sábado, 1 de abril de 2023

DOMÊNICA

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro,SP)

 

      Estou farta deste serviço na lavoura, minha mão está calejada, e como se não bastasse, minha pele está manchada e rasgada devido ao sol! — Pensou a menina Domênica, tendo como alvo a próprio pai, que praticamente escravizava a filha, e seus três irmãos, todos pequenos.

Definitivamente, toda aquela situação precisava ter um fim, Estela, a matriarca da família, não fazia outra coisa choramingava o dia todo. Alguém precisava tomar uma providência, enfim, dar um basta naquela situação, pois os filhos corriam perigo.

Ao cair da noite, ao anoitecer, apagava as luzes, alguém gritou alto e em bom som

      — Estou exausto, apaguem as luzes, agora! — era Paolo, o patriarca da família, era um homem machista de descendência Italiana. Trêmula, Domênica obedeceu ao pai e foi apagar as luzes! Assim, Domênica protegia seus irmãos menores como podia, enquanto a mãe olhava cabisbaixo, pois há anos estava doente.

      Certo dia, Domênica criou coragem e olhando fixo nos olhos do pai,

      — Amanhã, vou me matricular na escola. — Disparou a corajosa menina, enquanto mordia os lábios, sempre agia assim quando se sentia nervosa.

      — Nunca! Mulher não estuda, apenas trabalha, vê sua mãe, trabalha na lavoura, além de cumprir com o serviço doméstico.

          A adolescente se retirou, e fingiu não escutar o que o pai disse. Domênica decidiu enfrentar seu próprio pai, já que a mãe passava o dia amedrontada. Estela sofria muito, pois a história conturbada e triste a família afligia muita a matriarca.

     No dia seguinte, bem cedo, Domênica resolveu caminhar a pé até o vilarejo, ela precisava comprar uns cadernos, ela tinha em mente criar uns livros, apenas ilustrados para os irmãos, era uma desculpa, que inventou para o pai, ainda na noite anterior. Também a adolescente tinha em mente se matricular na escola. Ela pisava em ovos, com o explosivo Paolo, ela jamais colocaria a vida dos irmãos e da mãe em perigo, pois o velho pai tinha lá se rompantes de agressividade.

     Assim que Domênica chegou ao vilarejo, evitando os passantes, ela se dirigiu para mercearia da cidade, ela conseguiu uns cadernos e lápis coloridos com facilidade, mesmo com os olhares desconfiados do único vendeiro da cidade. A adolescente voltou para casa, pois estava preocupada com a mãe e os irmãos.

      — Como foi ragazza!? Perguntou ríspido Paolo para a filha, assim que ela pôs os pés em casa.

        —  Papà, pode ficar tranquilo, não me matriculei na escola! — Murmurou Domênica de cabeça baixa.  

       — Se arrume rápido, passou da hora de ir trabalhar! Espere! Leve seus irmãos, estão bem crescidinhos! — Falou o patriarca para a filha.

       — Não me peça isso papai, Luigi é muito novo. — Luigi, o mais novo, tinha apenas cinco anos, reclamava do frio.

       — Cale-se! Faça o que mando ragazza! — Ordenou aos berros Paolo para Domênica.

        Domênica foi até o quarto onde os irmãos dormiam, acordou os pequenos irmãos e os agasalhou, fazia muito frio, pois a família vivia no sul, na serra. Onde a temperatura chega abaixo de zero, e não raro nevava. E naquele inverno não era diferente, era um amanhecer gelado. E na noite anterior tinha caído uma geada, calor somente ao cair da tarde. E lá foi a família com enxadas em punho para mais um dia de trabalho. Chegando na lavoura, Domênica fez o possível para esconder os irmãos do pai, e trabalhou pelos três.

        Domênica ao longe avistou uma senhora, parecia escrever, ou marcar algo num pequeno caderno. Como seu sonho era aprender a ler e escrever, esperou a hora do almoço para se aproximar da jovem senhora. Domênica se aproximou da mulher e descobriu que ela era uma funcionária de pai, deveria ter uns cinquenta anos.

— Tenho um sonho, tenho muita vontade de aprender a ler e escrever, vejo que sempre escreve. — Falou tímida Domênica para Fabrizzia.   

          — É a filha mais velha do senhor Paolo? — Fez a pergunta retórica para Domênica e prosseguiu — Sim minha bambina escrevo, meu filho me ensinou

           — A senhora pode me ensinar? — Perguntou Domênica.

           — Quem sabe il mio ragazzo Carlos possa! — Respondeu Fabrizzia sorrindo!

            — Adoraria signora Fabrizzia! — Falou Domênica sonhadora.   

         — Passe amanhã em casa, eu o meu filho Carlos, estaremos te esperando piccola Domênica ! —  Falou Fabrizzia e fez menção de ir embora.

         Domênica feliz saiu correndo e cantarolando uma antiga a Bella Ciao. Chegando em casa, Estela a mãe de Domênica, estava abatida, e ainda trabalhando, no velho casarão da família. Temendo que a mãe piorasse de saúde, Domênica levantou a mãe, que estava esfregando o chão, com dificuldades as duas mulheres subiram as escadas e foram para o quarto de Estela. Domênica colocou a mãe na cama com terno carinho.

      — Deite na cama, aquiete-se, vou buscar um médico. — Disse Domênica com autoridade para Estela.

       — Não, seu pai me mata, além de matar vocês! — Disse a dona da casa pesarosa.

         — Papai só fala, não teria coragem! — Disse a filha mais velha de Estela, tentando acreditar nas próprias palavras.

         — Vejo minha bambina, que tu não conheces o teu pai! — Contrapôs a dona casa para a filha.

           — Mamãe, mamãe!? — Falou Domênica tentando acordar a mãe, a que desabara pelo cansaço.   

Estela dormia os melhores dos sonos e Domênica ficou horas ao lado da mãe, pensando como se livrar do pai, afinal no século XX, sem direito de livre arbítrio. Sentada na poltrona, ficou horas a poucos centímetros da mãe.

        Ao amanhecer do dia, Domênica acordou bem cedo, decidida a não trabalhar e foi ter aula com Carlos, mas aflita, ela decidiu voltar para casa no meio do caminho. Assim que chegou em casa, notou que sua mãe estava abatida, e ainda trabalhando, naquele casarão velho. De novo temendo que a mãe piorasse de saúde, tirou a vassoura das mãos da mãe, pegou a mãe pelo braço e conduziu a mãe pelas escadas e chegaram no quarto dos pais,  colocou-a na cama.

— Deite um pouco mamãe, aquieta-te, vou buscar um médico! — Falou Domênica para mãe, não escondendo o descontentamento pela repetição da cena da noite anterior.    

— Não, seu pai me mata, além de matar vocês, os meus filhos. — Falou Estela para a filha.

— Papai só fala, mamãe. Ele não teria coragem para nada! — Refutou Domênica mais uma vez.   

        — Não minha bambina minha! Vejo que tu não conheces mesmo o teu pai!

        —  Mamãe, mamãe acorde!? — Gritou Domênica para mãe que adormeceu mais uma vez.

               Incomodada com déjà-vu, da noite anterior, Domênica ficou um bom tempo pensando como se livrar do pai, afinal em pleno século XX, sem direito de livre arbítrio.

Sentada na poltrona, ficou horas com a mãe, decidiu não ter aulas às escondidas. Domênica foi até o próprio quarto as presas, trocou de roupas, e saiu a busca de alguma autoridade, na pudesse ajudá-los. Preocupada com o estado de sua mãe, Domênica sai de casa, mas não sabia por onde procurar. Foi então que encontrou um policial, que fazia uma ronda de bicicleta e lhe contou a história, praticamente tudo. Precisava arrumar um médico para mãe, mas o que ela não sabia era que aquele policial era um grande amigo de seu pai. O homem da lei, não querendo se meter em questões familiares do amigo, ignorou a menina por completo.

Domênica partiu às pressas para o vilarejo, e chegando lá, ela não encontrou um médico para examinar sua mãe, pois no vilarejo, havia apenas um único médico, que estava percorrendo uma região afastada. E muitos ouvidos surdos ignoraram Domênica por completo, ninguém queria se meter na vida do polêmico Paolo.

Dada por vencida, Domênica decidiu voltar para casa, chegando em casa, Carlos, filho da funcionária de seu pai a esperava na porta.

        — Estava à sua espera e tu não apareceu, por lá! — Disse Carlos para a atônita Domênica, ao ver um homem desconhecido em casa.

— Desculpe! Quem é o senhor? — Disse Domênica tentando pôr as coisas em ordem! — A minha mãe está doente na cama, e meus irmãos pequenos ainda estão na lavoura. — Disse Domênica aflita.   

Carlos, percebeu que algo de grave ali estava acontecendo. Resolveu ver como a dona da casa estava. Intempestivo Carlos entrou no casarão e perguntou para Domênica que ficou para trás, ele perguntou onde estava a dona da casa.

— Ela está no andar de cima! — Respondeu Domênica aos berros.

Ladeados os dois subiram as escadarias e foram encontrar a dona da casa desfalecida na cama do quarto principal.   

 — Olha garota, vejo que é orgulhosa, se arruma, vamos levar sua mãe ao médico. — Sussurrou Carlos bem perto de Domênica.

— Carlos, não tem médico no vilarejo. — Ponderou Domênica.

— Mas quem disse que é no vilarejo signora Domênica, tem médico? — Perguntou Carlos e sugeriu! — Caso não tenha vamos procurar médico em outra cidade.

Domênica sabia que Carlos estava certo, então seguiram as sugestões do professor, ao perceber que a mãe estava piorando. Pela primeira vez na vida alguém a entendeu e tratou com dignidade.

Carlos e Domênica carregaram a enferma para o andar térreo, foram até a frente da casa e subiram no carro de Carlos.

 Chegando na cidade, ao lado do vilarejo, Carlos e Domênica descobriram que o médico que estava percorrendo as regiões mais afastadas da cidade, não tinha voltado para o consultório. Então foram para uma cidade próxima, que tinha um pequeno hospital. Chegando na cidade próxima, não foi difícil de encontrar o hospital, entraram no hospital e logo foram atendidos. O jovem doutor, avaliou Estela e logo deu um parecer preliminar.

— Parece que a senhora Estela, está anêmica e estafada! — Disse o médico para Carlos e Domênica, Estala estava dormindo na sala ao lado — Quero deixar claro que é um diagnóstico preliminar. A senhora Estela, vai ter que ir para o hospital da capital e fazer outros exames! Lá tem mais recursos que nós aqui.    

        — O que a minha mãe tem de fato, Doutor? — Perguntou Domênica aflita.

        — Calma, vamos deixá-la aqui hoje e amanhã vamos levá-la para o hospital da capital, onde ela será melhor assistida. — Respondeu o médico!

Domênica olhou para Carlos com os olhos cheios de lágrimas, e o abraçou desesperadamente e ao mesmo tempo, ela se sentiu amparada. Agradeceu a Carlos, e pediu para levá-la para casa, afinal era tarde, e o pai deveria estar desesperado, com o sumiço de parte da família.

       — Espera mulher! Vai largar a sua mãe aqui? Sozinha? — Perguntou Carlos.

       — Não sei o que fazer, estou cansada. — Falou chorosa Domênica!

       — Já sei, acalme-se, deixe a sua mãe aqui no hospital, eu cuido dela hoje de noite. E diga ao seu pai que tu passaste o dia comigo e com a minha mãe, a senhorita sabe dirigir? — Perguntou Carlos erguendo a chaves do carro!

      — Não sei dirigir é claro! — Respondeu Domênica— Sei que tu viveste e estudaste na capital e por lá mulheres dirigem, aqui não é assim Carlos.

            Carlos foi até o médico e perguntou se alguém de confiança iria para os lados que eles viviam. O médico revelou que ia mesmo ter com o médico daquela localidade, ele ia levar remédios e suprimento para localidade. E o médico se adiantou oferecendo uma carona para Domênica.

           Resolvida a volta de Domênica para casa, Carlos dá a notícia para     Domênica, ela aceita a solução da carona com o médico. Sobre mentir para o pai, ela acatou a solução proposta por Carlos. Domênica, sabia que o pai nos últimos tempos Paolo andava ausente, alheio a própria realidade. E por fim ela sabia que aquela era a única solução, sua mãe poderia falecer com aquele ciclo de abusos. Domênica seguiu seu destino, ao subir no carro do médico e voltar para casa, mas algo dizia que sua mãe não iria mais voltar para casa.

        Chegando em casa, Domênica mal olhou para o seu pai, sentia nojo, ele perguntou por onde ela andava, ela disse que foi ter com Fabrizzia e Carlos. E Paolo não perguntou por mais nada e Domênica saiu correndo, ela foi procurar os irmãos. Assim que os encontrou, abraçou-os fortemente, bem mais aliviada. Enfim, deitaram os quatro irmãos, ela estava exausta e com má intuição em relação à mãe, pois Estela estava doente, e mal conseguia comer.

       No dia seguinte, aflita Domênica foi trabalhar, junto aos irmãos.

— Domênica, trago notícias de sua mãe! — Era Carlos.

— Não precisa me dizer, pois já estou sabendo.

— Como, quem lhe disse!?

— Sabia que quando deixasse mamãe, naquele hospital...

— Sabia o quê?

— Mamãe sofreu muito, teve uma vida cheia de feridas, psicológicas e emocionais. E se foi, deixou de sofrer neste plano.

Enfim, Domênica contou em detalhes a vida terrível que Estela teve ao lado de um homem covarde e machista. Foi melhor assim. Mas, o que ninguém sabia é que Domênica tinha provas de tudo que a mãe passou.

Estela tomou posse do diário de Paolo, onde o marido detalhou em mínimos detalhes de próprio punho as agruras que ela passava. Chutes, murros, estupros coletivos, tudo armado pelo próprio marido, e coisas, ainda piores. Estela deu instruções do que fazer com os cadernos de Paolo.

— E sabe onde estavam às provas!? — Perguntou para Carlo e respondeu em seguida — Dentro dos cadernos, nos quais ilustrava para os irmãos! Mandei para um jornal na capital.  

Infelizmente foi preciso Estela falecer, para o caso vir à tona. Destruído, Paolo foi internado em um hospício e por lá logo faleceu   

O casarão e a lavoura ficaram para Domênica e os irmãos, assim poderiam ter uma vida digna, apesar das feridas emocionais. Carlos, apaixonado por Domênica pediu-a em casamento. Mas ela recusou, a prioridade dela eram os irmãos, A irmã de sua mãe veio morar com eles, até que ela completasse dezoito anos.

—  Domênica, case-se comigo!? —  Propôs Carlos mais uma vez.

—  Agradeço por tudo que nos fez, mas não insista. 

Domênica, além de ativa, era uma garota inteligente, jamais colocaria um homem para morar com e seus irmãos pequeninos. Seus irmãos sempre foram sua prioridade. E tinha como exemplo a mãe.

 

 

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