Por Samuel da Costa ( Itajaí, SC)
De frente para a praia de São Miguel da Boa Vista, a poetisa olha com esplendor
a vastidão oceânica como se fosse a última vez que a apreciava ou como se fosse
pela primeira. De uns dois anos passados para até aquele momento, as coisas
mudaram por completo na vida dela. A bem da verdade, tudo mudou de forma
radical na vida das jovens artesãs das belas-letras. Um renascer depois de
anos, de sobrevida, na pequena cidade interiorana e praieira. As correntes por
fim se quebraram e mil pedaços, depois de há muito enferrujam. E aquela velha
vida limitada, de marasmos não cabia mais nela. Um novo livro iniciado e, ainda
com muitas páginas em brancos a serem preenchidas em negras linhas.
O olhar perdido de Clarisse Cristal, para a infinitude do oceano a faz ignorar
o enorme estrando das ondas quebrando, com fúria titânica, na orla na praia e
as aves marinhas que gorjeiam estridentemente a poucos metros acima da cabeça
efervescente da jovem escritora.
— Vamos embora amor! Está passando da hora — Antônio tinha colocado a mão no
ombro esquerdo da namorada, com terno carinho, na vã esperança de trazê-la de
volta para a realidade, em que ambos vivem, pois o tempo urge e ruge para o
jovem casal.
— Mais um pouco amor, mais um pouquinho e já vamos embora! Pode ir amorzinho!
Eu te encontro lá em cima, não demoro. Vai ligar a moto que eu já vou indo.
O rapaz assim o fez, deixou a jovem namorada sozinha na orla da praia. A moça
foi para mais próximo de onde as ondas quebram, se abaixa e pega um punhado de
grãos de areia. Olha para a areia molhada, aperta bem forte e jogo a areia de
volta para o mar. Era hora de voltar para a realidade e
enfrentar o mundo real na realidade liquefeita. Ao cruzar a areia morna da
praia, naquele começo da manhã, subir o pequeno elevado e encontrar o namorado.
Antônio a espera em cima da motocicleta e com os dois capacetes nas mãos
esperando por ela com um sorriso nos lábios. E ela não pensou duas vezes ao ver
cena e se adiantar e dar um beijo ardente no namorado para depois subir no
veículo, mas Clarisse excitou e desembarca lentamente da motocicleta importada
último modelo.
— Toninho,
quem vai pilotar a tua lata velha hoje vai ser eu mesmíssima da silva!
Antônio não gostava quando a
namorada chamava a novíssima motocicleta dele de lata velha. Espantado, o
jovem músico estranha o inusitado pedido da namorada, que aliás não se cansava
das muitas surpresas que ela vinha trazendo em turbilhões para a monótona vida
dele.
— Desde quando tu tens habilitação, para dirigir motos, minha querida lady
Cristal?
— Desde da semana passada, tirei carteira de moto e carro, agora é oficial, tu
não és mais o meu chofer pessoal, meu querido!
De fato, Antônio era o motorista oficial do jovem casal. Quando o jovem, branco
e classe média alta apareceu na luz do dia com a namorada negra e pobre, foi um
choque para ambas as alas da cidade. A elite, branca e teuta e para a
empobrecida e negra ala, não isto já não tenha acontecido antes, não há luz do
dia.
Jovens rebeldes faziam isso vez ou outra, para chocar a sociedade local, mas
geralmente são breves enlaces, pequenos flertes que não sobreviviam mais poucas
horas, ou um dia ou dois. Mas aquele encontro de jovens almas, livres e leves
que romperam as barreiras das horas e dos dois dias, desfilavam pelas ruas da
cidade como um casal, que apesar de ainda jovem, se comporta de forma madura,
integrado e mais que interligado.
— Não me olhe assim, meu vampirão lindo, me dá logo a chave da lata velha e
vamos correr as estradas, tenho fome de vida, temos muito o que fazer antes que
o dia termine!
O jovem Toninho não teve alternativa, senão repassar a chave do veículo para a
esfuziante Clarisse Cristal. Ele sai da possível de condutor da motocicleta
para dar espaço para ela. Dali foram os dois a ganharem as estradas para ver as
provas do livro Flores no asfalto, o mais novo Clarisse Cristal.
Samuel da Costa
é contador e funcionário público em Itajaí, Santa Catarina.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
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