Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Para Renan Fillipi da Costa
‘’Faz
tempo
Que o
autor dos poemas
Foi
embora
E eu
fiquei perdida no tempo’’
Fabiane Braga Lima
Cansaço! Foi pensar nas palavras do velho pai, há muito
tempo falecido: — Para alcançar os céus a jornada árdua é inevitável! — O velho
pai vivia repetindo, de formas variadas, esta frase como se fosse seu princípio
de vida. Cansaço, a cada passo que dava, o corpo avisava que as forças estavam
indo embora. E cada passo dado era como se não saísse do lugar, não como um
Sísifo, mas como se caminhasse por um deserto árido, sem vida e sem fim.
Subia as escadas, em caracol, com o
sentimento de um condenado que iria enfrentar o derradeiro martírio. Pois é
somente no martírio que se reconhece a vida e que se respeita a morte.
E uma vez alcançado o fim da escada, no pequeno platô alguém o esperava,
era uma jovem de ascendência indiana. O jovem, recém saído da adolescência, com
seis olhos negros vibrantes, cabelos negros reluzentes e o delineador egípcio
ressaltado a sua orientalidade. Estava com o braço direito na e o esquerdo nas
costas em sinal de reveria. Ele usava uma modesta e linda bata de algodão
marrom que ia até os joelhos e nos pés uma simples sandália de couro cru. O
jovem oriental usava um perfume, o olor de bálsamo exalava daquele homem era
marcante.
— Seja bem-vindo vossa graça conde! Tenho uma boa estada enquanto
conosco estiver! — Falou o homem enquanto se curvava, não era um tom de
subserviência pura e simples, parecia alguém pagando uma penitência de bom
agrado, calculou o europeu que passou pelo oriental sem dar conta da existência
dele — Saiba a vossa graça que, antes de alcançar o céu, bem antes de
adentrarmos ao paraíso, temos uma longa, árdua e inevitável jornada!
Fortes dores de cabeça vieram, a cabeça latejava, eram dores leves que
iam e viam, nasciam e logo morriam. Passou pela porta com certo cuidado, estava
em alerta total.
Uma explosão multicolorida, cores fortes e vívidas em toda a parte. No
salão trinta pessoas dividiam os espaços, eram harmonias caóticas de aromas,
sensações, idiomas, sabores e cores. De variadas, etnias e nacionalidades,
senhores e senhoras de idades avançadas, senhores e senhoras de meia idade e
jovens adultos todos bem vestidos e misturados.
Degustam pequenos quitutes e tomavam chás,
licores, café em variados aparelhos sofisticados de cristal e porcelana.
Serviam-se de pequenas porções, e de forma bem discreta, enquanto apontavam e
olhavam profundamente para fotografias expostas. Eram sorrisos leves, olhares
sérios e abissais, sinais de aprovações e desaprovações eram a tônica de todos
ali. O conde notou que na verdade se comunicavam em um idioma desconhecido, na
verdade era um misto de falares do mar mediterrâneo com acentos de outros
lugares remotos provavelmente. Todos e todas ali se comportavam como se fossem
conhecidos de longa data.
Os expositores, que davam sustentação aos retratos eram de um metro por
um metro, eram de cristal líquido e estavam suspenso no ar a um metro do chão,
eram três simetricamente separados por três centímetros de distância formando
assim triângulos assimétricos. Estavam dispersos pelo salão de exposição, a
distância exata de três metros um do outro.
Se aproximou de um e vi uma mulher mestiça,
de cabelos negros volumosos, era uma mulher adulta, com fortes traços
africanos, estava de joelhos em um sofá, vestia uma delicada lingerie bege, nos
pés sandálias pretas salto alto fino bico e com tiras finas. De frente a uma
janela, os raios do sol realçavam os seios fartos e as coxas grossas, de olhos
fechados segurava as com as duas mãos as alças da calcinha delicada. A mesma
peça, se repetia nos outros dois expositores opostos, formando uma
equidistância perfeita. As luzes naturais vindas das janelas e as luzes frias e
quentes artificiais que brotavam, de lâmpadas no chão e no teto, davam
contornos e contrastes diferenciados às peças e revelavam e escondiam detalhes
em cada canto da densa fotografia. Revelavam os brilhos labiais na boca
carnuda, assim como escureciam o blush e também revelavam e escondiam micros
detalhes espalhados em cada canto da fotografia. Um olor, quase imperceptível,
de frescas rosas matinais exalavam do quadro.
Um pouco mais à frente a mesma modelo, deita em uma cama de casal entre
um lençol de egípcio e travesseiro de pena de ganso, o poder pessoal de sedução
explodiu da modelo no olhar sedutor, com a mão direita segurava o cabelo
volumoso, as longas unhas esmaltes em tom amarelo claro em contraste com a
lingerie branca. Amor, paixão e liberdade foram as palavras encontradas pelo
expectador, para descrever o que via e sentia.
Extasiado e mais uns passos à frente e o embrulho no estômago fez
presente e mais uma peça, uma outra modelo, outra mulher branca com fortes
traços africanos. Está sentada em uma cadeira, virada usado a costa da cadeira
como suporte, com o cabelo cobre cacheado. Os brincos em corrente incrustada de
semi-joias, a boca fina realçada pelo batom vermelho predador e a lingerie
preta. Um misto de sedução e de amor trágico emanava da cena.
Fez a digressão pelo salão de exposição, constatou que duas mulheres eram
irmãs, em todas as fotografias suscitaram: beleza, liberdade, jovialidade,
sedução, dor, desespero, leveza, amor, sexualidade das duas belas modelos não
convencionais. Uma tinha o brilho jovial e alegre como um dia de sol primaveril
em todas as fotografias e a outra era pura sedução, dor e sensualidade em uma
rara beleza trágica.
— O seu café, senhor, foi passado agora! — Um secretário falou com um
português leve e servil com sotaque indiano de Goa! — Tinha um sofisticado e
pequeno aparelho branco de porcelana de café em uma bandeja de madeira, saltava
os olhos os detalhes orientais pintados a mão. O secretário repassou a pequena
e delicada xícara e serviu com leveza e paciência oriental.
— De fato eu estava precisando mesmo de uma xícara de café — Levou a
xícara a boa e antes de provar, sentiu o aroma do café da infância, pois a mãe
leitora voraz de romances russos colocava gotas de limão nas xícaras de café.
Até a voz do serviçal lembrou o irmão mais velho a muito tempo muito falecido,
era um exímio barista.
— Mas como assim? Que lugar é este?
— É uma exposição de fotografias de arte, que se chama Dark saga: almas
gêmeas. São duas modelos, são duas irmãs na vida terrena e também irmãs de
alma. Se é isto que a vossa graça queria saber? Mas posso chamar o curador da
exposição, para lhe dar mais detalhes precisos. — Disse isso em tom suave e
apontando para o final do salão de exposição.
— Aldo! — Falou espantado e com horror no tom de voz.
— Sim senhor, o camarada mestre Aldo é
o nosso curador, da nossa magnificente exposição! Tenho um bom dia! — Respondeu
com uma voz metálica, na verdade uma voz inumana, e o jovem indiano bateu os
cascos à moda militar, se pôs em uma formação militar, encarou e se
retirou.
A voz do secretário zuniu no âmago mais
profundo. Um passado há muito distante, onde gritos de horror, sangue jorrando
em rios, o som da eletricidade que percorre corpos, risos sádicos, choros
compulsivos e o alívio da morte eram a lei. Aldo estava de terno e gravata,
eram roupas sóbrias de um homem culto e poderoso do leste europeu, terno azul
escuro, gravata tom sobre tom e sapatos lustrados.
O camarada curador Aldo, conversava com um
homem alto, corpulento de olhos verdes expressivos, estava uniformizado, com um
elegante traje de gala. Era um almirante, as condecorações se espalhavam pelo
peito, um ar latino, no militar dos mares, saltava aos olhos, o militar era
jovem demais para estar no posto que estava e ter as condecorações que tinha.
Aldo, que segurava um copo de vodca gelada,
parou de conversar com o jovem almirante condecorado e olhou para o lado oposto
de onde estava. O sorriso no rosto, do austero camarada curador, desapareceu
por completo e rapidamente brotou um abissal sorriso glacial.
Samuel da Costa é contista, poeta e
funcionário público em Itajaí, SC.
Contato: samueldeitajaí@yahoo.com.br
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