novo em campo de batalha. O
adido militar já tinha visto isto antes, bem falantes e corajosos jovens
combatentes recém saídos de treinamento apressados, em desespero eles choraram
e se esconderam quando os combates começavam de fato.
— Não quero ser grosseira
professor, me desculpe, eu só vim de muito longe e quero ser publicada, eu
quero ser mais útil!
Muteia sentiu um zumbido que
crescia e crescia, um drone pensou, dois drones na verdade calculou o professor
africano. E o literato ficou mais relaxado e pensou em um charuto, sentia a
necessidade de um charuto a bem da verdade.
E não demorou muito um jovem
secretário indiano bem alinhado veio com uma bandeja de madeira com as bordas
artesanalmente decoradas. Nela uma caixa de charutos pintada a mão e de copo de
cristal decorado, nela havia chá de lima-da-pérsia gelado. O jovem de cabelos
negros e olhos negros vivazes serviu o casal e desapareceu tão rápido quanto
chegou.
— Miúda não somente querer, pensar
ou mesmo desejar! Na verdade, é tudo isto junto temperado com as a casualidades
que a vida nos impõe! E temos que viver e conviver não somente com as nossas
escolhas, mas também com as escolhas alheias.
O zumbido ficou mais alto, e o
literato esperou e esperou enquanto pegou o cortador de charutos Don Emmanuel e
o isqueiro à querosene com tanque de óleo transparente. O professor, literato e
adido militar preparou e acendeu o charuto cubano que tinha levado à boca e deu
uma demorada baforada.
A jovem escritora levantou a mão
fechada em punho na frente do Muteia, abriu e fechou! O drone parado a poucos
metros dos dois se esmigalhou e caiu no meio da rua, caiu na calçada e não
atingiu ninguém. Muteia dá uma segunda baforada seguida de um discreto sorriso
de marfim e bate palmas.
— Jovem e impulsiva! E nada
discreta pelo que vejo!
O segundo drone parado a
quilômetros de distância caiu lentamente, foi para em uma mata fechada do que
seria um jardim de uma luxuosa casa abandonada. Muteia, muito cansara em dar aulas
para estes jovens impulsivos.
— Vamos ver com mais cuidado o que
temos aqui. — Muteia pegou o manuscrito em cima da mesa e leu: Eu falo entre
estátuas!
Samuel da Costa é contista,
cronista e funcionário público em Itajaí, SC.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário