Por Severino Moreira (Bagé, RS)
João Simões Lopes Neto, falecido em 1916, deixou entre os seus escritos
os famosos “CAUSOS DO ROMUALDO” de Abreu e Silva, onde num desses causos o
Romualdo falava de “UM TALHO”, dado pela faca de seu já falecido compadre
Mingote Pereira, em uma galinha assada, que segundo descreveu Simões Lopes, era
quase da idade da sogra do Mingote, de tão velha e dura a dita cuja. Pois, vejam
só quê, a faca cortara a galinha, o prato, a mesa, e ainda atorou o joelho do
vizinho da esquerda e a tábua do assoalho com barrote e tudo.
Eu relato um trecho desse causo, acontecido, talvez, há quase cem anos
atrás pra mode de dizer que, embora, o autor da façanha já não seja vivo para
escutar, eu tenho um causo, que se não é igual é pelo menos parecido com o
referido. Como isso embora pareça impossível, eu afirmo que periga ser, e é
pura verdade.
Pois “hora vejam”, que eu estava no galpão em um domingo de manhãzita
n´uma peleia encarniçada para cortar um pedaço de costela gorda, que pelo visto
devia ter sido de um boi com no mínimo meia dúzia de anéis nas aspas de tão
velho, pois não havia dente e nem faca que entrasse sequer na graxa da costela,
o quanto mais na carne. “de modos que eu” enfrentava uma peleia desigual. Era a
fome e a vontade de comer, contra a resistência do tempo, que diga-se de
passagem ia levando uma larga vantagem.
Foi quando chegou o meu amigo José Tristão Camargo, que vinha com a
incumbência de me convidar para aparecer no programa “Reculutando Raízes”, que
produzia e apresentava na Rádio Cultura de Bagé, todas as terças-feiras. Tarefa
difícil porque de cordas e maneadores eu sou vaqueano, mas de microfones, sou
mais sestroso do que gato do mato acuado de cachorro.
O Camarguinho como é conhecido, compadecido com o meu sacrifício, levou a
mão a cintura e puxou uma "xerenguita", que até não inspirava muita
confiança. Já meio dentuda e sem ponta, mas segundo me afirmou, cortava até o fio
do pensamento à léguas de distância, e que normalmente usava a tal faca para se
"afeitar".
O amigo merecia crédito, e então peguei a bendita faca e levantei para
largar um talho... Nem gosto de me lembrar, me preocupa até hoje, pois me
escapou a xerenga da mão e caiu de bico em cima da costela, partindo ela ao
meio, furando junto a caçarola de ferro batido que me servia de prato, a mesa
feita com um tronco de tarumã, e ainda atravessou a barriga do meu cachorro que
dormia em baixo, rompendo três costelas de cada lado.
Mas, o pior, ainda, não foi isso, o azar é que a faca se afundou chão
adentro, a ponto de brotar uma vertente no piso do galpão, e olhem que nem anda
longe o tempo, que fizera uma “seca das braba” e eu andara procurando água e
pelo que vi na forquilha de pessegueiro o veio "tava" a mais de cem
metros de fundura.
Alguns meses depois, ouvindo um programa de jornalismo no meu radinho de
pilhas, fiquei sabendo que um conhecido político japonês havia morrido degolado
por uma faca que estranhamente havia brotado do chão, como se uma mola
empurrasse para fora da terra, atingindo a goela do pobre homem.
Não posso afirmar nada, e na verdade nem quero pensar nisso, mas
sinceramente, às vezes penso que a faca do meu amigo possa ter varado o mundo e
com isso me sinto indiretamente responsável pela morte desse notável político.
Fato trágico e inexplicável que teve repercussão em quase todo o planeta.
Deus me livre que tenha sido, mas me preocupo tanto que até me dói na
consciência.
Se alguém duvidar, do que digo, a cacimba que fiz, donde brotou a
vertente, ainda está lá num canto do galpão com a água mais cristalina e
fresquinha que um dia já bebi.
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