Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)
À noite, ao me deitar, ouvi
mais gritos. De uns tempos para cá, era assim, uma mulher gritava histérica,
todos os dias em horários variados. Bom era a minha vizinha acidental,
que morava ao lado, pois vivíamos em casas geminadas. Afinal, o que se passava
dentro daquela casa!? Era algo muito misterioso e grave. A possibilidade de ali
haver uma vítima de violência doméstica, era mais que evidente, pois havia um
senhor de meia idade que residia na casa, junto a uma jovem e bela mulher na
flor da idade.
Certo dia, assim que cheguei
no ponto de ônibus, para ir ao trabalho, o ponto de ônibus era a poucos metros
da minha casa. Olhei para a minha casa, como quem se despede de alguém ou alguma
coisa e notei que havia mais mulheres, eram garotas jovens, bem jovens, estava
na frente da casa dos meus vizinhos. Todas pareciam assustadas e com olhares
graves.
A minha mente, geralmente
ocupada com as minhas individualidades cotidianas, vislumbrou as cenas daquele
senhor, que tinha um semblante estranho, e sempre saia e chegava num portentoso
carro blindado, negro como a noite, de vidros fumê e sempre acompanhado de
garotas bem jovens. Tudo parecia ser bem estranho, parecia um carcereiro a
vigiar detentos, no caso ali detentas.
Então, o melhor que tinha a
fazer, era esquecer toda aquela confusão aleatória, que em nada tinha a ver
comigo. Em suma segui minha rotina normal, pois o ônibus dobrava a esquina e eu
tinha que tocar a minha vida. Enquanto os gritos histéricos? Eles já não me
incomodavam mais, virou rotina, uma nota menor de rodapé, bem triste, a bem da
verdade.
Um tempo depois, certos
fatos da vida sempre se impõem, como as casas eram geminadas, impossível não
ouvir os gritos e barulhos, nos quais foram aumentando e aumentando, conforme o
tempo ia passando. As jovens garotas, que desembarcavam e embarcavam, do
portentoso carro blindado do carcereiro, começaram brigavam entre si, de forma
barulhenta, fugindo um pouco da normalidade, mais um capítulo triste! Eu
angustiado, fugindo também da minha dita normalidade, tarde da noite fui até a
rua, fingindo tomar um ar. Notei que a porta da casa dos meus vizinhos
barulhentos, estava semiaberta, e não me contive, resolvi espiar mais e perto!
E o pouco que vi, me aterrorizou o meu âmago mais profundo.
De forma intempestiva adentrei
na casa, cheguei na porta da casa e ali fiquei, não me importando com nada, me
deparei com dez garotas, muito jovens, estavam agrupadas na sala de estar.
Notei que reconfiguraram o interior da casa por completo, transformando os
cômodos amplos em cápsulas minúsculas. Olhei para elas, cheguei a ter pena das
moças, e elas devolveram com olhares de súplicas chorosas. Estavam magras, com
certeza passavam fome, ou poderiam estar com algum tipo de doença. Bom, não sei
dizer!
De repente, uma delas, veio
até a mim e em silêncio, fomos caminhando devagar até o portão.
— Faz tempo que moram aqui. —
Puxei assunto.
— Faz uns três meses, somos
todos modelos. — Respondeu a jovem mulher sem vigor algum.
Olhei detalhadamente para
jovem garota magérrima, para mim aquilo não era normal.
— Você é uma linda mulher! — Comecei a elogiar, quem sabe ela pudesse me contar
algo. — Todos vocês são lindas mulheres, mas me parece que comem pouco?
— Estamos em uma dieta à base de sementes nutritivas, farináceos e sucos
naturais. — Respondeu a jovem modelo.
— Quem é o senhor, que vive
com você, ele é seu pai? — Perguntei sem rodeios.
— É o nosso empresário,
e namorada a modelo mais nova, Íngride.
— Parece que ela gosta muito
dele! — Perguntei, pois já tinha visto o casal juntos. Visto e ouvido os dois a
bem da verdade.
— Às vezes ele bate nela,
geralmente quando ela come algo escondido! — Disse entredentes a jovem.
— Bom, preciso ir, logo vou
descansar amanhã eu trabalho! Desculpem a minha intromissão. — Me despedi e
apressadamente voltei para casa, eu estava desolado.
— Até mais, meu bom senhor! —
Fala para mim e depois sorriu sorrindo.
Ao amanhecer de um novo dia e
eu embarcar no ônibus e eu voltar para a segurança da minha rotina cotidiana,
constatei que era uma impossibilidade eu voltar para o que era antes. A minha
vida, já não era a mesma depois que presenciei uma realidade tão dura. O
meu vizinho, aquele homem estranho, era um traficante de mulheres, deduzi
amargurado. Via e revi, a cena na minha cabeça, ele prometia fazer das jovens
mulheres modelos de sucesso, em promessas falsas para gente simples e humildes.
Ao final do meu turno,
na volta para minha casa, de volta a rotina doméstica, e novamente eles
voltavam, escuto gritos de dores e terríveis vozes angustiantes vindos da casa
ao lado da minha.
— Me solte, está doendo! — Era
uma voz debilitada, de uma mulher jovem
— Cale-se, mulher maldita! —
Era a voz irada de um homem maduro.
O casal sai da casa e ganhou a
frente da casa, notei que a garota, era praticamente pele e ossos, era Íngride.
Notei também, que além de fazer falsas promessas, ele estava matando-as, pouco
a pouco. O circo foi desarmado com um forte tapa na cara de Íngride, que foi ao
chão, desmaiou e outras três garotas vieram ao socorro da jovem mulher
estatelada no chão.
Entrei na minha casa com pesar
no coração, não pela cena que se desenrolou a poucos metros de mim, pelo fato
que uma viatura da polícia que passou lentamente pela rua enquanto a cena
desenrolava. Os policiais olharam e não pararam e o jovem advogado bem alinhado
que também voltava para casa no mesmo horário que eu, e vivia na frente, também
presenciou a cena sem nada fazer ou dizer. A bem da verdade, uma pequena
multidão do bairro afastado, às margens da rodovia, presenciara tudo que vi e
escutei. E nada fizeram!
Adormeci sentado na
minha poltrona, estava lendo o jornal do dia, mas logo despertei ao escutar os
gritos que vinham da rua. Reconheci, era Íngride novamente. Fui fatigado até a
janela e vi o companheiro de Íngride, que a pegou pelos cabelos, a trouxe para
si e depois a segurou e sacudiu com força pelos braços. Ele a conduziu de volta
para casa.
— Me solta, me solta! —
Gritava em desespero a garota!
—
Garota, você é minha, então, entre, e entre agora! — Os gritos do homem de meia
idade explodiram dentro da minha cabeça.
Não pude terminar de ver a
cena, e voltei e me sentei no sofá e pensei comigo: — E hora de agir, quero
filmar tudo que está acontecendo, e tirá-las de lá!
Então com o passar dos dias e
semanas, discretamente eu passei a registrar as cenas, que via e escutava na
casa ao lado. Mesmo temendo pela minha vida, fui devidamente municiado com imagens
e áudios, eu fui ter uma boa conversa com um amigo que trabalhava a anos com a
imprensa.
Com o escândalo vindo à tona, eu
não demorei muito, autoridades vieram ter uma conversa com o meu bom vizinho, e
prenderam o bom senhor na frente de todos e todas. E descobrir acompanhando
pela imprensa que o dito era um bandido, com um longa ficha na polícia. Não
demorou para as meninas serem entregues para os pais, eram famílias pobres do
interior.
Li nos jornais, ouvi nos
programas rádios e nos programas de TVs os detalhes terríveis do caso. As
garotas apresentavam transtornos alimentares, como bulimia, anorexia, e um
quadro perigoso de depressão, pois estavam sendo vítimas de um psicopata. Minha
maior preocupação, era em relação a Íngride por ter sofrido tanto abuso, mas
como eram menores de idade os nomes das meninas não foram publicados.
Mas, eu precisava continuar
minha vida, trabalhar para sobreviver e voltar para a minha vida cotidiana. Eu
esperava e espero mesmo, que as pessoas ao saberem, toda essa história,
que serviu de exemplo a muitas garotas, e pais, ainda desinformados sobre o
assunto.
O tráfico humano, na verdade é
uma superexploração, bandidos oferecem chances para uma carreira de modelo. Mas
nada legalizado. E assim, exploram-nas sexualmente, podendo haver fatos
piores, como remoção de órgãos.
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